Economia: Do Iluminismo aos iluminados

Há uma luz no fim do túnel.
"Valorizemos novamente os fins acima dos meios e preferiremos o bem ao útil. 
Honraremos os que nos ensinam a passar virtuosamente e bem a hora e o dia, 
as pessoas agradáveis capazes de ter um prazer direto nas coisas,
os lírios do campo que não mourejam nem fiam."
(John Maynard Keynes - Economista)

O presente artigo tem por objetivo trazer algumas informações sobre as principais características das escolas econômicas e alguns de seus principais expoentes, partindo da Escola Clássica, passando pelo Liberalismo e a Escola Neoclássica até à contemporaneidade keynesiana.

Tendo como pano de fundo dois eventos que abalaram o mundo capitalista: um no século XX, a Crise de 1929; e outro já no séc XXI, a Crise Americana de 2008, buscou identificar alguns nexos que as ligam e traçar algumas semelhanças entre as abordagens das Escolas Clássica e a Neoclássica, assim como as diferenças entre as duas predominantes em nosso tempo, a teoria liberal e a keynesiana, a fim de propor uma solução alternativa, a partir das crises verificadas, a essas duas últimas correntes mais presentes no pensamento econômico atual.

Por fim apresentamos algumas ideias pós-keynesianas que já se fazem notar, assim como as conclusões que podem daí ser retiradas.

Características principais da Escola Clássica

A Escola Clássica no Pensamento econômico sofreu forte influência do Iluminismo (Era da Luz), movimento germinado na França em fins do século XVII e, particularmente, no século XVIII, que professou a razão na Filosofia, na Ciência, na Política, nas artes e na técnica em contraposição à vida centrada nas crenças religiosas e no poder clerical varrendo o mundo de estados absolutistas com a promessa de libertar os povos do jugo das tiranias monarquistas que se seguiu até o início do século XX, passando pela própria França (Queda da Bastilha, em 1789), EUA (Guerra de Independência, em 1786), China (em 1911, sob a liderança de Sun Yat-sen ) e Rússia (1917, sob a liderança de Lênin), dentre ouras, sepultando de vez o modo econômico feudal na maior parte do globo.

 Teve em John Locke (1632-1704), um de seus principais ideólogos ao mirar a força de trabalho como propriedade e contar com o apoio dos fisiocratas que, tendo François Quesnay (1694-794) à frente, criticavam as idéias mercantilistas, até então em voga, e viam a terra como fonte única de riqueza e não os metais preciosos.

Dentre os fisiocratas destaca-se Gournay (1712-1759) que defendia o fim das regulamentações que limitavam a atividade econômica com a célebre frase: "Laissez faire, laissez passer, lê monde va de lui même" (Deixe fazer, deixe passar, o mundo vai por si mesmo), só não se sabia bem para onde. Agora já se sabe.

As ideias dos fisiocratas e dos burgueses encontraram em Adam Smith, David Ricardo, Malthus e John Stuar Mill os principais defensores de um modelo econômico que priorizasse maior liberdade comercial e força de trabalho dotada de flexibilidade; nascia assim o liberalismo.

Os liberalistas se voltam para a macroeconomia e para a política econômica reducionista de saldos favoráveis da balança comercial. Como a força do Estado até então se concentrava no acúmulo de metais preciosos, ele deveria restringir as importações e incitar as exportações num autêntico jogo de perde-perde (perde quem exportar menos, e perde também quem importar mais).

Tal cenário não poderia resultar senão num nacionalismo exacerbado, protestos e inúmeras guerras pois a política econômica resultante aumentou ainda mais a ação do Estado mercantilista nas negociações. Diante desse quadro a Escola Clássica passou a se preocupar com o crescimento de longo prazo com uma nova promessa de distribuição de renda entre as classes como forma de promover esse crescimento; noutras palavras, “deixemos antes o bolo crescer para depois dividir”, como disse um desses abastados gurus do milagre econômico brasileiro dos anos 70.

Partiram eles, portanto, do princípio que o "crescimento só se dá com a acumulação de capital", ignorando outros fatores tão ou mais importantes como o próprio desenvolvimento que, por sua vez, só se dá com a redistribuição do capital para girar a roda da economia entre todas as classes e não apenas na classe dominante que, com altíssima concentração da renda em suas mãos, se esbanjou do fermentado bolo deixando as migalhas para o povo; "se não tem pão, que comam brioches", repetiu-se a tirania absolutista.

Adam Smith (1723-1790) é considerado por essa corrente de pensamento como o pai da Economia por ter sistematizado a análise econômica em seu famoso livro "A Riqueza das Nações" em que propunha a divisão do trabalho como método fundamental para o crescimento da produção do mercado e por se incomodar com o sistema fisiocrático é que buscou uma resposta mais adequada à economia política concebendo a riqueza como aplicação de um sistema metódico ao trabalho humano e tendo a livre-concorrência - e não mais o Estado - como mola propulsora das relações econômicas, pois, segundo ele, poderia forçar o empresário a ampliar a produção buscando novas técnicas, aumentando a qualidade do produto e baixando, ao máximo, os custos de produção.

Para ele o volume de produção seria, por si só, capaz de gerar efeitos positivos, relegando ao Estado apenas a função de emitir papel-moeda, controlar a taxa de juros e proteger incondicionalmente a propriedade privada para, com isso, obter um melhor aproveitamento do tempo, o aperfeiçoamento do homem e o enriquecimento; ele só não disse que o aproveitamento do tempo visava ao conforto da nova classe dominante de abastados, que o aperfeiçoamento do homem restringiria tal como em regimes anteriores a sua própria liberdade de pensar e agir, desaguando também numa exploração irracional do homem pelo homem e que esse enriquecimento não seria para todos e sim para alguns poucos em detrimento de muitos.

Dentre esses novos abastados surge David Ricardo que, após ter trabalhado na Bolsa de Londres, acumulou, aos 42 anos, uma fortuna estimada entre 600 mil e um milhão de libras; dinheiro (que não traz felicidade, manda comprar) este que aliada à experiência nos negócios lhe propiciou o sonho de parar de trabalhar e estudar economia, sendo ele mesmo prova cabal que a liberdade do indivíduo está diretamente relacionada à fortuna que acumula.

Em seus estudos, Ricardo tentou interpretar a natureza da inflação em Londres até se envolver na discussão sobre o preço das mercadorias deparando-se com o problema do valor. Chegou à brilhante conclusão de que o valor da mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho nela empregado - e não somente o trabalho incorporado ao homem - como também o trabalho incorporado à máquina.

 Para este, no cerne da mercadoria é que se encontram o valor e seus custos para a produção, opondo-se às ideias malthusianas e exercendo influência sobre Marx e os socialistas da época, sobretudo na ideia de distribuição dos produtos entre as classes.

Tomas Malthus, filho de um poderoso advogado - dizem que se o diabo pudesse escolher uma profissão para fazer-se prevalecer na terra dos humanos escolheria a advocacia, em primeiro lugar, e o jornalismo, em segundo - acreditava piamente que a causa dos males que afligem a humanidade está nas instituições e na fertilidade humana. Dizia ele que "a natureza impunha limites ao progresso material sendo um deles o crescimento progressivo da população em escala geométrica contra um crescimento dos alimentos em progressão aritmética" e propunha a guerra como "um dos mecanismos naturais de controle do crescimento populacional".

 Sua obra mostrou-se fortemente influenciada por tendências ideológicas específicas, voltadas para a defesa dos grandes proprietários de terras e de classes abastadas e improdutivas (rentistas), em geral, e suas ideias caíram por terra definitivamente no séc. XX quando o mundo experimentou o exato inverso do que propugnava, o aumento de alimentos em progressão geométrica e o aumento da população em progressão aritmética e muitos acidentes nesse percurso.

 Assim como Ricardo, Malthus centrou seu trabalho a partir da obra de Adam Smith, “A Riqueza das Nações”, ocupando-se com o problema da superprodução das empresas. Para criar essa demanda, todavia, seria preciso haver interessados, uma vez que os capitalistas eram investidores e o trabalhador tão somente recebia salário para prover sua subsistência. Colocou-se, então, em contraposição a Ricardo e, posteriormente, ao próprio Marx, vendo nos rentistas a solução desse problema.

Malthus era, curiosamente, favorável ao protecionismo e encontrou no parlamento inglês, um aliado que aprovou "A lei dos pobres", reflexo de suas idéias que conferia uma assistência pública aos desempregados, recolhendo-os a casas de trabalho onde deveriam ficar confinados em condições precárias à espera de um trabalho. Para ele, a população miserável poderia assim ser controlada desestimulando o crescimento populacional e garantindo uma mão-de-obra barata para o Estado - agora, parceiro inseparável dessa nova classe dominante. Qualquer semelhança com o bolsa-família do PT, e não o inicialmente propugnado por FHC, não é mera coincidência.

Características principais da Escola Neoclássica

A Escola Neoclássica do Pensamento Econômico foca a escassez como objeto central da preocupação da Economia. Surge a chamada "Revolução Marginalista" na década de 1870, desenvolvida, simultaneamente, pelo inglês William Stanley Jevons (1835-1882), que recorreu à matemática para formular suas ideias; o austríaco Carl Menger (1840-1921), que apresentou os mesmos princípios marginalistas em forma de linguagem, deixando a matemática de lado; e pelo francêss Léon Walras (1834-1910), que se preocupou com o equilíbrio geral e com a dependência interna de todo o sistema econômico. Também se destacou o trabalho desenvolvido pelo inglês Alfred Marshall (1842-1924), cujo rigor científico postergou a publicação de "Princípios Econômicos" por quase 20 anos em relação aos outros três autores.

Os marginalistas tinham um ponto em comum: acreditavam que as forças econômicas movem-se em direção ao equilíbrio. A idéia de equilíbrio geral implica que, se um mercado estiver em equilíbrio, todos os outros mercados também estarão. A revolução marginalista substituiu, nesse sentido, a teoria do valor do trabalho pela teoria do valor baseado na utilidade marginal ao colocar o princípio marginal como ideia central desse pensamento considerado revolucionário. O foco passa a ser, desde então, a margem de lucro, que é o ponto principal de decisões a serem tomadas, contribuindo assim para fundamentar uma concepção de Economia, propondo-se a torná-la uma ciência exata.

Enquanto os clássicos estudavam as relações de produção que surgiam entre as pessoas e as formas sociais no processo produtivo, os marginalistas estudavam a relação entre pessoas e produção material. A preocupação da era neoclássica situava-se na alocação de recursos como consequência da Teoria da Utilidade Marginal e da Teoria de Preços.

Estaria, assim, aparentemente solucionado o paradoxo percebido por Smith de que "a água era extremamente útil, mas não possuía poder de compra; ao passo do diamante que, apesar de não ser essencial à vida, tinha um preço elevado”. Se tivesse vivido mais tempo, Smith se suicidaria ao pagar R$ 5,00 por uma garrafinha de água, supostamente mineral, num show da Cláudia Leitte - bancado por um governo dito "de esquerda, progressista".

Surge daí, na escola neoclássica, com uma abordagem econômica muito mais centrada em aspectos microeconômicos e alocação de recursos, o conceito de escassez para a qual "os bens econômicos são bens escassos e o seu valor aumenta de acordo com sua escassez", exemplificado pela representação do pão para um faminto cuja “primeira fatia de pão, ninguém pode negar, tem uma utilidade enorme. Essa utilidade vai decrescendo à medida que se vai adicionando mais unidades. A décima fatia de pão já representará uma utilidade bem menor do que a primeira. A trigésima fatia de pão terá uma utilidade quase nula e a centésima poderá até ter uma utilidade marginal negativa se causar, em nosso consumidor, uma indigestão”.

O problema é que essa abordagem ao invés de produzir equilíbrios e reduzir desigualdades gerou gigantescos desequilíbrios e uma quantidade de famintos e miseráveis tão grandes quanto os próprios bens que foram produzidos.

Semelhanças entre as Escolas Clássica e Neoclássica

Tanto os clássicos quanto os neoclássicos reafirmam a necessidade de um distanciamento do Estado na economia, pois que quando interfere em excesso tende a se tornar um monstro incontrolável. Mas, ao mesmo tempo, admitem que sem sua presença a economia torna-se uma mula sem cabeça e desgovernada.

Ou seja, é preferível um mal necessário, por perto, a bem nenhum porque a "mão invisível" do mercado não funciona adequadamente sem o complemento da mão visível do Estado. O que, em hipótese nenhuma, pode ser confundido com a "mão leve" de governantes que tentam se aproveitar de determinadas situações para se locupletarem, tão somente.

Em outras palavras, a intervenção do Estado, no sentido complementar aos mercados privados, é imprescindível para conferir um ambiente institucional favorável às decisões de gastos privados (consumo e investimento), impactando, assim, a demanda efetiva. Tanto os clássicos quanto os neoclássicos precisam do monstro Leviatã para lhes salvar de si mesmos. Nesse ponto são convenientemente convergentes.

Características da Teoria Keynesiana

A teoria keynesiana corresponde ao modelo mais contemporâneo, se comparada com as demais escolas conhecidas, que se consolida num cenário chamado de globalização (americanização, para alguns), um fenômeno capitalista e complexo que começou na época dos descobrimentos e que se desenvolveu a partir da Revolução Industrial. Seus desdobramentos passaram despercebidos por muito tempo e hoje muitos economistas analisam esse cenário como sendo resultado, de um lado, da nova ordem econômica mundial do pós-Segunda Guerra e, de outro, como resultado direto da Revolução Tecnológica que se seguiu.

A teoria keynesiana nasce neste contexto, pautada por um conjunto de ideias que propõe a intervenção estatal na vida econômica com o objetivo de conduzir a um regime de pleno emprego. As teorias de John Maynard Keynes (1883-1946) tiveram enorme influência na renovação tanto das teorias clássicas quanto na reformulação da política de livre mercado. Maynard acreditava que a economia seguiria o caminho do pleno emprego, sendo o desemprego uma situação temporária que desapareceria graças às forças do mercado.

Os economistas dos séculos XVIII e XIX acreditavam que o nível de produtos não sofreria grandes alterações e que todos os fatores de produção estariam ocupados na produção de bens e serviços que formam a renda. Isso formaria o chamado estado de pleno emprego dos fatores de produção. Assim, acreditavam que toda renda distribuída no ato da produção se dirigiria ao mercado para adquirir bens e serviços. Apoiando-se na Lei de Say: "toda oferta cria sua própria demanda".

Maynard desenvolve sua teoria baseado no pressuposto de que “é necessária a intervenção do estado na economia, pois o mercado, devido a vazamentos como a formação de estoques e redução de produção, não é capaz de coordená-la”.

Sua primeira suposição foi a existência de desemprego. Os antigos economistas acreditavam apenas no desemprego voluntário. Keynes, ao contrário, acreditava que a economia estaria funcionando abaixo de seu potencial, deixando assim uma capacidade ociosa. O objetivo do keynesianismo era manter o crescimento da demanda em paridade com o aumento da capacidade produtiva da economia, de forma suficiente para garantir o pleno emprego, mas sem excesso, pois isto provocaria um aumento da inflação.

Os modelos neoclássicos sempre admitem, implícita ou explicitamente, a validade da lei de Say, que diz que "a oferta cria a sua própria demanda". Nesse caso, evidentemente, inexiste o problema da insuficiência de demanda agregada. Nos modelos neoclássicos, a lei pode aparecer simplificada na forma de uma plena flexibilidade de preços e salários, cujo ajuste evita a insuficiência de demanda. Nos modelos keynesianos, no entanto, os preços não se ajustam e a demanda passa a determinar a oferta, conferindo consistência ao princípio da demanda efetiva. Esse princípio, apresentado por Keynes no terceiro capítulo de sua Teoria Geral, (1934), contém uma recusa implícita à Lei de Say. Para Keynes, "a decisão autônoma é a compra, não a venda".

O ponto-chave da teoria keynesiana é que o nível de emprego deixa de ser determinado pelo cruzamento de oferta e demanda de trabalho, passando a subordinar-se ao princípio da demanda efetiva. O volume de emprego é fixado no ponto de interseção da curva de demanda agregada com a curva de oferta agregada, pois nesse ponto se maximizam as expectativas de lucros dos empresários.

Em Keynes, portanto, o pleno emprego – que na teoria neoclássica é uma tendência geral, se os mercados funcionarem de forma suficientemente flexível – se transforma em um caso particular, ao qual raramente se chega, a menos que se adotem políticas específicas para incrementar a demanda através de um Estado indutor. Nessa abordagem o desemprego não pode ser reduzido por meio da redução de salários.

Maynard leva a Idéia Fundamental de Marshall – a teoria geral do equilíbrio entre oferta e demanda – para o nível macroeconômico. O canal de comunicação que permite a passagem da micro para a macroeconomia, não registrado por Keynes, pode ser a mobilidade do capital. De fato, neste modelo, uma equação de decisão de produção propõe que os empresários decidam qual será a quantidade produzida do próximo período, levando em consideração não só os estoques invendáveis existentes mas também e, principalmente, o lucro propiciado por esta atividade no passado recente.

As duas condições necessárias propostas para que isto ocorra sem restrições são: que o capital financeiro seja livre para se mover de um setor produtivo a outro, e que haja suficiente estoque de capital financeiro para atender às necessidades de todos os setores, necessidades estas que se espera sejam diferentes a cada setor.

O esquema de Marshall pode ser idealizado com os setores produtivos girando ao redor de um caixa central. Imagine-se, teoricamente, que a produção de cada um e de todos os setores tenha ciclos bem definidos. Ao final de cada período de produção, os setores tomariam suas decisões sobre o quanto produzir, estabelecendo, assim, o volume de capital financeiro de que necessitam.

A diferença apurada entre o capital financeiro então em poder de cada setor; a necessidade fixada para o próximo ciclo será ou transferida do setor para o caixa central ou do caixa central para o setor. Nestes momentos, alguns setores serão doadores de capital financeiro, enquanto outros serão tomadores.
  • Este caixa central não é outro senão o mercado financeiro.
Nada impede, neste esquema de feição marshalliana, que o volume global de capital financeiro seja mais do que suficiente para todos os setores em conjunto. Suponha que existam apenas dois setores na economia, o A e o B, e que o sistema produtivo do primeiro seja tal que ele demande mais capital financeiro do que o outro. Se, em um certo momento, o setor A decidir reduzir sua produção, em favor do aumento da quantidade produzida em B, o setor A poderá estar liberando mais capital do que B necessita. Desta forma, como no modelo clássico de Marshall admite-se que o mercado esteja em equilíbrio na existência de estoques, pelo menos, durante um certo intervalo de tempo, o caixa central pode apresentar um saldo excedente de capital financeiro. A noção de estoque faz com que um certo saldo excedente de capital financeiro seja compatível com a colocação de Marshall.

Já para Maynard, o capital financeiro também se move de um setor a outro, segundo as direções indicadas pelo que ele definiu como eficiência marginal do capital realizada ou realizável em cada setor, todas elas comparadas com a taxa de juros. O volume maior de capital financeiro fluirá para os setores que apresentem eficiências marginais do capital maiores, em detrimento dos menos eficientes.

Contudo, como a taxa de juros é um elemento balizador, o capital financeiro só fluirá para um setor real qualquer se a eficiência marginal do capital neste setor for maior do que a taxa de juros de mercado. Segundo Maynard, “o investimento vai variar até aquele ponto da curva de demanda de investimento em que a eficiência marginal do capital, em geral, é igual à taxa de juros do mercado (Teoria Geral, p. 116). Agregando todos os setores produtivos da economia sob a denominação de setor real, pode-se perceber que, numa visão macroeconômica, o capital financeiro move-se do setor real para o financeiro e vice-versa.

Maynard propõe que, além do estoque de capital financeiro retido pelas empresas, pelo motivo transações, há ainda uma demanda especulativa de moeda, associada à expectativa quanto à evolução da taxa de juros no curto prazo. Independente da motivação para se reter moeda fora do setor real da economia, o fato é que esta retenção implica a existência de um certo estoque de moeda especulativa, estoque este que se soma ao estoque de moeda retida pelos motivos transação e precaução, que pode ser denominado de fundo de reserva, ou fundo keynesiano de reserva.

Assim, a mobilidade do capital financeiro entre subsetores reais produtivos, no nível microeconômico, pode se transformar em uma mobilidade entre o setor real e o setor financeiro da economia. Sugere-se aqui que a mobilidade do capital seja vista como a interface entre o setor produtivo e o fundo de reserva, entre os lados real e monetário da economia. A mobilidade do capital seria, assim, o canal de ligação entre a microeconomia clássica – e não neoclássica – de Marshall e a macroeconomia de inspiração keynesiana.

Diferença entre a Teoria Keynesiana e a Escola Liberal

O debate entre essas visões liberais e keynesianas tornou-se agudo em dois momentos, com resultados diferentes. Na crise de 1930, o modelo neoclássico pareceu esgotar-se, e a visão keynesiana conferiu uma sólida base teórica aos governos intervencionistas do pós-guerra, amplamente predominantes na chamada época de ouro do capitalismo.

Ao passo que, na década de 1970 o keynesianismo sofreu severas críticas por parte de uma nova doutrina econômica: o monetarismo. Em quase todos os países industrializados o pleno emprego e o nível de vida crescente alcançados nos 25 anos posteriores à II Guerra Mundial foram seguidos pela inflação.

No centro dessa discussão está o papel que o Estado deve desempenhar na Economia: se interventor ou mediador, e em que medida, a depender dos enormes interesses em jogo.

Os keynesianos admitiram, por seu lado, que seria difícil conciliar o pleno emprego e o controle da inflação, considerando, sobretudo, as negociações dos sindicatos com os empresários por aumentos salariais. Por esta razão, foram tomadas medidas que evitassem o crescimento dos salários e preços, mas, a partir da década de 1960, os índices de inflação aceleraram de forma alarmante.

A partir do final da década de 1970, os economistas têm adotado argumentos monetaristas em detrimento daqueles propostos pela doutrina keynesiana; mas as recessões, em escala mundial, das décadas de 1980 e 1990 refletem nitidamente os postulados da política econômica de John Maynard Keynes. E o liberalismo desenfreado, desregulamentado e descontrolado lançou o mundo numa crise sistêmica, só comparada à Grande Depressão de 1929, a dos sub-primes americanos, irradiando seus efeitos para o restante das economias globalizadas, fazendo com que Estados, antes extremamente liberais, se rendessem à conveniente, sedutora e imperiosa intervenção, tanto combatida, sob pena de um cataclismo irreversível com efeito dominó em todo o mundo, sem exceção.

Alternativas para a crise atual a partir da teoria Keynesiana e da Teoria Liberal


A crise de 2008 foi, sem sombra de dúvidas, um divisor de águas; a ausência de regulamentação e do Estado e a atuação do "Big Central Bank" (banco central como emprestador de última instância) e do Big Government (política fiscal anti-cíclica) foram capazes de impedir que uma grande crise se transformasse em uma depressão. Passamos de um "momento Minsky" para um "momento Keynes". 

Hyman Minsky (1919-1996), famoso economista pós-keynesiano formulou sua hipótese de fragilidade financeira, mostrando que economias capitalistas em expansão são inerentemente instáveis e propensas a crises, uma vez que a maioria dos agentes apresenta postura especulativa, resultando em práticas de empréstimos de alto risco.

O aumento da fragilidade financeira é produzido por um lento e não percebido processo de erosão das margens de segurança de firmas e bancos, em um contexto no qual o crescimento de lucros e rendas “validam” o aumento do endividamento.

Para Minsky, respondendo a pergunta que ele mesmo formulou, a depressão pôde ser evitada ou atenuada por conta da atuação do banco central como emprestador de última instância (“Big Central Bank”) e da adoção de políticas fiscais contra-cíclicas (“Big Government”). Neste sentido em suas próprias palavras: “A evolução das relações financeiras conduz a intermitentes ‘crises’ que colocam claros e presentes perigos para uma séria depressão. Até o momento, intervenções do Federal Reserve e outras instituições financeiras junto com déficits do Tesouro têm sido combinados para conter e administrar essas crises”.

A inspiração de Minsky obviamente veio de John Maynard Keynes que na Teoria Geral havia dito: 
  • “é uma característica notável do sistema econômico em que vivemos a de que está sujeito a severas flutuações do seu produto e emprego, mas não é violentamente instável (...) Uma situação intermediária, nem desesperadora nem satisfatória, é o nosso resultado normal”.
Assim, Keynes sugere que o problema principal dos economistas não deveria ser explicar a flutuação, mas, sim, entender como um sistema tão simples não entra em colapso em função de suas próprias contradições.

O que impede que o sistema seja “violentamente instável” é a existência de convenções e instituições, dentre as quais o governo. Neste sentido, é preciso entender a teoria keynesiana não como uma simples “teoria da depressão”, que explica apenas situações extremas em que o sistema de mercado não funciona, como sugeriu o economista inglês John Hicks, mas igualmente uma teoria que preconiza uma política permanente que assegure condições de prosperidade sustentável e mais eqüitativa em termos sociais.

Como sugere outro proeminente economista pós-keynesiano, Paul Davidson,“prevenção de crises ao invés do socorro a crise deve ser o objetivo principal da política de longo prazo”.

Assim de um “Momento Minsky” – de uma crescente fragilização financeira que resulta em uma crise financeira – passamos para um “Momento Keynes" - em que o mundo parece ter compreendido, finalmente, uma de suas tantas lições deixadas, inclusive e principalmente esta que contraria inclusive a lei da física: "No mundo financeiro tudo o que, num momento, é considerado sólido, noutro pode virar pó". E eis que o "Estado Leviatã" é novamente convocado a socorrer os fiéis do deus mercado. As crises do novo século estão aí para comprovar.

É preciso reconhecer que os efeitos da crise, infelizmente, não são neutros do ponto de vista econômico e social. Os propalados benefícios da globalização, duvidosos no período de prosperidade, sobretudo para os menos assistidos, passaram, a partir deste evento, a ser seriamente questionados.

Ficou claro que a maior preferência pela liquidez dos bancos gera um “empoçamento” da liquidez e um arrefecimento no crescimento do crédito. A deterioração no estado de expectativas de firmas e bancos gera o temor de uma forte desaceleração, mesmo num momento em que economias experimentavam um dos mais longos ciclos de crescimento dos últimos 30 anos.

Creio que é chegada a hora de não só ouvir, mas escutar Eric Hobsbawm:
  • "O objetivo de uma economia não é o ganho, mas sim o bem-estar de toda a população. O crescimento econômico não é um fim, mas um meio para dar vida a sociedades boas, humanas e justas. Não importa como chamamos os regimes que buscam essa finalidade. Importa unicamente como e com quais prioridades saberemos combinar as potencialidades do setor público e do setor privado nas nossas economias mistas. Essa é a prioridade política mais importante do século XXI".
Se há uma solução definitiva para as crises do modo de produção capitalista que é bastante socialista quando lhe convém? Devemos refletir e aguardar com a devida cautela, pois só os parvos acreditam na loucura de um sistema que se propõe a repetir soluções que não deram certo, no passado, e esperar resultado diferente para o futuro. Como bem disse certa vez Albert Einstein: 
  • "a definição de insanidade consiste em fazer as mesmas coisas, do mesmo jeito, e esperar que os resultados sejam diferentes."
A política do "laissez-faire" mostrou-se inadequada como solução para os problemas econômicos e sociais do mundo atual, particularmente no que diz respeito ao desemprego e a distribuição de renda. 

Pessoalmente, penso que é preciso que se diga com toda ênfase possível que o desenvolvimentismo não foi uma invenção idiossincrática de países exóticos. Foi, antes de tudo, uma resposta aos desafios e oportunidades criadas pela Grande Depressão dos anos 30 e seu ambiente internacional catastrófico. Os projetos nacionais de desenvolvimento e industrialização na periferia nasceram no mesmo berço que produziu o keynesianismo nos países centrais. Uma reação contra as misérias e as desgraças produzidas pelo capitalismo dos anos 20.

O que está em jogo, no fundo, é o conflito entre os dois processos de universalização que se propagam desde o Iluminismo: a busca da igualdade entre os homens e os povos, de um lado, e a criação e acumulação da riqueza pelo simples deleite da riqueza, por outro.

Essa questão, aliás, já havia sido levantada por Keynes em seu artigo "O Fim do Laissez-Faire", quando disse que "o mundo não é governado do alto de forma que o interesse particular e o social sempre coincidam".

Devemos concluir, pelo contrário, que só uma dedução desinteligente dos princípios da Economia poderia ter a soberba de que o "auto-interesse esclarecido sempre atue a favor do interesse público". Pelo contrário, os interesses particulares se aviltam.

A escola pós-keynesiana, assim como Keynes, defende um papel permanente para o governo na economia, não se confundindo com a simples substituição dos mercados privados pela ação do Estado na determinação do investimento.

Trata-se, portanto, de buscar um meio termo entre o liberalismo econômico e o intervencionismo estatal, partindo da premissa que o mercado não resolve tudo, mas que o capitalismo, se sabiamente administrado, pode-se tornar mais eficiente para atingir objetivos econômicos do que qualquer outro sistema alternativo:
  • "A mais importante Agenda do Estado não diz respeito às atividades que os indivíduos particularmente já realizam, mas às funções que estão fora do âmbito individual, àquelas decisões que ninguém adota se o Estado não o faz" ("O Fim do Laissez-Faire").
Conclusão

Essa viagem pela evolução do pensamento econômico nos mostra algumas lições importantes para que gerações futuras não cometam os mesmos erros de um passado remoto - e recente - ao se aventurar em extremos sejam eles liberais ou estatais, cujos resultados são igualmente desastrosos para todos.

A excessiva liberdade dada aos mercados lançou o mundo, em 2008, numa crise tão ou mais greve que a de 1930, e quem antes criticava as propostas de Keynes teve de se prostrar e se render a decisões de Estados liberais no sentido de estatizar quando a realidade se impõe aos ranços meramente ideológicos, nos quais os mercados, sobretudo os financeiros, livres e desregulamentados tendem a gerar instabilidades e crises.

Necessário se faz compreender também que não apenas é importante o crescimento, mas mais ainda é o desenvolvimento econômico sustentado. E que para isso depende uma boa combinação de políticas macroeconômicas de curto prazo com políticas setoriais de longo prazo com viabilização de política de comércio exterior, tecnológica, educacional, ambiental, etc. Mas com a advertência, em tempo, que não se confunda isso com velhos e carcomidos modelos de desenvolvimentismo estatal.

Para encerrar, compartilho uma utopia reformista radical do Lorde Keynes, inscrita no pórtico da morada que o homem do século XX pretendeu construir:
  • "Estou à espera, em dias não muito remotos, da maior mudança que já ocorreu no âmbito material da vida, para os seres humanos no seu conjunto. Vejo-nos livres para voltar a alguns dos mais seguros e tradicionais princípios da religião e da virtude tradicional – de que a avareza é um vício, a usura uma contravenção, o amor ao dinheiro algo detestável.”
Não podemos deixar que as pessoas se deixem enganar pela tirania do dinheiro, mas que não se enganem de sua importância para que também passem a viver com dignidade e não apenas subsistir com miserabilidade.

Maynard complementa com ímpar sabedoria: “Valorizemos novamente os fins acima dos meios e preferiremos o bem ao útil. Honraremos os que nos ensinam a passar virtuosamente e bem a hora e o dia, as pessoas agradáveis capazes de ter um prazer direto nas coisas, os lírios do campo que não mourejam nem fiam."
Link permanente da imagem incorporada
Tela O Caminho dos lírios - Claude Monet (1917)

Por Tato De Macedo
(In Fundamentos de Economia -  A Crise atual segundo as escolas do Pensamento Econômico. FGV; São Paulo, 2013)

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