Inflação e juros: é necessário mudar o rumo do debate

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) constata que o aumento da inflação tem resultado, no Brasil, em elevação de juros. 

A recente alta de preços de alguns produtos agrícolas (fruto da especulação financeira em decorrência da inundação de dólares nos mercados) e de commodities (cujo preço é estabelecido pelos compradores em mercado externo) deve provocar uma nova rodada de aperto da política monetária, ou seja, aumento de juros.

A Nota Técnica 94 - divulgada esta semana pelo DIEESE -  levanta um questionamento:
  • Esta medida acaba se refletindo em valorização do real, encarecimento do crédito e arrefecimento da elevação dos preços pela queda da demanda e concorrência dos produtos importados mais baratos.
É, portanto, necessário pensar em outras alternativas. 

De tempos em tempos, o debate sobre inflação toma vulto no Brasil. Nos últimos anos foi assim em 2003, 2008 e agora em 2010. Como a terapia oficial usada para o enfrentamento da inflação é sempre a mesma – a elevação da taxa básica de juros - Selic – aumenta a preocupação do movimento sindical, uma vez que juros mais altos têm impacto negativo sobre o crescimento econômico, a geração de empregos e as negociações coletivas.


Outros efeitos indiretos não menos importantes decorrem do aumento dos juros básicos: a elevação da dívida pública atrelada à taxa Selic e a valorização do real. O aumento da dívida obriga o governo federal a apertar o orçamento público com corte de gastos e/ou aumento de impostos para garantir um superávit das contas públicas. O aumento do superávit (receita-despesa) é para evitar o crescimento da relação dívida/Produto Interno Bruto (PIB). O outro efeito não menos importante é a valorização da moeda nacional que amplia o risco de “exportar” empregos, uma vez que as importações ficam mais baratas e as exportações mais caras. Também os serviços são afetados como, pois, por exemplo, os gastos de turistas brasileiros no exterior ficam maiores.

A nota tem o objetivo de debater a recente elevação da inflação, discutir suas causas e medidas de enfrentamento que preservem o atual ritmo de crescimento econômico, com efeitos favoráveis sobre o nível de emprego e as negociações coletivas. Também indica a importância de criar uma agenda, ainda que incompleta, de debates para mudanças na política econômica, especialmente no uso dos juros básicos para combater a elevação dos preços.

Após 1999, ano em que a política econômica adotou o regime de metas inflacionárias, toda vez que a taxa anual de inflação ameaçou ultrapassar o centro da meta, o Banco Central (BC) acionou a política monetária, na maioria das vezes elevando a taxa básica de juros. Um dos objetivos dessa política é manter a credibilidade da autoridade monetária no enfrentamento da inflação, coordenando as expectativas dos agentes econômicos para que a inflação convirja para o centro da meta estipulada pelo CMN para determinado ano.

Segundo o DIESSE, nos últimos anos, as decisões do Copom têm se pautado por um pressuposto central sempre que a inflação ameaçou ultrapassar o centro da meta: a assunção de que o ritmo de crescimento econômico não pode superar o crescimento do produto potencial (*) assumido pelos modelos que o Copom e o BC utilizam para calibrar a política monetária.

Salários e inflação
Um fato observável: a média real de salários nos 8 anos do governo Lula foi menor que a de FHC

A partir de 1985, o Brasil vivenciou situações distintas em relação ao comportamento dos salários. Na maior parte desse longo período, os salários reais caíram. O Gráfico 4 (acima) apresenta a trajetória dos salários reais a partir dos levantamentos da Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED, na Região Metropolitana de São Paulo, onde o levantamento teve início em 1985.

Depois de uma pequena elevação em 1986, os salários reais apresentam uma expressiva queda entre 1986 e 1992. Voltam a crescer entre 1992 e 1997. Caem novamente entre 1996 e 2003 e ficam em estagnação a partir de 2004.
  • O nível atual do salário real encontra-se muito abaixo daquele observado em 1985, reconhece o DIEESE.
Para o movimento sindical brasileiro, a questão salarial é estratégica e integra o projeto de desenvolvimento apresentado pelas Centrais Sindicais Brasileiras ao governo federal (**). Embora a situação mais favorável do mercado de trabalho nos últimos anos tenha contribuído para a discreta elevação dos salários reais, o nível salarial no Brasil é baixo em qualquer comparação que se faça com os países desenvolvidos.

Qualquer política que busque frear esse movimento de elevação recente caminha na contramão de um projeto de desenvolvimento que tem como objetivos centrais a redução da desigualdade de renda e a elevação da participação dos salários na renda nacional.
  • O Brasil só será desenvolvido quando melhorar a distribuição de renda e atingir níveis de participação dos salários na renda nacional semelhantes a aqueles observados nos países com renda per capita mais alta, adverte a nota técnica do departamento.

Qual é, então, a relação entre a elevação da inflação nos últimos meses e os salários?

O primeiro impacto da elevação da inflação é a corrosão do poder aquisitivo dos salários, levando o movimento sindical a lutar pela reposição dessa inflação mais alta. Para os trabalhadores, há uma forte percepção do aumento do custo de vida, uma vez que a elevação de preços de alimentos essenciais (carne, feijão, soja, açúcar, leite, entre outros) atinge diretamente o “bolso” do trabalhador.

Em outra dimensão, o desafio principal é evitar que eventuais medidas que venham a ser tomadas para combater o aumento da inflação dificultem a trajetória positiva de crescimento do emprego e dos salários.

Nesse momento, o risco maior é a desaceleração da atividade econômica através da elevação dos juros e da contração do crédito. Quanto mais forte o desaquecimento da economia, maiores as dificuldades para que o movimento sindical conquiste aumentos reais de salários.

Nos últimos anos, especialmente a partir de 2004, a economia brasileira cresceu num ritmo mais intenso que o das duas décadas anteriores. A taxa média de crescimento dobrou em relação ao período anterior.

Segundo o DIEESE, esse resultado esteve apoiado no aumento do valor real do salário mínimo, nos programas de transferência de renda para os mais pobres e na expansão do crédito. Nesses anos houve permanente elevação do consumo das famílias e da taxa de investimento (formação bruta de capital). Contudo, a sustentação do crescimento vai depender, em grande medida, da contínua elevação dos salários reais, do consumo e do investimento doméstico.

Tudo indica que a economia brasileira pode continuar crescendo a taxas altas nos próximos anos. Assim, o combate à inflação nos próximos meses deve incluir medidas que não interrompam essa trajetória, como ocorreu em 2005, quando a taxa de crescimento caiu de 5,7%, em 2004, para 3,2% em 2005.

Trata-se de aproveitar a oportunidade para aprofundar o debate público de forma a contribuir para a construção de medidas inovadoras no combate à inflação, preservando o crescimento econômico e a redução da desigualdade de renda pela elevação do emprego e dos salários.

Como bem sabido, os políticos trataram de antecipar suas perdas salariais 56 anos à frente, ao auto-promoverem aumento salarial de 62%, ao mesmo tempo que, para conter o "dragão da inflação", reajustaram (?) o Salário Mínimo em 0,37% (aumento real em relação à variação do INPC-IBGE para o período de 01/01/2010 a 31/12/2010 estimada, então, em 6,47%).

Assim, se o combate à inflação no início de 2011 for feito repetindo a cartilha de elevação da Selic, vão ser ampliados os riscos de desaquecimento econômico e de valorização do real. E também os riscos de desindustrialização e de exportação de empregos.

Como, então, impedir que eventuais elevações dos juros, valorizem ainda mais o real? Um caminho é a “desmontagem” dos atuais mecanismos de financiamento de curto prazo da dívida pública. 


Se, no diagnóstico do governo for inevitável subir a taxa básica de juros para desaquecer a demanda, essa elevação não deveria atrair capital especulativo. Essa atração se dá pela liquidez e pelo alto rendimento dos títulos de curto prazo da dívida pública, e isto é o contrário do que ocorre em qualquer país do mundo desenvolvido, onde aplicações de curto prazo não são rentáveis como as aplicações de longo prazo. 

  • Nossa forma de financiamento da dívida pública de curto prazo é um poderoso estímulo às aplicações externas (e internas) que aumentam o estoque da dívida e valorizam artificialmente a moeda brasileira.
A desmontagem da engrenagem atual de financiamento da dívida pública, mesmo na hipótese de elevação da taxa básica de juros, impediria a elevação dos rendimentos dos títulos de curto prazo da dívida pública, evitando a atração de capital financeiro externo por esse motivo. 

Em outras palavras, não haveria estímulo algum para aplicações em títulos de curto prazo de alta liquidez, pois os rendimentos desses papéis não seriam afetados pelo aumento dos juros básicos.
  • Há uma clara ambiguidade no comportamento da economia brasileira ao conviver com os juros mais altos do mundo. 
A decisão dos agentes econômicos de investir produtivamente tem como referência o custo de oportunidade da aplicação mais segura, de alta liquidez e rentabilidade. No caso brasileiro, essa referência é dada pela taxa Selic e seu impacto sobre o rendimento dos títulos de curto prazo da dívida pública. 

Ou seja, a decisão do investimento produtivo no Brasil sempre inclui, no cálculo de retorno, esses juros estratosféricos. E isso pressiona a taxa de rentabilidade de vários setores para cima, com impactos sobre a formação dos preços. De outro lado, o custo do dinheiro no sistema financeiro é muito alto, dificultando a elevação da taxa de investimento do país.

Pode-se argumentar que juros altos podem induzir à elevação da taxa de poupança se pessoas e empresas trocarem o consumo presente pela aplicação de seus recursos financeiros excedentes no sistema financeiro. 


Há, entretanto, várias razões que permitem questionar essa abordagem:
  • Os níveis de salários e a elevada concentração de renda no Brasil impedem que a maior parcela dos trabalhadores e suas famílias tenham renda suficiente para poupar. Tudo o que ganham é gasto em consumo. 
  • O contingente de famílias que dispõe de renda mais alta para poupar já o faz em proporção significativa da sua renda. 
  • Como esse número de famílias é minoritário, o montante adicional poupado por essas famílias não é capaz de influenciar significativamente a taxa de poupança total do país.
Juros altos, contudo, têm um efeito perverso sobre a poupança do setor público. A elevação da taxa Selic aumenta imediatamente a dívida pública. O mercado, essa entidade abstrata com claros interesses na solvência da dívida pública, passa a exigir corte de gasto público, reduzindo a capacidade de aumentar a poupança pública e comprometendo o investimento do setor público.

Na nota do DIEESE, aponta-se a necessidade de reformar o sistema financeiro brasileiro para viabilizar uma queda substancial dos juros básicos e das demais taxas praticadas pelos bancos e outras instituições que captam recursos e ofertam crédito. Um ponto básico dessa mudança é assegurar maior rentabilidade para os aplicadores e poupadores que aceitem prazos maiores para suas aplicações. Ou seja, construir regras que viabilizem a formação de poupança de longo prazo no Brasil.


Os investidores que querem ganhar mais no curto prazo devem arriscar mais. Não é aceitável que aplicações de curto prazo e de alta liquidez tenham remuneração equivalente às de longo prazo. 



A necessidade de uma nova terapia de combate à inflação

 
Se a cartilha aplicada for a mesma dos últimos anos em que a inflação subiu acima da meta estabelecida pelo CMN (2003/2004 e 2008), o combate à recente elevação da inflação será feito através do aumento da taxa Selic. Desta medida espera-se sempre a mesma coisa: 

  • valorizar a moeda (real), 
  • encarecer o crédito, e 
  • arrefecer os aumentos de preços pela queda da demanda e pela concorrência dos produtos importados. 

Os efeitos colaterais negativos também são conhecidos:
  • desaquecimento da economia, 
  • elevação da dívida pública, valorização artificial do real,  
  • agravamento dos riscos de desindustrialização,
  • desequilíbrio externo através de forte incentivo às importações,  
  • perda de competitividade das exportações.

É possível uma política econômica diferente para combater a inflação?
 

Não se trata de uma resposta simples e nem é possível respondê-la com profundidade em apenas uma nota técnica. No entanto, alguns pontos merecem ser listados para esse debate:
  1. Para o movimento sindical, importa discutir novos mecanismos de negociação que protejam o poder aquisitivo dos salários e acompanhem o desempenho econômico das empresas, setores e do país e que considere o crescimento da produtividade; que leve em conta o desempenho setorial e macroeconômico na apropriação da renda do país.
  2. A recente elevação de alguns preços abre uma janela para que o movimento sindical e outros atores possam discutir alternativas que mantenham a inflação em patamar baixo e evitem um custo social desnecessário em termos de desaquecimento econômico, geração de empregos e contenção dos salários.
  3. Políticas de abastecimento e mudanças nos mecanismos de financiamento de curto prazo da dívida pública para reduzir os juros podem iniciar um debate público que altere os rumos da política econômica no combate à inflação, especialmente quando sua elevação decorre de fatores conjunturais como choques de oferta e/ou especulativos, internos ou externos, como o que se observa nos últimos meses.
É uma oportunidade de discutir um dos traços mais perversos que impedem uma aceleração do crescimento no Brasil: 
  • o “rentismo” que beneficia apenas aqueles que estão no topo da pirâmide de renda.
(*) O produto potencial, na visão do Copom/BC, indica uma taxa de crescimento econômico que não eleve a inflação acima da meta. 

(**) Ver Agenda para um projeto nacional de desenvolvimento com soberania, democracia e valorização do trabalho, uma proposta de ações elaborada em conjunto pelas Centrais, e entregue à presidenta Dilma Roussef. 

Fonte: Dieese

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