O Universo de Ferreira Gullar
UNIVERSO
Sei, de ler, que o universo é de tais dimensões que a própria luz só o atravessa depois de bilhões e bilhões de anos, e que nele há multidões de galáxias e sóis que talvez já morreram, antes de chegar sua luz até nós.
Deste modo, é correto dizer que o céu que ora espio é passado e que até pode ser que o universo que vejo já se tenha acabado.
Mas, de fato, não vejo a não ser nas revistas de astronomias: o lampejo espantoso de infinitas constelações a brilhar num abismo espectral e difuso de gases e poeira estelar que me deixa confuso.
E assim, assustado e mudo, bem menor que um ínfimo grão de poeira, contudo, sou capaz de apreender, no meu íntimo, essas incontáveis galáxias, esses espaços sem fim, essa treva e explosões de lava.
Como tudo isso cabe em mim? O fato é que qualquer vasta nuvem prenhe de sóis já mortos ou futuros não possui consciência, esse obscuro fenônemo surgido aqui na Via Láctea, ou melhor, na Terra, e talvez somente nela, não se sabe porquê, mas que permite ao cosmos perceber-se a si mesmo, e ter olhos para se ver.
Olhos que são os nossos, lentes minúsculas mas sensíveis que captam a luz das nebulosas vinda de espaço e tempo inconcebíveis. É o que dizem, pois tudo o que vejo é, à noite, apenas o brilhar de distantes luzes no escuro.
São estrelas? planetas do sistema solar?
Somos algo recente e raro no universo, como rara é também a própria luz dos sóis deste sol que nos aclara.
Todo o universo é treva. Inalcançável vastidão escura dentro da qual os sóis, as explosões de gás e luz são exceções.
O universo na sua vastidão vazia é espaço e treva, é matéria fria em que não há o mínimo sinal de vida ou consciência; o que é mental nele, ao que se sabe, está em nós, no mínimo do mínimo do existente e o que também na treva luze é nossa voz inaudível no espantoso vão silente.
Vi pouco do universo: afora a asa de luz e pó da via Láctea, o que conheço são as manhãs que invadem minha casa.
Ferreira Gullar
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