Nossa Língua: Nota zero para os linguarudos

"O muro teria caído porque ela teria..."

A bizarrice tem provocado bobagens como estas: "Fulano teria morrido porque teria ingerido..."

"Muito interessante a série sobre os pretéritos", disse-me dia desses um leitor que encontrei em... Que me desculpe esse leitor, mas não lembro mais onde foi.

"O senhor vai falar também dos futuros?", perguntou-me. Pois então vamos aos futuros, sobretudo ao coitadinho do futuro do pretérito, tão maltratado de uns tempos para cá pelos jornalistas (de todas as "mídias": rádio, TV, jornal, revista, site, blog, Twitter).

Quais são mesmo esses maus-tratos? Lá vai um exemplozinho (real): 
  • "De acordo com a promotora, Fulano teria coagido as testemunhas, o que a levou a pedir a prisão temporária de...". 
Santo Cristo! Será que, ao justificar o pedido de prisão temporária de Fulano, a promotora afirmou que ele "teria coagido as testemunhas"? Então uma promotora se baseia numa dúvida ou suposição (dela) para pedir que alguém fique atrás das grades? Certamente não.

Para que fique claro: um dos valores do futuro do pretérito é o de indicar que o emissor não se responsabiliza pela veracidade do enunciado:
  • "Os ossos encontrados seriam de um homem pré-histórico" - o exemplo é do "Dicionário Houaiss".
Por medo, excesso de zelo ou cacoete mesmo, jornalistas empregam o futuro do pretérito para não serem "acusados" de divulgar inverdades. Mas quem foi que disse que informar que de acordo com a promotora Fulano coagiu as testemunhas equivale a informar que Fulano coagiu as testemunhas? Moral da história, caros colegas: podem afirmar que, de acordo com a promotora, Fulano COAGIU as testemunhas, o que a levou a pedir...

A bizarrice tem provocado bobagens como estas (reais; não invento nada): 
  • "De acordo com a polícia, Fulano teria morrido porque teria ingerido..." (ora, Fulano MORREU, santo Deus!)
  • "O juiz teria anulado o gol porque..." (o gol foi anuladíssimo);
  • "O muro teria caído porque..." (mas o bendito muro caiu mesmo).
Mais uma vez, relembro neste espaço que o valor específico do futuro do pretérito do indicativo (o valor que lhe justifica o nome) é o de situar um fato no futuro em relação a um momento passado:
  • "A filha nasceu em 1976, e em 1977 nasceria o filho" (o exemplo é do "Dicionário Houaiss"). Essa frase deixa claro (creio) o motivo pelo qual o futuro do pretérito tem o nome que tem.
Outro dos valores do futuro do pretérito é o de indicar que um fato depende de uma condição para se concretizar: "Se eu pudesse, leria todos os livros dele". Esse valor do futuro do pretérito faz muita gente chamá-lo de "condicional" (nome que ele já teve em outros tempos). A condição, na verdade, é expressa pela oração do outro verbo (no exemplo visto, "pudesse", do pretérito imperfeito do modo subjuntivo).

Como vimos na semana passada, na linguagem oral e em textos literários é comum o emprego do pretérito imperfeito do indicativo no lugar do futuro do pretérito ("Se pudesse, ela casava com ele já"). Em Portugal, isso é mais do que comum, mesmo com verbos como "gostar", que, no Brasil, não costuma passar por esse processo. Um português diz com toda a naturalidade algo como "Gostava muito de estar com ela amanhã à noite". Cá entre nós, isso é uma delícia.

Por fim, lembro que o futuro do pretérito dos verbos "dizer", "fazer", "trazer" e derivados é feito sem a sílaba "ze" (diria, faria, traria, desdiria, contradiria, satisfaria, refaria, desfaria, liquefaria). É isso.

Prof. Pasquale Cipro Neto

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