Gestão: A arte de pastorear gatos acomodados
Em grandes empresas privadas, inclusive renomadas multinacionais, em organizações públicas ou sindicatos, os gatos parecem ter opiniões definitivas sobre todos os assuntos e são particularmente manhosos e estridentes
"Organizar ateos es como pastorear gatos,
y acomodar a toda una generación de los mandos intermedios para la foto."
Por Thomaz Wood Jr (*)
No maravilhoso mundo da gestão empresarial, certos conceitos concorrem ao prêmio de mais falado e menos praticado: planejamento estratégico é um deles.
Há 20 anos a prática foi considerada moribunda, vítima das turbulências globalizantes. Sobreviveu como artefato corporativo, com alguma pompa e pouca utilidade.
Há 20 anos a prática foi considerada moribunda, vítima das turbulências globalizantes. Sobreviveu como artefato corporativo, com alguma pompa e pouca utilidade.
- Em muitas empresas, o planejamento estratégico não é mais do que o prosaico orçamento ostentando um nome mais sofisticado.
Mas o mundo empresarial gira e novos conceitos surgem. Na década de 2000, ganhou popularidade entre especialistas o termo “estratégias emergentes”, rótulo para as múltiplas ações e decisões em todos os níveis da organização.
- Mais do que grandes planos, que raramente viam a luz do dia, é a soma das pequenas ações e decisões o realmente importante e determinante no curso das coisas.
Agora, acompanhando o modismo das mídias sociais, surge o termo “estratégia social”. Matéria publicada recentemente na revista McKinsey Quarterly trata do curioso fenômeno.
O ponto de partida é que a definição da estratégia da empresa frequentemente sofre com o distanciamento entre os planejadores e os executores.
- Do alto de suas torres, isolados da vida real, diretores de empresa frequentemente perdem a sensibilidade para questões da linha de frente.
Com isso, as estratégias por eles definidas contêm lacunas, não são abraçadas pelos executores no meio e na base da pirâmide. Naturalmente, isso pode comprometer o desempenho da empresa. Diante do desafio, a resposta apontada pelos autores Arne Gast e Michele Zanini é trazer para o processo as perspectivas e informações da linha de frente, por meio do uso de tecnologias sociais. Tal condição garante, segundo os autores, o aumento da transparência e da participação, e um processo de escrutínio e exame de ideias.
O artigo traz exemplos de empresas que estão empregando tal modelo. A HLC Technologies, uma provedora de serviços de desenvolvimento de software, cresceu rapidamente. A nova condição levou ao redesenho do processo estratégico. Os diretores da empresa perceberam que não conseguiam mais dar conta do conhecimento detalhado que cada unidade de negócios demandava. A resposta foi um processo com ampla participação dos funcionários e um sistema de aperfeiçoamento por pares. O tradicional workshop de estratégia foi substituído por uma plataforma online para a participação de milhares de colaboradores.
- A transparência ajudou a melhorar a qualidade das sugestões. O produto foi um trabalho mais prático, com maior chance de ser aplicado.
Um processo similar ocorreu na conhecida 3M. Em 2009, a empresa decidiu aperfeiçoar seu processo de construção da visão do futuro, etapa inicial do planejamento estratégico. Originalmente, o processo era baseado em uma análise de megatendências, conduzida por especialistas. O novo modelo envolveu todo o pessoal de vendas, marketing e pesquisa & desenvolvimento, por meio de uma plataforma eletrônica. Com isso, participaram do processo 1,2 mil profissionais de mais de 40 países, gerando mais de 700 ideias consolidadas em nove novos mercados a ser explorados pela companhia.
Muitas empresas enfrentam dificuldades com o alinhamento e a execução estratégicos.
Gerenciar grandes organizações é como pastorear gatos. Por mais que se esforce para fixar uma direção e comunicá-la, os bichanos raramente resignam-se aos comportamentos previstos.
Gerenciar grandes organizações é como pastorear gatos. Por mais que se esforce para fixar uma direção e comunicá-la, os bichanos raramente resignam-se aos comportamentos previstos.
O resultado frequente é uma “soma zero” que faz com que os movimentos da organização sejam restritos pela inércia.
- O fenômeno pode ser observado em grandes empresas privadas, inclusive renomadas multinacionais, em organizações públicas, nas quais os gatos são particularmente manhosos e estridentes, e em organizações sociais, nas quais todos os gatos parecem ter opiniões definitivas sobre todos os assuntos.
O aumento do nível de transparência e do nível de participação traz, supostamente, vantagens importantes: enriquece o processo, faz com que os profissionais entendam melhor o seu papel e aumenta o grau de comprometimento com a execução. Entretanto, não é um processo simples nem tranquilo. E pode despertar atitudes resistentes dos mestres planejadores, ciosos da liturgia do poder.
Para executivos no topo da pirâmide, adotar tal modelo de condução estratégica significa utilizar a autoridade pessoal para distribuir poder. Conforme sugerem Gast e Zanini, trata-se de uma mudança relevante de papel, de supertomadores de decisão para arquitetos sociais.
O que, obviamente, implica confiar na maturidade e na preparação dos funcionários, especialmente da média gerência (ilustração à direita).
O que, obviamente, implica confiar na maturidade e na preparação dos funcionários, especialmente da média gerência (ilustração à direita).
(*) Sobre o Autor
Thomaz Wood Jr possui graduação em Engenharia Química pela Universidade Estadual de Campinas (1982), mestrado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas - SP (1992) e doutorado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas - SP (1998). Atualmente é professor titular da Fundação Getúlio Vargas - SP, onde coordena o GVpesquisa. Tem experiência na área de Administração, com ênfase em Estratégia e Planejamento, atuando principalmente nos seguintes temas: mudança organizacional, identidade organizacional e indústrias criativas. Já publicou, além de diversos artigos, os seguintes livros:
REGO, A.; CUNHA, M. P. E.; WOOD JR, T. Como Gerenciar seu Chefe. 1. ed. São Paulo: Da Boa Prosa, 2011. v. 1. 128 p.
WOOD JR, T. Como Fazer Inimigos e Afastar Pessoas. 1. ed. São Paulo: Da Boa Prosa, 2011. v. 1. 144 p.
WOOD JR, T; CUNHA, M. P. E.; REGO, A. Kafka e o Estranho Mundo da Burocracia. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2010. v. 1. 98 p.
WOOD JR, T; colaboradores. Mudança Organizacional. 5. ed. São Paulo: SP, 2009. 328 p.
WOOD JR, T (Org.); KIRSCHBAUM, C. (Org.); CUNHA, M. P. E. (Org.); BENDASSOLLI, P. F. (Org.). Indústrias Criativas no Brasil. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2009. v. 1. 217 p.
WOOD JR, T. Fatos E Fábulas da Vida Executiva. 1. ed. SÃO PAULO: Editora Atlas, 2008. v. 1. 122 p.
WOOD JR, T. Cuidado, Trabalho! Perversões e Contradições da Vida na Selva Corporativa. 1. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007. v. 1. 160 p.
WOOD JR, T (Org.) . Gestão Empresarial - Comportamento Organizacional. 1. ed. São Paulo: Editora Atlas S/A, 2005. v. 1. 225p .
WOOD JR, T . A Estafa do Ator: o Drama Executivo no Teatro Corporativo. Aparecida - SP: Editora Idéias & Letras, 2005. v. 1. 135p .
BERTERO, Carlos Osmar (Org.) ; CALDAS, M. P. (Org.) ; WOOD JR, T (Org.) . Produção Científica em Administração no Brasil. 1. ed. São Paulo: Editora Atlas S/A, 2005. v. 1. 168p.
WOOD JR, T ; Colaboradores, Mudança Organizacional. 4. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004. 334p.
WOOD JR, T . Remuneração e Carreira por Habilidades e por Competências. 3. ed. São Paulo: Editora Atlas S/A, 2004. v. 1. 189p.
WOOD JR, T . Remuneração Estratégica: a Nova Vantagem Competitiva. 3. ed. São Paulo: Editora Atlas S/A, 2004. v. 1. 225p.
WOOD JR, T . Abaixo o Pop-management!. 1. ed. RIO DE JANEIRO: Negócio Editora, 2003. 205p .
PARENTE, Juracy Gomes (Org.) ; WOOD JR, T (Org.) ; JONES, Victoria L (Org.) . Gestão Empresarial - Estratégias de Marketing. 1. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2003. 281p.
WOOD JR, T . Executivos Neuróticos, Empresas Nervosas. 1. ed. São Paulo: Negócio Editora, 2002. 203p.
WOOD JR, T (Org.) . Gestão Empresarial: o Fator Humano. 1. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2002. 189p.
WOOD JR, T . Organizações Espetaculares. 1. ed. RIO DE JANEIRO: EDITORA FGV, 2001. 206p.
WOOD JR, T (Org.) . Gestão Empresarial: 8 Propostas para o Terceiro Milênio. 1. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2001. 199p.
WOOD JR, T . Gurus, Curandeiros e Modismos Gerenciais. 2. ed. São Paulo: Editora Atlas, 1999. 157p.
WOOD JR, T . Os 7 Pecados do Capital e Outras Perversões Empresariais. 1. ed. São Paulo: Markron Books, 1999. 150p.
CALDAS, M. P. ; WOOD JR, T . Transformação e Realidade Organizacional: uma Perspectiva Brasileira. 1. ed. São Paulo: Editora Atlas, 1999. 316p.
WOOD JR, T . Mais Leve que o Ar Gestão Empresarial na Era dos Gurus, Curandeiros e Modismos Gerenciais. 1. ed. São Paulo: Atlas, 1997. 123p.
CURADO, I. B. ; PEREIRA FILHO, João Lins ; WOOD JR, T . A Gestão de Recursos Humanos no Interior de São Paulo. 1. ed. São Paulo: SENAC São Paulo, 1996. 77p.
CURADO, Isabela B ; PEREIRA FILHO, João Lins ; WOOD JR, T . A Gestão de Recursos Humanos na Grande São Paulo. São Paulo: Editora Senac, 1995. 75p.
Fonte: FGV - Fundação Getúlio Vargas
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