Economia: Keynes explica, com a sabedoria de sempre
Foto: A mão "invisível" (do mercado)
"Os Estados nacionais ainda são os mais eficientes garantidores
dos interesses das sociedades que representam"
(John M. Keynes)
Por Luiz Sérgio Guimarães
O cerco movido pelo governo americano aos especuladores que se aproveitam da desregulação patrocinada pela ideologia neoliberal para aumentar seus lucros e provocar o caos na economia fez ressurgir com redivivo vigor as idéias-força do pensamento keynesiano - sobretudo, a de que a "economia de mercado" produz, na ausência do Estado, todo tipo de artificialismo antidesenvolvimento.
No Brasil, a hegemonia neoliberal implantada em 1994 não calou um grupo de economistas, a maioria dos quais pós-keynesiana, habituado em nadar contra a corrente. E que continua defendendo seus pontos de vista em livros sempre muito densos e polêmicos. Para desespero dos "skinheads" mercadistas, eles não desistem.
Além de não desistirem, assumiram - para espanto dos defensores da mão que, embora se imagine invisível, sempre deixa impressões profundas nos cofres públicos - o centro do debate depois que se tornou evidente a necessidade de refrear os ideólogos especializados em promover a perpétua alternância entre bolhas de euforia e crises de pânico. Estão em evidência também por que, silenciosamente, os "desenvolvimentistas" já empolgam o governo Lula.
Desde o título, o livro que está sendo lançado pela editora Campus-Elsevier tem a audácia de ser, sem aspas, desenvolvimentista e keynesiano. "Economia do Desenvolvimento - Teoria e Políticas Keynesianas"(*) reúne a nata dos pensadores que ousam discordar do "mercado" e que provêm das melhores escolas de economia. Todos eles foram reunidos no seminário internacional "Políticas Econômicas para o Financiamento do Desenvolvimento: Setenta Anos da Teoria Geral", realizado no Rio de Janeiro em outubro de 2006.

Keynes, em sua essência, defende, portanto, o oposto da economia de mercado - aquela da "mão invisível" nos cofres públicos. Patriota, sem ser nem isolacionista nem xenófobo, o lorde inglês percebia, no dizer do professor Fernando Cardim de Carvalho, do IE-UFRJ, que "os Estados nacionais ainda são os mais eficientes garantidores dos interesses das sociedades que representam". Neste momento em que se agudiza o debate sobre os limites éticos, morais e legais da globalização financeira, o princípio keynesiano da soberania e autonomia dos Estados nacionais tem lugar de honra.
A crise de crédito americana afundou a autoconfiança triunfalista da ideologia neoliberal de se considerar o último bastião do racionalismo científico, herdeira da verdade final e absoluta. De acordo com a crença ora em decadência, era equivocada a idéia de que o capitalismo, por mostrar falhas sistêmicas que tendem a gerar periodicamente bruscas contrações e auges, precisava da presença permanente do Estado como representante de uma racionalidade de longo prazo. O livro trata de desfazer este e outros equívocos, como a sugestão de que a poupança externa é indispensável para forjar as condições necessárias para o desenvolvimento.
Muito pelo contrário. Os professores da FGV-SP Luiz Carlos Bresser-Pereira e Paulo Gala, na abertura da segunda parte do livro, destinada a discutir a importância de Keynes para as economias em desenvolvimento, mostram os malefícios decorrentes da implantação de políticas de crescimento, escoradas na ortodoxia convencional, dependentes da poupança externa.
A partir dessa escolha, o país enfrentará o problema da insuficiência de demanda derivada da falta de existência de estímulos adequados aos investimentos voltados para a exportação, por que sua moeda tenderá a se tornar sobreapreciada. O trabalho mostra que não se deve subestimar a importância da taxa de câmbio. Ela define não apenas exportações e importações e, portanto, a poupança externa, mas também os salários, ordenados reais e lucros e, desta forma, o consumo e a poupança interna. Em última instância, o nível da taxa de câmbio define também o investimento. O artigo demonstra a necessidade de políticas que dêem ênfase à demanda agregada e à busca de uma taxa de câmbio competitiva capaz de garantir o caráter sustentado dessa demanda.
A partir dessa escolha, o país enfrentará o problema da insuficiência de demanda derivada da falta de existência de estímulos adequados aos investimentos voltados para a exportação, por que sua moeda tenderá a se tornar sobreapreciada. O trabalho mostra que não se deve subestimar a importância da taxa de câmbio. Ela define não apenas exportações e importações e, portanto, a poupança externa, mas também os salários, ordenados reais e lucros e, desta forma, o consumo e a poupança interna. Em última instância, o nível da taxa de câmbio define também o investimento. O artigo demonstra a necessidade de políticas que dêem ênfase à demanda agregada e à busca de uma taxa de câmbio competitiva capaz de garantir o caráter sustentado dessa demanda.
Em outro artigo, o professor João Paulo de Almeida Magalhães, do Corecon-RJ, rechaça a idéia neoliberal segundo a qual cabe ao "mercado", e não à poupança interna, o papel central nas políticas de eliminação do atraso econômico. Ao discutir o sistema de metas de inflação, o economista Roberto Frenkel, da Universidade de Buenos Aires e do Cedes, conclui que a taxa de crescimento de um país ou o seu nível de atividade não podem estar subordinados a uma política monetária cujo único propósito é o de perseguir uma meta de inflação. Tal política estará equivocada se instrumentalizar a taxa de juros sem levar em conta a heterogeneidade, as mudanças estruturais e a segmentação da economia.
As metas inflacionárias não costumam, no Brasil, caminhar separadas dos juros explosivos, do câmbio apreciado e dos movimentos especulativos suscitados por eles. O professor da FCE-UFRGS Fernando Ferrari Filho, ao analisar, a partir dos postulados keynesianos, as propostas de câmbio administrado e controle de capitais para países emergentes, mostra que, em face da criação de um cassino financeiro global, os governos devem forjar as condições para a adoção de políticas econômicas autônomas.
A definição de "cassino" não é de Ferrari, mas de Keynes. Na sua "Teoria Geral", o lorde inglês escreve que:
- "quando o desenvolvimento das atividades de um país torna-se o subproduto das atividades de um cassino, o trabalho provavelmente será malfeito".
Antes que os neoliberais se levantem furibundos contra um suposto "radicalismo esquerdista" das propostas, enfatiza-se que as duas - regime cambial administrado e controle de capitais - não são um fim em si mesmo, mas meios para se atingir a prosperidade econômica, o pleno emprego e uma distribuição de renda mais eqüitativa entre indivíduos e entre países. O preconceito contra aspectos da politica cambial keynesiana freqüentemente se alicerça em frase do próprio Keynes, extraída dos escritos preparatórios à Conferência de Bretton Woods. Escreveu o economista:
- "Eu compartilho da visão de que o controle de movimentos de capital, tanto para dentro quanto para fora, deve ser um traço permanente do sistema do pós-guerra".
Os professores do IE-Unicamp Daniela Magalhães Prates e Marcos Antonio Macedo Cintra acreditam que Keynes apoiaria hoje uma política econômica baseada em controles de capitais e num regime de flutuação "suja". Isso contribuiria para atenuar os efeitos deletérios da assimetria monetária em termos de perda de autonomia de política econômica e vulnerabilidade externa. Ou seja, Keynes apoiaria hoje uma estratégia bem distinta da implementada no Brasil nos últimos anos.
Na abertura da terceira parte do livro, destinada a discutir Keynes e a economia brasileira, o professor da UFRJ e atual diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea João Sicsú enfatiza que uma estratégia de desenvolvimento não é um plano de gabinete. Em regimes democráticos com economias de mercado, os planos de gabinete possuem chances quase nulas de ser bem-sucedidos.
- "Uma estratégia de desenvolvimento deve ser construída em parceria com a sociedade e deve emular o seu imaginário, deve se tornar um sonho da grande maioria da população", diz Sicsú.
Pela visão pós-keynesiana da economia brasileira, é uma insensatez delegar ao "mercado", sempre instável, a tarefa de criar uma demanda agregada consistente com o pleno emprego. "A superação do viés de baixo crescimento da economia brasileira passa pela adoção de políticas que criem condições para a redução da taxa de juros doméstica, pela flexibilização da política fiscal e ainda por mecanismos que permitam ao governo interferir na trajetória da taxa de câmbio", recomenda o professor da FCE-UERJ Luiz Fernando de Paula.
A economia precisa de estabilidade, justamente aquilo que é o oposto oferecido pelos profetas da "mão invisível".
A economia precisa de estabilidade, justamente aquilo que é o oposto oferecido pelos profetas da "mão invisível".
(*) João Sicsú e Carlos Vidotto (org). “Economia do Desenvolvimento - Teoria e Políticas Keynesianas". Campus/Elsevier. 280 págs. R$ 59
Fonte: Valor Econômico
Comentários: A melhor maneira de entender o presente é saber o que aconteceu num passado recente. Mais: conhecer a história recente é o primeiro - e necessário - passo para não só entender o presente, mas sobretudo não repetir equívocos passados e predizer o futuro.
Assim, espera-se que o atual governo não seja tolo em repetir carcomidos apelos neoliberais, dos quais todos já experimentamos o amargo dissabor.
Assim, espera-se que o atual governo não seja tolo em repetir carcomidos apelos neoliberais, dos quais todos já experimentamos o amargo dissabor.
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