Paris Match: No centro da notícia


Epidemia de despreparo

Por Rogerio Tuma

A falta de preparo, o desconhecimento e a influência econômica interferem no discurso de autoridades sanitárias no mundo todo. Em vez de alertar a população, acabam por alarmá-la, provocando mais estragos que o próprio surto virótico.

A gripe suína é provocada por um tipo de vírus influenza, da mesma família que pode provocar a gripe comum e a aviária. Esta espécie é o mais frequente motivo de infecção de vias aéreas por vírus em humanos, porcos e aves, podendo causar desde um simples resfriado até uma grave pneumonia.

É provocada mais frequentemente pelo vírus influenza tipo A, subtipo H1N1. A infecção passa de um porco doente para outro por contato com secreções de espirros, gotículas de saliva e contato físico íntimo. Vez ou outra um desses vírus sofre mutação genética, o que permite a contaminação das vias aéreas de outros animais, principalmente humanos. Além de criá-los em cativeiro com pouco espaço, o que facilita a contaminação, somos muito parecidos geneticamente com os porcos.

Muitos tecidos vivos utilizados na medicina para substituir os nossos provêm de porcos. Por conta dessa semelhança e proximidade, não é raro uma epidemia de gripe suína atingir humanos e vice-versa. Outro vírus que também pode provocar a gripe suína, o influenza A H3N2, é originário de gripes humanas.

No caso da influenza suína, a morbidade é muito alta. Traduzindo: depois de passar do porco para o humano, é muito fácil a transmissão de um homem para outro, mas a sua mortalidade é baixa, isto é, o risco de uma gripe se transformar em pneumonia letal é de 1% a 4 %. Esta característica é a que melhor difere a atual epidemia da gripe aviária, em que o vírus é muito mais estranho aos humanos e atingiu mortalidade de 20%.

O mundo todo, todo ano e o ano todo tem gripe. Algumas são mais graves, pois toda infecção viral provoca uma resposta do organismo infectado com a produção de anticorpos e inflamação. Algumas vezes, a reação é tão intensa que passa a ser perigosa por si só.

Isto é mais comum quando o vírus é muito mais estranho ao organismo que infecta e, portanto, muito mais antigênico. A cepa específica que provoca a epidemia no México tem pedaços de genes da influenza aviária, humana e suína. É a primeira vez que uma mutação tão complexa é identificada. Se o fenômeno se traduz em reação inflamatória mais intensa e maior risco de morte, ainda está por ser definido.

Quando estamos diante de uma epidemia, a melhor conduta é evitar o lugar onde ela começou e onde existem mais casos clínicos. É medida errada do governo não sugerir às pessoas deixarem de viajar para os lugares por turismo até que a situação esteja controlada. Todo o prejuízo das companhias de turismo e da economia local compensa ao se poupar uma vida que seja. Além disso, como as mudanças virais são muito rápidas, ninguém colocaria um familiar na região onde um vírus com alto poder de infecção está se espalhando. Mesmo que a chance de morrer em decorrência seja muito baixa, ela não é nula.

As epidemias ocorrem por erro dos países que não vacinam seus animais e não têm programa educativo ou de orientação para os criadores de porcos e aves. Em alguns lugares o porco doente é abatido e servido na mesa do criador.

É alarmante o desserviço prestado pelos governantes e autoridades ao comentar fatos com desconhecimento e falta de bom senso. O governo dos Estados Unidos, ainda expressando o pensamento de que o mundo pertence aos americanos, reclama publicamente que já tem problemas demais com o Afeganistão e a crise econômica, e os mexicanos lhes aparecem com uma epidemia. Já faz mais de três anos que aumentou a incidência de gripe suína nos EUA.

Produtores e exportadores de carne suína no Brasil querem trocar o nome da gripe para norte-americana ou mexicana, criticando o sobrenome suíno dado para a gripe, ideia tola e errônea. O país que mais levou a sério a pandemia de influenza em 1918 e deu liberdade à imprensa para informar sua população, acabou carregando o peso de nomeá-la, pois, apesar de o vírus ter se espalhado a partir dos Estados Unidos, a gripe que matou milhões virou espanhola.

A Europa parece muito mais preparada para adequar as respostas de governo a esse tipo de ameaça, pois seus dirigentes se reservam a anunciar reuniões com seus técnicos e as precauções são dadas pelos órgãos de saúde e com bom senso. Os Estados também não vacilaram. A comissária de Saúde da União Europeia, Androulla Vassilliou, recomendou claramente aos cidadãos que evitem viagens não essenciais às regiões onde há casos confirmados da doença.

Por aqui acontece o contrário. Não houve nenhuma recomendação aos viajantes brasileiros que visitariam os locais contaminados. Eu gostaria muito de poder utilizar uma cota de passagem dos congressistas e pagar uma viagem a Cancún para o diretor de jornalismo da rede de televisão que anunciava claramente não haver perigo em viajar para o México e para o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que fazia a mesma coisa nos dias iniciais da epidemia.

O mais ridículo foi o argumento: já que a pandemia está fora de controle, tanto faz o lugar do mundo para onde se vai viajar. Só falta agora o governo financiar as passagens em 24 vezes para que os brasileiros possam ver de perto os efeitos da gripe suína no México, ou da aviária na China. Ou, ainda, um tour pelo Saara, onde acaba de eclodir uma epidemia de meningite. Isso sem falar na dengue em nosso litoral.

Outra orientação errada é garantir que a gripe não passa pela carne de porco. É uma meia-verdade. O vírus pode estar presente na carne. Portanto, antes de ser ingerida, ela deve ser aquecida a pelo menos 70 graus.

A primeira morte ocorrida no México foi em 13 de abril, data também da ocorrência do primeiro caso americano. Até a quarta-feira 29, nove países confirmaram a presença de infectados com a gripe suína.

As chances de termos uma gripe igual à de 1918, que matou 40 milhões de pessoas, é muito menor. Não se pode negligenciar o avanço da ciência, muito menos a capacidade de nossa adaptação a situações adversas. Hoje podemos identificar se o vírus influenza está presente nas secreções de homens e animais doentes, com exames de sangue e secreções, em menos de 24 horas.

Existem antivirais que podem combater o H1N1 se o tratamento for iniciado até 48 horas do início dos sintomas: febre de 39 graus, dores de cabeça e no corpo, congestão nasal e tosse, em geral seca. Os antivirais foram deixados à disposição da Organização Mundial da Saúde. Mas não adianta nem precisa correr à farmácia para comprar o remédio. A Roche, que produz o Oseltamivir, doou 3 milhões de doses à OMS e deixou todo seu estoque no Brasil à disposição do Ministério da Saúde. A doutora Karina Fontao, diretora-médica do laboratório no Brasil, afirma ser possível produzir 400 milhões de doses em um ano.

O risco de ocorrer uma epidemia no Brasil não é baixo, por causa da intimidade que temos com o México. Precisamos estar alertas. Dos onze que foram internados por supostamente terem contraído a gripe suína, nenhum deles sequer preencheu os critérios de suspeita. Portanto, não precisamos nos alarmar. O que devemos fazer agora é ter bom senso e educação. Por exemplo, lavar as mãos e cobrir a boca ao tossir ou espirrar.

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http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=6&i=4029

(Crédito da foto: Eduardo Verdugo/AP)


Crédito da foto, acima, é de Adriana Zehbrauskas, a mesma fotógrofa que estampou no Estadão de ontem uma foto na manchete sobre a Gripe Suína. A foto é do garoto que foi o primeiro caso confirmado no México e é chamado de Caso Zero.

Ao saber disso através de uma mensagem do fotógrafo Alexandre Belém (Blog Olha, vê), Adriana retribuiu-lhe com uma página dupla da revista Paris Match que saiu ontem com outra foto dela. Adriana está fazendo a cobertura para o The New York Times.

Fonte: Adriana Zehbrauskas - do Blog Olha, vê

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