Times: O Declínio e a Queda da Grécia
Grécia: Ó, deuses!
O plano de austeridade evitou o calote grego, mas o cotidiano dos cidadãos segue num transe coletivo recheado de humor negro
Por Russell Shorto (*)
Numa taberna com paredes de tijolos em Atenas, durante um almoço de salada e charutos de folhas de uva, Aris Hadjigeorgiou não parava de falar sobre a situação calamitosa de sua cidade e seu país, com comentários que apenas um jornalista veterano conseguiria fazer.
Ele explicou as maneiras insidiosas com que os ocupantes dos altos escalões da mídia grega estavam intimamente vinculados com a estrutura política, o que impedia reportagens sobre as falcatruas financeiras e também eliminava qualquer esperança de uma resolução da crise.
E observou algumas pequenas coisas, como os panfletos nos vidros dos carros com anúncios de empresas de mudanças: sinais literais de como a crise econômica vinha afetando Atenas, com as pessoas buscando vias de escape fora do país ou no campo.
Perguntei como a crise o afetava pessoalmente. A vida estava ficando difícil, ele admitiu. Depois, um pouco mais encorajado, disse que não recebia seu salário no jornal, um importante periódico de esquerda, há quatro meses. Nenhum dos colegas tinha sido pago. Mas poucos jornalistas saíram do jornal (que pediu concordata), pela boa razão de que não havia outro lugar para ir.
Isso resume bastante o que ocorre na Grécia. Todos falam incessantemente sobre a economia – sobre Angela Merkel, Sarkozy e a União Europeia, sobre a elite coesa que tem governado a Grécia e sobre as dificuldades dos seus vizinhos e as suas próprias. Mas de algum modo a vida cotidiana prossegue num transe coletivo permeado de humor negro.
Indicadores sugerem que a Grécia vive uma experiência sem precedentes no Ocidente moderno. Desde 2009,
- um quarto de todas as empresas gregas encerrou suas atividades e metade das pequenas empresas no país não conseguem pagar os empregados.
- A taxa de suicídios no país aumentou 40% no primeiro semestre de 2011. Uma economia de escambo floresceu.
- Quase metade da população abaixo dos 25 anos está desempregada.
- Executivos de bancos me disseram que as pessoas tiraram um terço do seu dinheiro das contas correntes; muitos guardavam as economias no colchão ou no quintal.
A Grécia está no epicentro de uma crise econômica que ameaça as bases da Europa. O mais recente plano de austeridade aprovado pelo governo, que visa satisfazer os credores e possibilitar novas injeções de ajuda financeira, pode ter evitado um calote involuntário e um colapso global, no entanto tornará a vida dos cidadãos comuns ainda mais difícil.
O plano reduz o salário mínimo em 20%, prevê milhares de demissões. Mas quando você passa um tempo na Grécia têm à frente um quadro complicado. Existe a cólera, o aperto de cinto e as nuvens escuras de depressão. Não é raro ver gregos bem vestidos revolvendo latas de lixo à procura de comida. Mas há histórias de sucesso.
A volta das lareiras.
Minha primeira impressão de Petros Vafiadis foi a de um urso. Alto, grandes bochechas, ele está agachado perto da grelha da sua lareira na sala. As pessoas de Giannitsa, ao norte da Grécia, disseram-me que o preço cada vez mais alto do óleo de aquecimento obrigou os moradores a usar as lareiras e, em muito tempo, sente-se o cheiro de madeira queimada no ar gelado. Vafiadis tem 56 anos e durante toda a vida trabalhou no setor da construção.
Nos últimos dez anos vinha supervisionando as obras da empresa Archi-Tek, fiscalizando a construção de grandes projetos, boa parte deles patrocinada pelo governo, como escolas e museus. Mas o trabalho na região da Tessália, onde a companhia tem sede, acabou. Vafiadis foi demitido em setembro, dois anos antes da idade da aposentadoria. Ele deu uma tragada no cigarro e me disse: "Não há nenhum sinal de melhora no futuro", referindo-se à situação grega e à sua própria. "As coisas só vão piorar."
Sua mulher, Ekaterina, colocou uma torta de alho-poró sobre a mesa e se sentou. "Há famílias que estão em situação pior que a nossa", disse ela ao marido. Ela ainda mantém seu trabalho de cozinheira na lanchonete de um jardim de infância, apesar de o salário ter sido reduzido de US$ 1.730 ao mês para US$ 1.260. A renda do casal caiu de US$ 43 mil anuais para a metade e deve diminuir mais US$ 530 ao mês quando terminar o período de 12 meses de auxílio-desemprego do marido. Eles não têm nenhuma poupança, porque quando compraram a casa em 2000 usaram tudo o que haviam economizado como entrada. Além disso, têm dois filhos cursando a faculdade.
As medidas de austeridade para tentar "acalmar" banqueiros e governos impacientes têm dificultado a vida das pessoas, mas quando me encontrei com Vafiadis alguns meses antes do acordo firmado pelo governo grego, no início de fevereiro, ele disse que "ainda acho que é a única maneira de sair da crise. O governo tem de cortar os salários e as aposentadorias".
À medida que a economia implode, os jovens deixam Giannitsa. O filho de Petros Vafiadis, Traianos, de 24 anos, disse que do grupo de seis amigos que tem desde a infância ele é o único com emprego. Os demais emigraram ou estão procurando emprego fora do país. Por várias vezes jovens gregos afirmaram que estão penosamente cientes de que estão repetindo o ciclo que ocorreu nos anos 40, quando uma grande diáspora de jovens deixou o país em busca de trabalho. A diferença fundamental é que agora são jovens bem preparados – futuros médicos e engenheiros – que estão partindo, sugerindo que o que está ocorrendo não é apenas uma deterioração da uma economia, mas também de um sistema social inteiro.
Desobediência civil.
"Atenção! Cuidado!", gritei para Paul Evmorfidis, que seguia na direção de um posto de pedágio na principal estrada de Atenas para Tebas. Ele reduziu a marcha ao se aproximar da cancela, mas não pagou o pedágio, nem parou. O alarme começou a disparar atrás de nós. "É o que fazemos aqui", disse ele. Quando o governo sobrecarrega os cidadãos com impostos, eles respondem com protestos. O pedágio custava três dólares e Evmofridis poderia pagá-lo sem dificuldade. Ele e seu irmão são proprietários da Coco-Mat, especializada em móveis de madeira natural. As vendas da Coco-Mat em 2011 foram de US$ 70 milhões, 15% a mais que o ano anterior. A Coco-Mat é uma empresa que desafia a crise: das 30 lojas na Grécia, cinco foram abertas no ano passado. Se Petros Vafiadis e sua família representam uma situação comum no país hoje, Evmorfidis revela outro caminho.
À medida que atravessamos os campos de oliveiras nas colinas de um branco cinzento, perguntei como ele, um bem sucedido empresário grego, achava que o país tinha chegado a uma situação como esta. "Este é um pais com 300 dias de sol durante o ano", disse, começando um confuso discurso, cujo ponto central era que ao aderir ao euro, a Grécia tentou estupidamente copiar os outros países e, ao fazer isso, deixou de lado seu modo de vida natural.
- "Trabalhar em escritórios é bom nos países onde há muita chuva", disse ele.
"Os gregos não têm que ficar em escritórios. Atenas dobrou de tamanho em algumas décadas – e hoje ela comporta metade da população do país! Congestionamentos de duas horas! Depois que adotamos o euro, a mentalidade mudou. De repente, se você ainda estivesse vivendo no vilarejo onde nasceu, era considerado um retardado. Os gregos, então, deixaram suas ilhas, seus povoados, vieram para a cidade e ficaram loucos".
A mentalidade moderna grega, segundo Evmorfidis, é uma versão mais viva do consumismo americano que provocou um forte endividamento.
- "Os gregos tomavam empréstimos para comprar um carro de luxo e poder dizer ‘eu tenho dinheiro’.
- Esta crise é exatamente o que precisamos. Merkel e Sarkozy são bons para a nossa saúde. Espero que eles não nos deem um centavo!"
Ultimamente um economista grego chamado Yanis Varoufaks vem chamando atenção no âmbito das finanças globais oferecendo o mito do Minotauro para explicar os recentes fatos macroeconômicos. Como ele escreve no seu mais recente livro, O Minotauro global, até recentemente o mundo em que vivemos funcionou graças ao consumo voraz de um tipo diferente de animal.
Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos construíram a infraestrutura dos aliados europeus e também dos antigos inimigos, e todos se tornaram seus parceiros comerciais. Com seu grande poder financeiro e industrial, os americanos se tornaram a nação superavitária do mundo: seus lucros fluíam para os aliados na forma de ajuda e investimentos.
Na década de 1970, contudo, outros países tinham economias robustas e os Estados Unidos se tornaram uma nação deficitária. "Nesse momento, alguns homens dentro da hierarquia financeira americana fizeram uma descoberta", disse ele. "Entenderam que não importava se os Estados Unidos eram a maior nação superavitária ou a maior nação deficitária. O importante era controlar a moeda primária do mundo, o que permitira aos Estados Unidos continuar a reciclar o superávit econômico global".
Assim, um novo sistema foi criado, em que uma enorme parte dos fluxos de capital do mundo vai para o serviço da dívida originada nos EUA. A dívida americana e a necessidade de alimentá-la, seria o Minotauro moderno. As instituições financeiras de Wall Street se tornaram as servas do Minotauro. Quando esse sistema começou a ruir em 2008, diz Varoufakis, "a crise do euro era apenas uma questão de tempo".
E onde, neste grande quadro, a Grécia se encaixa? Parte da lógica da zona do euro envolvia o fornecimento de empréstimos pelas economias fortes para as mais fracas, de modo a aprimorar suas infraestruturas para então poderem comprar produtos dos países mais fortes. Mas a Grécia recebeu os empréstimos e não investiu prudentemente. Como o elo mais fraco na zona do euro, a Grécia fornece uma imagem nítida de como o colapso econômico poderá ser muito maior. E apesar da esperança de alguns gregos com quem conversei na minha viagem, outros têm uma visão mais sombria do seu futuro.
Próximo de Tessalonica, segunda maior cidade do país, visitei uma família, marido, mulher e filho. A mulher é uma das maiores diretoras de bancos da Grécia. Quando pedi para que desse sua opinião sobre o futuro, ela respondeu: "na semana passada, eu estava sentada num café ao ar livre e um senhor bem vestido, de 60 anos, passou por mim e educadamente perguntou se eu poderia lhe dar o biscoito que veio junto com meu café. O que se diz sobre empresas bem sucedidas é bom de ouvir. Mas a realidade é aquele homem que me pediu o biscoito. Ainda não podemos ver os resultados da crise porque as pessoas estão sobrevivendo com suas economias. Logo essas poupanças vão acabar. No final de 2012 você verá uma Grécia com pobreza de verdade". Para Varoufakis, o futuro – no caso da Grécia e em grande parte do mundo ocidental – é de mais agitação.
- "O Minotauro morreu e era ele que respondia pela integração de tudo", diz ele.
"Enquanto um novo sistema não for criado, estaremos num torvelinho."
Sentimento de comunidade. Apesar de todos os problemas da Grécia, é surpreendente não vermos desabrigados em Atenas da maneira como se observa em outras cidades afetadas pela crise. Isso porque, mesmo que estivessem seguindo sua carreira em Atenas, as pessoas mantiveram o elo com as cidadezinhas de onde vieram.
Além disso, cerca de 80% dos gregos são proprietários de casa. Muitos dos que perderam o emprego na cidade têm onde se refugiar no campo, embora conseguir uma renda para viver ali seja outra questão. Assim, talvez o argumento de Evmorfidis seja válido: a infraestrutura tradicional da Grécia pode não ser a resposta derradeira para seus problemas, diante da escala global das coisas, mas poderá fazer com que os tempos difíceis sejam menos dolorosos.
O destino da minha viagem de carro com meu condutor foi Volos, uma cidade portuária na Tessália, um canal para o comércio com a Ásia, onde ele pediu para eu falar sobre a crise com um grupo de líderes de empresas. Após a conversa, quando saíamos do prédio, Evmorfidis me dizia que o que ainda salvará a Grécia é o sentimento de comunidade muito forte, quando uma senhora de meia idade descia as escadas. Era tarde e não tínhamos jantado. Ele perguntou a ela se sabia de algum lugar onde poderíamos encontrar alguma coisa para comer. "Venha à minha casa, vou cozinhar para vocês", ela nos convidou.
E foi o que fizemos.
(*) Russell Shorto é colaborador do New York Times Magazine e diretor do John Adams Institute em Amsterdã.
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