Portugal e a crítica ao neo-keynesianismo

KEYNESIANISMO COXO ?

Falar em medidas para a "saída da crise" no âmbito do capitalismo é um erro, pois elas não existem. A verdadeira saída é transcender o modo de produção capitalista. Entretanto, pode-se falar em medidas que amenizariam a crise para os trabalhadores. Estas resolvem-se a favor de umas classes e contra outras. As medidas de amenização nunca são neutras.

Em Portugal, o governo do sr. Sócrates já começou a tomá-las. Concedeu ajudas elevadas aos banqueiros e, para a economia real, fala em reactivar o investimento público. Trata-se de um keynesianismo bastardo adoptado à última hora por um governo que desde sempre praticou uma política neoliberal.

A tradução de "investimento público" para o sr. Sócrates é lançar mega-projectos absurdos como o do novo aeroporto, TGV e terceira ponte sobre o Tejo. É um programa ruinoso porque no caso de Portugal um eventual aumento do PIB não se traduziria no bem estar do seu povo. Encareceria o crédito para as PMEs, aumentaria brutalmente o nível já elevado da dívida externa do país e não activaria o debilitado tecido produtivo nacional (quase tudo nesses projectos seria importado).

Além disso, não se pode esquecer que aquilo que realmente importa para o bem estar do povo português não é o PIB e sim o Rendimento Nacional Bruto a preços de mercado. Por outras palavras, o Produto Nacional Bruto. A equação é PNB = RNBpm = PIB + Balança de Rendimentos. Esta última tem-se tornado cada vez mais deficitária a cada ano que passa e os tais "grandes projectos" do sr. Sócrates agravariam ainda mais esta situação. Assim, um crescimento do PIB português poderia resultar num crescimento negativo do RNB.

O que fazer então para amenizar a crise? A resposta correcta é um aumento imediato e significativo do Rendimento Disponível do povo português. Isto significa aumento imediato dos salários e pensões de reforma, assim como o desagravamento da carga fiscal que pesa sobre o trabalho. Contribuiria para desagravar a dívida interna das famílias, além de reforçar o mercado interno e a produção interna de bens e serviços. No imediato, e para começar, é isto que há a fazer.

A economia do dinheiro em troca de lixo

O sr. Bernanke propaga o fogo

por Michael Hudson [*]

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Em 15 de Março, no show "60 Minutes" da CBS, o presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, utilizou uma falsa analogia já popularizada pelo presidente Obama no seu discurso do quase-Estado da União. Ele comparou o sector financeiro a uma casa incendiada – bastante justo, pois o incêndio está a destruir imóveis, o que leva a arrestos, abandonos, pilhagens (do fio de cobre e de qualquer outra coisa recuperável) e certamente a uma devastação do valor. O problema com esta analogia está apenas no lugar em que o edifício está situado, e o seu relacionamento com as "outras casas" (isto é, o resto da economia).

O sr. Bernanke perguntou o que as pessoas deveriam fazer se um fumador irresponsável ateasse fogo à sua cama de modo a incendiar a casa. Será que os vizinhos deveriam dizer: "a culpa é dele, deixe a casa queimar"? Isso ameaçaria toda a vizinhança com o fogo, explicou o sr. Bernanke. A dedução, explicou ele, era que a recuperação económica exigia um forte sistema bancário e financeiro. E foi exactamente isto o que ele disse: A economia não pode recuperar sem ainda mais crédito e dívida. E isto por sua vez exige milhões de milhões (trillions) de dólares dados pelos "vizinhos" ao homem irresponsável que deitou fogo à sua própria casa. É aqui que a analogia descarrila.

Mas ao assistir "60 Minutes" a minha esposa comentou: "Isso é só o que o sr. Obama disse na noite passada. Será que se reunem para combinar a metáfora a popularizar?" Eles parecem querer uma imagem que prenda os americanos no apoio a uma política mesmo que não gostem dela e muitos tenham vontade de deixar que a casa financeira (AIG, Citibank e Bank of America/Countrywide) se incendeie.

O que há de falso nesta analogia? Para começar, casas bancárias não estão na mesma vizinhança onde vive a maior parte do povo. Elas são o castelo sobre a colina, a olhar a cidade de cima para baixo. Elas podem incendiar-se e deixar o topo da colina retornar "à natureza" ao invés de manter os de baixo a fitá-la como um templo do dinheiro que os mantêm em dívida.

Mais precisamente, é falsa a analogia com a política dos EUA. Com efeito, Tesouro e o Fed não estão "a extinguir um incêndio". Eles estão a tomar casas que não se incendiaram, expulsando os seus proprietários e ocupantes, e transferindo a propriedade para os acusados de "incendiarem a sua própria casa". O governo não está a actuar no papel de bombeiro. "Extinguir o fogo" seria cancelar as dívidas da economia – as dívidas que estão a "incendiá-la".

Para o sr. Bernanke a "solução" para o problema da dívida é conseguir que os bancos emprestem outra vez. Ele está a propagar o fogo da dívida. O governo está a emprestar à "vizinhança ameaçada" bastante dinheiro de modo a que os clientes de créditos da "casa sobre colina" financeira possam pagar os encargos estipulados dos juros devidos. Ela não está de modo algum a incendiar-se; o dinheiro da vizinhança (neste caso, dinheiro de impostos) é que está a ser queimado.

O sr. Bernanke explicou na audição de domingo à noite que a sua política se destinava a ajudar a economia a retornar à "normalidade". Completamente alinhado com aquilo que o sr. Paulson estava a dizer no último Verão: a "normalidade" é definida como um novo crescimento exponencial no volume de dívida. Ele falava acerca da recuperação "sustentável". Mas "a mágica do juro composto " não é sustentável. Isto tudo é uma falsa metáfora.

O sr. Bernanke deixou a seguir o âmbito da metáfora para dar uma explicação absolutamente falsa da balança de pagamentos e das próximas reuniões da Gang dos 20 na Europa. Na sexta-feira, o primeiro-ministro da China exprimiu preocupação quanto à saúde da economia americana, na qual a China reciclou aproximadamente US$2 milhões de milhões dos seus influxos de dólares a fim de impedir o yuan de subir de preço em relação ao dólar. O receio é que apesar desta forte reciclagem de dólares por parte de bancos centrais estrangeiros, a taxa de câmbio dos EUA enfraqueça pois o défice da balança comercial continua a aumentar e, igualmente grave, os gastos militares estado-unidenses continuam a bombear dólares para dentro da economia mundial quando a guerra se alastra rumo ao Leste, do Iraque para o Afeganistão e o Paquistão.

Do modo como presidente do Federal Reserve explicou o problema na CBS, os EUA têm de manter os seus mercados atraentes para os "poupadores chineses". A imagem mais uma vez invocada é que há um mundo com "excedente de poupança". Supõe-se que este tenha inundado os grandes bancos e a Wall Street com tanto dinheiro que eles foram obrigados a moverem-se para investimentos cada vez mais arriscados. "Eles obrigaram-nos a fazer isto" era a mensagem não completamente explicitada.

Alguém pensaria que o sr. Bernanke não sabe nada de nada acerca de balanças de pagamentos ou de como funciona o sistema monetário global. Eis o que realmente tem estado a acontecer: A própria economia dos EUA bomba "poupanças" para dentro de bancos centrais estrangeiros ao gastar no exterior com bases militares. (60 Minutes mostrava máquinas empilhadoras robot a moverem cargas de US$40 milhões de divisas dos EUA através do New York Reserve Bank do mesmo modo como máquinas semelhantes tem estado a fazer no Iraque a fim de comprar apoiantes locais e grupos políticos.) Os consumidores dos EUA além disso compram mais do que o país está a exportar. Quando estes excedentes de dólares são trocados junto a bancos estrangeiros por divisas internas, os bancos devolvem-nos ao banco central – o qual fica com um problema.

Recordam-se de quando o antigo secretário John Connolly disse "É nosso défice, mas seu problema"? Ele queria dizer que os EUA estavam a gastar fundos (naquele tempo principalmente no Sudeste da Ásia) que acabavam em bancos centrais estrangeiros, os quais enfrentavam um dilema: Se deixassem "o mercado" manusear estes dólares, a sua própria divisa ascenderia. Isso ameaçaria deixar o preço das suas exportações fora dos mercados mundiais e portanto provocaria desemprego interno. De modo que governos estrangeiros optaram por reciclar os seus influxos de dólares mantendo-os em dólares – principalmente títulos do Tesouro dos EUA e então, quando a oferta começou a esgotar-se, em títulos de agências federais tais como a Fannie Mae e o Freddie Mac.

De modo que o "fogo" na esfera internacional eram os gastos militares dos EUA e seu défice comercial. Isto não tem muito a ver com consumidores chineses a pouparem demasiado. Os bancos centrais estavam a fazer a quase-poupança, por estarem presos aos excedentes de dólares dos EUA como a uma batata quente. Mas raramente se ouve responsáveis públicos mencionarem o défice militar do país. Falam como se as poupanças estrangeiras viessem primeiro, a seguir uma decisão "baseada no mercado" para colocá-las na economia dos EUA, "o motor do crescimento mundial". O que realmente vem primeiro é o défice da balança de pagamentos dos EUA, a bombear dólares excedentes para dentro da economia – os quais os bancos centrais estrangeiros veem-se obrigados a reciclar dentro da esfera do dólar. (Isto é o fenómeno que discuto em Super Imperialism: The Economic Strategy of American Empire, and Global Fracture.)

Quanto ao excedente de crédito que a Wall Street concede, ele é criado a partir do ar. Pelo menos o sr. Bernanke foi claro acerca disto, quando explicou que o Fed "cria depósitos" para os seus bancos membros assim como estes bancos "criam depósitos" para os seus próprios clientes com o teclado do computador.

A moral da história é que o público americano está a ser alimentado com uma mitologia cuidadosamente carpinteirada (sem dúvida "testada no mercado" com "grupos de resposta" a fim de verificar quais as imagens que melhor funcionam) para enganá-lo com mal entendidos acerca da natureza do problema financeiro de hoje – enganá-lo de forma a que as políticas de hoje façam sentido e ganhem apoio eleitoral.

Mas esta mitologia é baseada em falsas analogias, não na realidade económica. É concebida para fazer a Wall Street aparecer como uma salvadora, não uma incendiária – e pintar o Fed e o Tesouro como protectores do bem estar dos cidadãos americanos ao despejar milhares de milhões de dólares nos bancos cujas apostas provocaram a crise.

Enquanto a entrevista do sr. Bernanke aos "60 Minutes" estava a ser difundida, o governo estava a divulgar as contrapartes no lado vencedor do casino da Wall Street nas apostas perdidas pela AIG. A fim de afastar o repúdio generalizado dos eleitores a dar US$160 mil milhões à AIG, o Tesouro finalmente divulgou os nomes das "contrapartes" que acabaram com os fundos AIG pagos aos vencedores. Confirmando rumores que tem circulado nos últimos meses, a própria companhia do sr. Paulson, a Goldman Sachs, está à testa da lista com US$13 mil milhões! A seguir vem a Merrill Lynch (US$7 mil milhões), o Bank of America (US$4 mil milhões), o Citigroup (US$23 mil milhões e o desprezível credor de hipotecas-lixo Wachovia (US$1,5 mil mihões). Assim, como secretário do Tesouro, o sr. Paulson revela ter representado não os interesses dos EUA e sim os da sua própria firma e dos seus vizinhos na Wall Street.

A estes vizinhos foram dados títulos do Tesouro dos EUA, em transacções "dinheiro por lixo" ("cash for trash"). O resto da economia ficará a pagar juros sobre esta dívida durante um século. Isto é o que provoca "deflação da dívida". O rendimento é desviado de gastos com bens e serviço a fim de pagar juros e impostos. De modo que o Tesouro está a atear o fogo, não a extingui-lo.

17/Março/2009
[*] Ex-economista da Wall Street, professor investigador na University of Missouri, Kansas City (UMKC), autor de numerosos livros, inclusive Super Imperialism: The Origin and Fundamentals of U.S. World Dominance . Email: mh@michael-hudson.com

O original encontra-se em http://www.counterpunch.org/hudson03172009.html


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
19/Mar/09
Fonte: http://resistir.info/

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