Exit: Não há revolução em lado nenhum
Carta aberta às pessoas interessadas na EXIT! na passagem de 2012 para 2013
"A esquerda
que cheira o traseiro de cada manifestação social à vista na rua
o que mais
gostaria era de se regalar nas paisagens florescentes de um ano revolucionário. Para além da falta de vergonha, voltar a desenterrar e a remoer
freneticamente a palavra começada por R"
Há muito
que a chamada esquerda do movimento se julgou superior à oposição ou mesmo à
simples relação entre reforma e revolução. O que só podia significar que já não
se sabia o que poderia ser tanto uma como a outra. O objetivo da abolição
revolucionária do capitalismo, como catalisador necessário até da mais pequena
reforma social, não foi reformulado, mas apressadamente imputado ao extinto
marxismo de partido e de Estado, para mais facilmente o poder descartar. A
monotonia pós-moderna dum culto das superficialidades habituais e dos detalhes
aconcetuais, fanfarronando a sua pluralidade, não está para lá do antigo nível
de certeza, mas simplesmente esperneando desamparada ao lado dele.
Na
verdade, a ideia de revolução só foi considerada arrumada e selada pela operação
do movimento de esquerda e sua ideologia desconstrutivista porque se perdeu a
força para as habituais reformas dentro do capitalismo. Como é sabido, o
neoliberalismo comum a todos os partidos roubou o conceito de reforma e
transformou-o no seu contrário, sem encontrar qualquer resistência
significativa.
- Lutas sociais reais não só eram cada vez mais raras, mas também sem qualquer referência à crítica social radical, permanecendo presas a interesses particulares tacanhos.
Tanto
menos crível é a repentina inflação do termo revolução, que teria vivido a sua
segunda primavera por todo o mundo em 2011, sem que as ideias do passado
tivessem sido criticamente revistas e transformadas. Em primeiro lugar surge
naturalmente a chamada revolução árabe, que derrubou alguns regimes autoritários
(Tunísia, Egipto e Líbia) com grande sacrifício de vidas humanas, enquanto
noutros lugares (Síria, Argélia, Bahrein, Iémen) por enquanto tem vindo a ser
metralhada. Em rápida sucessão a agitação cintilou também na Europa. A
Grã-Bretanha testemunhou violentos distúrbios de jovens de classe inferior
desesperados, a que o governo conservador respondeu com um padrão de repressão
por assim dizer arábico. Nos países da crise da dívida do Sul da Europa (Grécia,
Espanha, Portugal, Itália), houve um grau variável de movimentos sociais contra
a brutal política de austeridade, impulsionado principalmente pela geração
jovem. Um quadro semelhante se apresentou em Israel, com manifestações de massa
contra a política anti-social do governo de Netanyahu. No Chile, os estudantes
rebelaram-se contra a orientação neo-conservadora do sistema de ensino.
Finalmente, nos Estados Unidos, deu que falar o chamado movimento occupy
que, em protesto contra a desigualdade crescente e contra o poder dos bancos,
foi entendido como um contrapeso ao ultra-conservador tea party e
constituiu ramificações em muitos países, entre os quais a Alemanha.
A esquerda
que cheira o traseiro de cada manifestação social à vista na rua o que mais
gostaria era de se regalar nas paisagens florescentes de um ano revolucionário
em 2011. Para além da falta de vergonha para voltar a desenterrar e a remoer
freneticamente a palavra começada por R, que estava enterrada e esquecida, a
mera adulação dos diversos protestos e levantamentos não ajuda nada a causa da
libertação social. Marx sublinhou com razão que uma transformação
verdadeiramente revolucionária apenas progride na medida em que os seus começos
e fases de transição são criticados sem dó nem piedade, para os superar e para
repelir as suas meias-verdades, falácias e aberrações. Se assim não for, todo o
empreendimento se pode transformar no seu contrário. Decisiva aqui é a
importância da reflexão teórica. Isto é especialmente verdade numa situação como
a de hoje, em que ainda não há uma ideia desenvolvida da ruptura revolucionária
com a ordem estabelecida. A forma de mediação é a polêmica contra o estado dos
movimentos, e não o envolvimento disposto a adaptar-se, reagindo de modo
puramente tático às dificuldades ideológicas e limitando-se a refletir
afirmativamente para os intervenientes a sua falsa consciência imediatista.
- Depois de mais de 250 anos de história da modernização não há mais espontaneidade inocente.
Para uma
análise crítica é preciso em primeiro lugar verificar a diferença de certo modo
existencial no grau de dureza da revolta e da repressão. Os movimentos de massas
árabes pagaram deliberadamente um pesado tributo em vítimas e na verdade
derrubaram governos. No sul da Europa e na Grã-Bretanha os embates foram
violentos para as condições de metrópoles ocidentais, mas muito menos intensivos
e em grande parte ineficazes. O mesmo se pôde ver em Israel e no Chile. O
movimento occupy dos E.U.A., finalmente, caracterizou-se em grande parte
por um mero moralismo superficial e piegas, sem garra, que entre os seus
imitadores na Alemanha ainda foi rebaixado ao nível de gnomos de jardim por
chefes de turma colocando questões bem comportados. É claro que as diferenças na
militância externa não dizem nada sobre um conteúdo revolucionário, que só pode
ser determinado pela profundidade da crítica radical, mas indicam o diferente
nível de ruína e desespero.
A nova
crise económica mundial de modo nenhum está terminada e não é apenas econômica,
mas em grande parte do mundo também levou a sérias distorções sociais que não
podem resolver-se nas respectivas condições e formas de desenvolvimento
específicas, pois referem-se a estruturas gerais do capitalismo global. Por um
lado, em toda parte se pode ver uma explosão nos preços dos alimentos, que
afeta sobretudo as classes mais baixas, mas também para os consumidores de
renda média se torna cada vez mais dolorosa. Sobrepõem-se aqui o limite interno
econômico e o limite externo ecológico do capital.
- A política geral de inflação com a inundação de dinheiro dos bancos centrais é agravada para os produtos agrícolas pela produção crescente de biocombustíveis em vez de alimentos básicos, que ao mesmo tempo se tornam ainda mais escassos por desastres naturais socialmente provocados. Isso é notório em todos os países sem exceção, mas tal tendência torna-se insuportável em primeiro lugar onde, como nos países árabes, o custo dos alimentos básicos já consome a maior parte do orçamento da maioria da população.
Por outro
lado, a precarização dos jovens acadêmicos há muito latente agravou-se
dramaticamente na crise econômica mundial. Também este fenômeno é global; mesmo
na Alemanha é conhecida a “geração estágio” e não é só desde ontem. No sul da
Europa o desemprego juvenil generalizado atingiu a marca dos 50 por cento ou
mais e disparou o corte na formação e o subemprego dos finalistas do ensino
secundário e das universidades. Mesmo na China cada vez menos licenciados
encontram um trabalho adequado. De doutorando para ajudante de empregado de
mesa, diz o slogan da decadência. Claro que também há uma gradação global neste
desenvolvimento. Enquanto na Europa e na América do Norte os rebentos da classe
média qualificada ainda podem conseguir em parte apoio dos pais perante a falta
de perspectivas, noutros lados eles já têm de ajudar a alimentar as famílias
arruinadas. Não é de admirar que o tiro de partida simbólico para a revolta
árabe tenha sido a auto-imolação de um jovem acadêmico tunisino que já nem
sequer como vendedor ambulante conseguia sobreviver.
Na
história moderna a degradação social da juventude estudantil sempre foi fermento
de erupções revolucionárias. Mas para que a partir daí ocorresse uma verdadeira
revolução social teve de se criar em primeiro lugar um esboço teórico
atualizado e, em segundo lugar, teve de realizar-se uma organização social
abrangente, incluindo as classes mais baixas. A este respeito se mostra a
completa vergonha intelectual, social e organizacional da geração Facebook. Em
todos os movimentos não há vestígios de uma ideia nova e revolucionária, a
classe média acadêmica comporta-se em grande parte de modo auto-referencial e
sem qualquer conexão sistemática com as classes mais baixas e o encontro não
vinculativo através da Internet permanece sem força organizativa no domínio
social. Além de frases democráticas ocas não há mais nada. Portanto, também em
lado nenhum se pode falar de uma revolução, se se entender isso como mudança
fundamental social e económica e não apenas como substituição das personagens da
administração da crise por outras ainda piores.
Como não
há qualquer dialética qualitativamente nova entre reforma e revolução, mesmo as
abordagens sindicalmente limitadas não conseguiram implantar-se. A
redistribuição dos rendimentos do petróleo e do turismo não se concretizou. Na
Europa e nos EUA nem sequer exigências sociais específicas atingiram uma
amplitude apreciável.
- Assim, a revolta está a ser instrumentalizada por forças muito diferentes que fazem valer a sua tendência para a barbarização perante o vazio ideal e organizacional.
Israel
demonstra a sua natureza dual em que, por um lado, como Estado dos judeus, se
transformou no objeto de ódio número um na digestão ideológica da crise a nível
mundial. Por outro lado, enquanto Estado capitalista, passa pelas mesmas
rupturas sociais que todos as outros e produziu o seu próprio fascismo
religioso, como poder autodestrutivo interno (um fenômeno comum a todas as
culturas da pós-modernidade). Rabinos proeminentes falam do perigo de
talibanização por uma minoria de fanáticos ultra-ortodoxos, que se equiparam aos
seus irmãos inimigos islamitas como um ovo ao outro. Juntamente com os colonos
chauvinistas, ameaçam barbarizar Israel e privá-lo da sua legitimação histórica.
O movimento social da juventude israelita contra a administração da crise é
semelhante em muitos aspectos ao da Europa. Dada a situação geral, teria de se
ligar a revitalização do poder de intervenção quase sindical com a manutenção da
força militar contra os inimigos de Israel unidos que querem em última instância
uma limpeza anti-semita do mapa; dadas as circunstâncias, o espaço de manobra só
poderia ser ganho fechando a torneira do subsídio financeiro aos ultras
religiosos e nacionalistas. O protesto social pode de fato invocar o projeto
sionista fundamental, que remonta a Moses Hess, mas a ideia socialista também
aqui é apenas uma sombra do passado.
O mais
impressionante é que, apesar das diferenças, por todo o mundo a rebelião é em
grande parte "sem a esquerda", como o Frankfurter Allgemeine Zeitung registou
com satisfação. Portanto, mesmo para os políticos da tertúlia pós-operaista da
globalização, o entusiasmo com o movimento da multitude está um pouco
entalado na garganta. Mas afinal o que teria ainda para dizer o mainstream
do atual marxismo residual ou pós-marxismo, que está por um fio, aos que
engrossam o protesto no movimento, independentemente dos seus protagonistas? Se
a falta de ideias no plano intelectual e a impotência no plano social da geração
Facebook é um produto direto da socialização do capitalismo de crise
virtualizado, também os círculos de esquerda nas suas várias correntes
representaram apenas uma ideologia postiça dessa mesma situação.
Em vez de criar uma nova ideia de revolução e, assim, formar um pólo oposto à barbárie da crise, a esquerda iludida pelo culturalismo em parte fantasiou até mesmo o fascismo religioso islâmico como força suscetível de aliança (viva a diversidade) e, inversamente, deu espaço a um impulso estupidamente anti-semita, inimigo de Israel por princípio; a condizer com o enterro da crítica radical da economia política.
- Um mero reflexo da sua própria tacanhez teórica nos conceitos do batido desconstrutivismo não pode abrir qualquer perspectiva histórica aos novos intervenientes.
Em vez de criar uma nova ideia de revolução e, assim, formar um pólo oposto à barbárie da crise, a esquerda iludida pelo culturalismo em parte fantasiou até mesmo o fascismo religioso islâmico como força suscetível de aliança (viva a diversidade) e, inversamente, deu espaço a um impulso estupidamente anti-semita, inimigo de Israel por princípio; a condizer com o enterro da crítica radical da economia política.
O que une
o protesto não-de-esquerda com a pós-esquerda com ele boquiaberta é a
justificação aparente da frase democrática com a frase existencialista. O que
falta de ambos os lados é a crítica conscientemente antipolítica da esfera da
regulação capitalista; só que o protesto é apolítico até à medula, enquanto a
esquerda volta sempre a requentar de novo o politicismo mais batido e na crise
ressocialdemocratiza-se com gosto para manter a sua inocência comprovada. Como
reverso da mesma medalha, em toda a parte se fazem as honras a um revoltismo
hostil à teoria (em França com coloração pós-situacionista), que julga poder
evitar a renovação conceitual e analítica da crítica radical, atribuindo à falsa
consciência das massas uma partida para novas fronteiras, em suplementos
culturais entusiasmados.
A
Insurreição Que Vem já aí está, mas o seu conteúdo é tão pobre como a
situação em si, que ela em lado nenhum é capaz de transcender conceitualmente.
Sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário, esta verdade antiga
precisa de ser reinventada para a situação historicamente mudada. É no
desenvolvimento e disseminação de conteúdos inovadores de reflexão, na própria
intervenção teórica, que reside hoje a resposta à questão do que fazer; não em
pseudo-atividades inventadas, nem na atividade artesanal em pequenos mundos
ilusórios resguardados, que ainda ficam atrás dos movimentos de protesto. Somente
quando estes se modificam a si mesmos, confrontando-se com a teoria reformulada
e justamente assim se mediando consigo mesmos, só então eles deixam de funcionar
no vazio. Não deixa de ser involuntariamente cômico que a esquerda parada ao
lado volte a tematizar outra vez a “questão da organização” com grande vazio de
conteúdo teórico e sem uma ruptura fundamental com o padrão de pensamento falido
do antigo marxismo e da pós-modernidade. Isso já em 1968 correu horrivelmente
mal.
A
renovação teórica em atraso só pode visar negativamente o falso todo de modo
essencialista e anti-relativista. Quem não quiser apreender e combater a
totalidade capitalista já perdeu. A viragem culturalista e desconstrutivista
levou a um impasse, porque pretendeu fazer esquecer a lógica objetivada do
fetiche do capital para poder fazer desaparecer a crítica no design das
particularidades. Deve-se, pelo contrário, provocar uma espécie de contenda do
universalismo, que caracterize a abstração categorial como referência essencial
da realidade.
- Não será com a barriga nem com os pés que se tocará para as relações de crise a sua própria melodia.
Certamente
que é necessário um esforço teórico de muitas forças a nível mundial para
suplantar a paralisia da transcendência revolucionária. Não, porém, como
gritaria pluralista burguesa, mas sim na determinação da questão geral, o
capital mundial, e na batalha pela verdade teórica do tempo. A elaboração
teórica da crítica da dissociação e do valor formulada no contexto da revista
EXIT tenta contribuir para isso no espaço de língua alemã e para além dele.
A crítica da relação de dissociação e valor também determinada sexualmente mostrou que não se trata da antiga exegese do capital na lógica da derivação; mas, justamente por isso, por maioria de razão é preciso insistir em sintetizar a totalidade do capital em si quebrada. Não temos para apresentar a pedra filosofal, mas a partir do foco da crítica da forma basilar e da localização histórica foram produzidas as primeiras abordagens duma transformação da teoria crítica. Quem com razão se queixa de que a elaboração teórica ainda não foi suficientemente desenvolvida e concretizada não deve deixar desaparecer as condições para isso. Sem apoio material nada feito, a produção teórica e a possibilidade da sua recepção independente não podem ser tidas por adquiridas.
Impacientes e não só são convidados a ajudar a EXIT a "nadar contra a corrente".
A crítica da relação de dissociação e valor também determinada sexualmente mostrou que não se trata da antiga exegese do capital na lógica da derivação; mas, justamente por isso, por maioria de razão é preciso insistir em sintetizar a totalidade do capital em si quebrada. Não temos para apresentar a pedra filosofal, mas a partir do foco da crítica da forma basilar e da localização histórica foram produzidas as primeiras abordagens duma transformação da teoria crítica. Quem com razão se queixa de que a elaboração teórica ainda não foi suficientemente desenvolvida e concretizada não deve deixar desaparecer as condições para isso. Sem apoio material nada feito, a produção teórica e a possibilidade da sua recepção independente não podem ser tidas por adquiridas.
Impacientes e não só são convidados a ajudar a EXIT a "nadar contra a corrente".
Fonte: Do Original
KEINE REVOLUTION, NIRGENDS in
www.exit-online.org,
Janeiro de 2012
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