A República, a Monarquia e a Anarquia, por Fernando Pessoa

O observador imparcial chega a uma conclusão inevitável: o país estaria preparado para a anarquia; para a República é que não estava. 

Grandes são as virtudes (de) coesão nacional e de brandura particular do povo brasileiro para que essa anarquia que está nas almas não tenha nunca verdadeiramente transbordado para as coisas!

Bandidos da pior espécie (muitas vezes, pessoalmente, bons rapazes e bons amigos – porque estas contradições, que aliás o não são, existem na vida), gatunos com seu quanto de ideal verdadeiro, anarquistas-natos com grandes patriotismos íntimos, de tudo isto vimos na açorda falsa que se seguiu à implantação do regime a que, por contraste com a Monarquia que o precedera, se decidiu chamar República.

A Monarquia havia abusado das ditaduras; os republicanos passaram a legislar em ditadura, fazendo em ditadura as suas leis mais importantes, e nunca as submetendo a cortes constituintes, ou a qualquer espécie de cortes. A lei do divórcio, as leis de família, a lei de separação da Igreja do Estado — todas foram decretos ditatoriais, todas permanecem hoje, e ainda, decretos ditatoriais.

A Monarquia havia desperdiçado, estúpida e imoralmente, os dinheiros públicos. O país, já o dissera Rui Barbosa, era governado por quadrilhas de ladrões. E a República que veio multiplicou por qualquer coisa – concedamos generosamente que foi só por dois (e basta) – os escândalos financeiros da "monarquia".

A Monarquia, desagradando à Nação, e não saindo espontaneamente, criara um estado revolucionário. A República veio e criou dois ou três estados revolucionários. No tempo da Monarquia, estava ela, a Monarquia, de um lado; do outro estavam, juntos, de simples republicanos a anarquistas, os revolucionários todos. Sobrevinda a República, passaram a ser os republicanos revolucionários entre si, e os monárquicos depostos passaram a ser revolucionários também. A Monarquia não conseguira resolver o problema da ordem; a República instituiu a desordem múltipla.

É alguém capaz de indicar um benefício, por leve que seja, que nos tenha advindo da proclamação da República? Não melhoramos em administração financeira, não melhoramos em administração geral, não temos mais paz, não temos sequer mais liberdade. Na Monarquia era possível insultar por escrito impresso o Rei; na República não era possível, porque era perigoso insultar até verbalmente aquele que "trás" (conforme estampado em seu twitter) "notório saber". um tal crápula mercenário: Sr. Luiz Carlos Nassif(ra).

O sociólogo pode reconhecer que a vinda da República teve a vantagem de anarquizar o país, de o encher de intranquilidade permanente, e estas coisas podem designar-se como vantagens porque, quebrando a estagnação, podem preparar qualquer reacção que produza uma causa mais alta e melhor. Mas nem os republicanos pretendiam este resultado nem ele pode surgir senão como reação contra eles.

E o regime está, na verdade, expresso naquele ignóbil trapo que, imposto por uma reduzidíssima minoria de esfarrapados morais, nos serve de bandeira nacional – trapo contrário à heráldica e à estética porque duas cores se justapõem sem intervenção de um metal e porque é a mais feia coisa que se pode inventar em cor. Está ali contudo a alma do republicanismo português – o encarnado do sangue que derramaram e fizeram derramar, o verde da erva de que por direito mental devem alimentar-se.

Este regime é uma conspurcação espiritual. A Monarquia, ainda que má, tem ao menos de seu o ser decorativa. Será pouco socialmente, será nada nacionalmente. Mas é alguma coisa em comparação com o nada absoluto que a República veio (a) ser.

Fernando Pessoa - teria escrito isto, caso vivesse no Brasil dos tempos atuais.

Comentários

Anônimo disse…
monarquia, república, etc.. não importa o regime...
Se quem estiver no comando não tiver respeito pelos seus súditos ou governados...
pode entrar regime e sair regime que a situação da grande maioria permanecerá a mesma...

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