Harvard: Universidade pública deve ser grátis para quem pode pagar?
Artigos Científicos
Por que a universidade pública não é acessível para estudantes de escolas públicas?
"Os mais ricos tem seis vezes mais chances de cursar a universidade do que os mais pobres"
(Eduardo Azevedo - Economista e Pesquisador)
Direto de Harvard
Os
pesquisadores Eduardo M. Azevedo (Universidade de Harvard) e Pablo
Salgado (PUC-Rio), realizaram interessante pesquisa, sob a ótica das
Finanças Públicas, em que respondem à inquietante pergunta acima.
De acordo com o estudo, "o governo
brasileiro oferece anualmente mais de um milhão de vagas em
universidades públicas e gratuitas. Entretanto, a educação superior no
Brasil é altamente 'progressiva'; ou seja, indivíduos de famílias com renda mais elevada recebem muito mais educação do que indivíduos de famílias de baixa renda."
Para solucionar esse dilema, os cientistas estudaram como a cobrança
pela educação pública de alunos com elevada renda alteraria o equilíbrio no
mercado de educação superior.
- "Tal taxa encorajaria alunos mais ricos a buscar a educação particular e aumentaria o acesso de alunos carentes às universidades públicas. Uma pequena taxa cobrada geraria ganhos de bem-estar com uma cota inferior de cerca de R$100.000 por aluno carente extra atendido pelo sistema público", afirmaram.
Para se ter uma ideia do descalabro de como a
educação superior no Brasil é extremamente desigual, "um brasileiro no
80ºpercentil (mais abastados) da distribuição de renda tem seis vezes mais chances de
cursar a universidade do que um brasileiro no 20ºpercentil (mais pobres) da
distribuição de renda."
De acordo com os pesquisadores, "isso acontece apesar de o governo intervir na educação oferecendo mais
de um milhão de vagas por ano em universidades públicas e gratuitas.
Mais curioso é o fato de que a educação pública é tão progressiva quanto
a particular.
De fato, a curva da fração da população que frequenta universidades
públicas em função da renda é praticamente igual a um múltiplo da curva
da fração que frequenta universidades privadas, conforme figura acima.
Isso ocorre já que grande parte das vagas no ensino superior público é
preenchida por uma parcela da população com renda elevada.
Os autores abordaram, então, uma questão específica de política pública:
- Deve o governo cobrar pela educação pública de alunos com renda elevada?
Em
diversos países, essa prática é comum. Nos EUA por exemplo, um estudante
de Berkeley tem que pagar taxas estudantis se sua família tiver
condições financeiras de fazê-lo. Tipicamente essas taxas são muito
menores do que as cobradas por instituições particulares, como Stanford.
No Brasil, a educação na PUC-Rio custa em torno de R$ 100.000 em valor
presente. Enquanto isso, o governo cobra R$ 0 por uma universidade
pública comparável, como a UFRJ. O objetivo do trabalho era entender "como cobrar
de famílias com elevada renda pela educação em universidades pública".
"A perspectiva econômica tem muito a acrescentar a essa discussão. Realizam-se ganhos de bem estar ao se cobrar um preço
estritamente positivo daqueles que frequentam a universidade pública e
têm renda elevada", disseram.
"O fato de a universidade pública
ser gratuita enquanto a particular não o é resulta em incentivos
privados excessivos para se buscar uma educação pública, e a cobrança da
universidade pública ajuda a corrigir parcialmente essa distorção.
Quando
um estudante opta pela educação pública, ele deixa de incorrer no custo
de sua educação. Mostramos que a existência desse prêmio gera
distorções alocativas, sendo o deslocamento dos indivíduos de baixa
renda das universidades um dos mais relevantes. Quando visto sob essa
ótica, a existência do prêmio promove iniquidade e exclusão. No Brasil, a
diferença de preços entre uma universidade pública e privada pode ser
bastante expressiva, da ordem de R$100.000, o que dá uma ideia da
magnitude da ineficiência incorrida. Argumentamos que a política
proposta é amplamente superior à atual política de cotas sendo
implementada em diversas universidades públicas brasileiras. A procura
de renda e dissipação de recursos, uma consequência dos investimentos em
cursos preparatórios, também foi discutida. Essas ideias são
importantes, e constituem o foco de nossa investigação. Porém existem alguns
outros pontos importantes que não foram abordados até o momento e
gostaríamos de resumir aqui.
A
cobrança da universidade pública poderia ser vista como a imposição de
mais uma tributação para a sociedade, o que pode vir a sofrer forte
resistência, especialmente daquelas camadas já fortemente taxadas.
Portanto, tal reforma talvez tenha que ser acompanhada de reduções de
impostos em outras frentes. Além disso, a implementação da cobrança pela
educação pública pode ser bastante complicada em função de motivos de
economia política.
Por um lado, os perdedores com a mudança são
claramente identificados, sendo todos os estudantes já frequentando a
universidade pública. Já os ganhadores são um grupo muito menos
transparente, formado por aqueles indivíduos que passam a ter acesso à
educação pública após a diminuição da nota do vestibular. Estes alunos
são dificilmente identificados, e a probabilidade deles virem a se
organizar para defender a política proposta é muito baixa. Além disso,
após ingressarem na universidade, já beneficiados pela medida, terão de
pagar taxas e provavelmente mudarão de lado e passarão a se opor ao
pagamento para estudar na universidade pública.
Acreditamos portanto que
a medida contaria com poucos defensores e muitos opositores. Talvez as
famílias com filhos com menos de 18 anos constituam a fonte de apoio
mais provável. A incerteza sobre qual posição o aluno ocupará num exame
de seleção como o vestibular talvez faça essa família preferir a
política que maximiza o bem-estar social.
Reformas
recentes na Inglaterra demonstram que aspectos políticos relacionados à
cobrança pela educação pública devem ser considerados.
Tradicionalmente, as universidades públicas inglesas cobravam pela
educação, porém os valores eram muito menores daqueles cobrados pelo
setor privado.
Devido à crise financeira do setor de educação, o governo
encomendou um estudo dirigido pelo Lord John Browne, ex-presidente da
British Petroleum. Uma das principais recomendações da Browne Review
foi permitir que as universidades públicas aumentassem os preços
cobrados dos alunos. O Parlamento inglês eventualmente aumentou o teto
das taxas para 9.000 Libras por ano, ainda bastante abaixo do valor
cobrado pelas melhores instituições particulares. No entanto, essa
pequena mudança aconteceu sob fortes protestos no fim de 2010,
resultando em ocupações de universidades e mais de 150 pessoas presas em
Londres.
Outro
ponto importante é que, por ser gratuita, a universidade pública atrai
os melhores alunos. Um corpo discente de habilidade elevada aumenta a
qualidade de uma universidade, e a educação recebida por todos.
Portanto, a política de universidades públicas gratuitas pode ser um
empecilho ao surgimento de boas universidades privadas.
Se a competição
entre instituições públicas e privadas fosse mais equilibrada,
universidades públicas e privadas iriam ganhar espaço atuando nos
setores em que forem mais eficientes. As conclusões do estudo não são
aplicáveis a todos os cursos oferecidos nas universidades públicas, mas
apenas àqueles mais concorridos. Com efeito, um dos grandes problemas
atuais do ensino público é a ociosidade de vagas, sendo que mais de 39,5
mil vagas oferecidas em vestibulares de instituições públicas de todo o
País não foram preenchidas em 2009.
Por
último, salientamos que há algumas limitações técnicas à nossa análise.
Desconsideramos externalidades entre alunos no processo de aprendizado
(ver Epple e Romano, 1998), o que constitui uma omissão importante.
Também ignoramos a falta de mercados de seguro.
- Investimentos em educação podem ser mais arriscados do ponto de vista individual do que do ponto de vista social.
Portanto, se agentes não tem como fazer um
contrato de seguro, eles investiriam menos do que o ótimo em educação.
Soluções para esse problema incluem empréstimos em que o pagamento
depende da renda do agente após se educar.
- Uma solução interessante seria a implementação de um imposto de renda maior para aqueles que cursaram a universidade pública.
Cobrar por estudar em universidades públicas pode ter várias
consequências, e é uma questão importante a ser discutida pela
sociedade. Esperamos que as ideias apresentadas contribuam para esse
debate, e para a adoção de melhores políticas públicas", concluíram.
Fonte: Harvard University
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