Economia: três usos para o vil metal

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Economia: três usos do dinheiro
Por Leonardo Boff
 
A Campanha da Fraternidade deste ano, agora ecumênica, vai propor que as milhares de comunidades cristãs, paroquiais e de base discutam o tema: Economia e Vida, tema central devido à crise econômica mundial que deixou mais de 60 milhões de desempregados.

Trata-se de resgatar o sentido originário da economia como a atividade destinada a garantir a base material da vida pessoal, social e espiritual. Ela não pode ocupar todos os espaços, como ocorreu nos últimos decênios. A sociedade mundial virou uma sociedade de mercado e todas as coisas, do sexo à SS. Trindade, viraram mercadorias com as quais se pode ganhar dinheiro. A economia é parte de um todo maior.

Para facilitar a compreensão, distingo três espaços da atividade humana, um dos quais ocupado pela economia. 
  • Em primeiro lugar somos seres de necessidade: precisamos comer, beber, ter saúde, morar e outros serviços. Nisso, todos dependemos uns dos outros para atender a esta infra-estrutura. É o campo da economia. 
  • Em segundo lugar somos seres de relação: colaboramos com os outros, instauramos direitos e deveres, observamos leis e juntos construimos o bem comum. É o lugar da política. 
  • Por fim, somos seres de criação: cada pessoa possui habilidades, não só reproduz o que está ai mas  cria, exerce sua liberdade e  faz a sociedade avançar. É o âmbito da cultura. Todas se entrelaçam, mesmo  com  conflitos que não invalidam esta estrutura básica.
Vamos nos concentrar num capítulo fundamental da economia que é o uso do dinheiro. No começo não havia  dinheiro, mas a troca: eu lhe dou um kg de arroz e você me dá três garrafas de leite. Reinava a relação direta e a confiança de que as trocas eram justas.

Mas ao sofisticar-se a sociedade, entrou o dinheiro como meio de  troca. E aí surgiu um risco, pois dinheiro significa poder que obedece a esta lógica: "quem não tem quer ter; quem tem diz: quero ter mais; e quem tem mais diz: nunca é suficiente". Ai surge a especulação que é ganhar sem trabalhar,  dinheiro fazendo dinheiro.Mas o dinheiro tem três usos legítimos: para comprar, para economizar e para doar.

Dinheiro para comprar é necessário para o consumo daquilo que precisamos. Mesmo assim devemos sempre colocar a pergunta: compro por que preciso ou por que sigo a propaganda ou a moda? Quem fabrica, explora os funcionários? Ao produzir, respeita os direitos humanos e a natureza ou polui e usa demasiados pesticidas? Esse dinheiro é para o hoje.

O segundo uso do dinheiro é aquele para economizar. É coisa para o amanhã. Não sabemos as voltas que a vida dá: doença, desemprego, aposentaria insuficiente. Muitos nem conseguem economizar pois consomem tudo na sobrevivência. Mas se sobrar, onde colocar este dinheiro? Deixá-lo no colção é dinheiro morto que nada produz.

Aqui surgem os bancos que guardam  o dinheiro. Fazem-no render, ao emprestá-lo a a quem quer produzir e que não dispõe de capital próprio. Este recebe o dinheiro como empréstimo mas  faz rendê-lo na produção, paga algum juro ao banco que repassa uma parte ao dono do dinheiro.

Uma pessoa consciente quer saber para quem o dinheiro é emprestado: para construir armas, para apoiar empresas que devastam a natureza? Extraordinária é a decisão em Bengladesh e no Brasil de criar o microcrédito para apoiar pobres que querem produzir.

O terceiro uso do dinheiro é para doar. O dinheiro não é para a acumulação mas para a circulação. Se atendo com suficiência e decência minhas necessidades, se tenho economias  que me dão certa traquilidade para  futuro, se tenho garantido o bem-estar e certo futuro à família, a doação é um ato de grande desprendimento. Expressa a gratidão pelo dom da vida, da saúde, do amor recebidos dos outros. É altamente ético doar para os flagelados do Haiti, para apoiar projetos de combate à prostituição infantil  ou creches para populações da periferia.

E ai sentimos que ao doar, recebemos a alegria impagável de ter feito o bem e de ter amado o outro.

Leonardo Boff é autor de Princípio compaixão e cuidado, Vozes (2007). 

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