Gestão: O Ministério do Pensamento Adverte...
“Temos que exercitar cada vez mais
nossa capacidade de pensar no impossível”.
(@blogdomarcelao)
Por Pedro Bramont(*)
As crianças (e os políticos) sempre me surpreendem. Há mais de 10 anos, meu irmão mais novo (Paulinho) perguntou:
As crianças (e os políticos) sempre me surpreendem. Há mais de 10 anos, meu irmão mais novo (Paulinho) perguntou:
- “Pedrinho, o que significa ser bonito?”
Pensei em tudo: Rosto ovalado? Atitudes bondosas? Saldo polpudo da conta bancária? Olhos de esmeralda? Sorriso colgate? Acabei convencendo-o a aceitar duas balas (7-belo) em vez da resposta.
A dificuldade em responder me deixou convicto de uma coisa: nem todo assunto pode ser definido. Muitos, inclusive, acabam sendo mal compreendidos se explicados com definições. A partir de então, resolvi substituir. Saem as definições, entram os conceitos. Vamos ver as diferenças? Me acompanhe nessa pequena saga conceitual.
Definição x conceito
Definição x conceito
Sem querer definir, apresento o que os dicionários e as pessoas (além das que criaram os dicionários), em geral, entendem por definição e conceito.
Definição remete, em sua essência, a delimitação. Por meio dela, temos a pretensão de conseguir apresentar o significado de algo com palavras determinadas. Já conceito se relaciona mais com idéias, pensamentos e opiniões sobre determinado tema.
O astuto leitor perceberá que o primeiro (definição) restringe os possíveis significados de algo, pois exclui tudo que determinado assunto “não é”. Já o segundo (conceito) reconhece as possíveis múltiplas perspectivas, abordagens e “novos olhares”.
Mas será que essa diferença, de fato, tem importância? Ou este mísero escriba, sofrendo com o avanço da idade, anda encasquetando com coisas pequenas?
Veja alguns indícios e tire suas próprias conclusões.
Implicações práticas
Implicações práticas
Infelizmente, o que vejo em grande parte da literatura, da academia e do ambiente empresarial, é uma verdadeira tara por definições.
Faça um teste: sorteie uma sala de aula em alguma universidade, de preferência no início do semestre, e entre de sopetão. Aposto que você pegará o professor iniciando sua exposição com algo do tipo “XXXXX: o que é?” (basta substituir xxxxx por qualquer coisa).
Ou escolha um livro (preferencialmente sobre administração e negócios), e procure, normalmente no primeiro capítulo, uma bela definição – entre aspas, negritada e centralizada na página.
Nas empresas, então, nem se fala. Algumas chegam ao cúmulo de definir o que consideram, por exemplo, “bom ambiente de trabalho” – para, em seguida, imputar algumas responsabilidades aos pobres empregados.
Destaco alguns problemas que esse hábito nos traz:
- a. Foco no produto e descaso com o processo.Com ansiedade excessiva em chegar ao destino, acabamos não desfrutando das belezas da viagem. Muitas vezes, a caminhada rumo ao conhecimento é mais proveitosa e enriquecedora que o próprio conhecimento. Na busca por definições, preocupamo-nos exclusivamente com as bordas e ignoramos as nuances, variações e estados do domínio estudado.
- b. Prejuízo a aprendizagem e inovação. Tente, por exemplo, criar uma definição adequada (ou seja, aderente à realidade) sobre como andar de bicicleta, como chutar de trivela (três dedos) numa bola ou como dar um bom beijo. Nem usando definições escritas por grandes especialistas conseguiremos transmitir, por completo, uma idéia adequada do que essas coisas ser. É mais ou menos como descrever um local que visitamos. Nenhuma descrição ou registro será tão rico quanto a própria experiência.
- c. Descolamento entre teoria e prática. Não é à toa que o ambiente empresarial critica tanto a academia.A partir do momento que um livro é publicado e, pretensamente, divulga definições sobre determinados temas, é de se esperar que o leitor tente enquadrar a realidade que vive/conhece ao que leu. Se vê muita divergência, a teoria cai em descrédito. Se, em vez de definições, o autor do livro apresentasse idéias sobre o tema (possibilidades, intenções, exemplos e relações), acredito que o leitor, ao menos, veria parte de seus próprios pensamentos – ou experiências – na literatura, promovendo um ciclo virtuoso de análise, comparação e evolução.
Acredito que alguns exemplos ilustram melhor o que apresentei até agora. Sigam-me os bons.
Alguns exemplos
Situação 1: Um filho curioso acaba de lhe perguntar: “Pai, o que é sexo?” Qual explicação você daria?
“Um homem e uma mulher que se amam…” (epa, por que o preconceito?)
“Tá bom. Duas pessoas que se amam” (e as experiências traumáticas?)
“Ok, duas pessoas…” (e as festinhas mais “avançadas”, como ficam?)
“Ok, ok, pessoa(s)…” (e os animais, não fazem?)
“Meu Deus, seres vivos..” (e os atos solitários?)
E as intenções envolvidas? E as conseqüências boas / ruins?
“Tá bom. Duas pessoas que se amam” (e as experiências traumáticas?)
“Ok, duas pessoas…” (e as festinhas mais “avançadas”, como ficam?)
“Ok, ok, pessoa(s)…” (e os animais, não fazem?)
“Meu Deus, seres vivos..” (e os atos solitários?)
E as intenções envolvidas? E as conseqüências boas / ruins?
Percebam que não é fácil buscar uma definição que consiga abranger todo o espectro de informações necessárias, importantes e úteis.
Por isso, o Ministério do Pensamento adverte: definições erradas/incompletas sobre esse tema provocam, até hoje, gravidez precoce, desilusões, preconceitos, transmissão de doenças, atos violentos etc.
Situação 2: Seu filho recebeu um elogio da professora e lhe pergunta: “papai, o que é inteligência?” O que você responderia?
- QI?
- Capacidade de resolver problemas?
- Habilidade musical?
- Simpatia?
- Criatividade?
- Carinho?
- Memória?
- Capacidade de resolver problemas?
- Habilidade musical?
- Simpatia?
- Criatividade?
- Carinho?
- Memória?
Vejam que buscar uma definição pode deixar de fora capacidades também dignas de admiração. Por isso, o Ministério do Pensamento adverte: definições erradas/incompletas sobre esse tema fizeram com que, durante muito tempo, só aqueles com raciocínio lógico apurado e habilidade matemática fossem considerados inteligentes.
E por aí vai. Para o artigo – que já está bem grande – não ter apenas críticas, trago algumas sugestões para o paciente leitor. Plim-plim.
Sugestões
Sugestões
- Quando for abordar um tema, analise-o sob vários aspectos, perspectivas e contextos. Ao tentar apresentar conceitos sobre um tema corporativo, por exemplo, veja seus pontos fortes, suas críticas, suas aplicações, suas contradições, quem o descobriu, quem o divulgou/divulga, algumas experiências relacionadas, possíveis interfaces com outras áreas, como outras empresas abordam tal tema etc. Não se limite ao tradicional “para o que serve”, “quem o criou” e “veio do latim/grego/etc”. Use metáforas e seja criativo.
- Incorpore a humildade científica em sua rotina. Quanto mais estudamos, mais percebemos o quão ignorante somos. Por isso, tenha consciência das limitações de seus métodos e de suas próprias capacidades. O fato de você ter trabalhado a vida inteira com determinado assunto não significa, por exemplo, domínio completo sobre todas as possibilidades, inter-relações e problemas não resolvidos. Mantenha a cabeça aberta e continue explorando.
- Admita que certos assuntos não permitem simplificação ou soluções fáceis. A tentativa de construir modelos (representações da realidade) é válida, porém imperfeita. Há problemas para os quais não cabem reducionismos. Renda-se, nesse caso, à busca por novas formas de solucionar tais problemas (sejam eles novos ou antigos). Saiba reconhecer quando estiver diante de algo que exige uma abordagem mais complexa, integrada e abrangente.
Questões para debate
Não vou escrever conclusões pois o objetivo deste artigo é abrir janelas, não fechar portas. Portanto, desafio os inteligentes leitores a oferecer idéias sobre as seguintes questões:
- Há assuntos que permitem definições? Quais? O que os diferencia dos assuntos que não permitem definições?
- Se as definições não são bons meios de buscar ou apresentar explicações, por que ainda são tão utilizadas? Quem ganha com elas?
- No seu dia-a-dia, você se depara com muitas definições? Quais?
(*)Sobre o autor: Pedro Bramont, 27, é um grande admirador da inteligência humana, embora se irrite, de vez em quando, com a espécie. Gosta de comer palmitos e usar canetas - ambos macios. Não assistiu Avatar nem Titanic. Com formação em administração e computação, aventura-se em cinema, estratégia, música, inteligência artificial, ciência militar, criatividade e lógica. No BB, trabalha com governança corporativa (na UPE). Tem um blog: movimentobrowniano.wordpress.com. E, ao lado de sua esposa, felizmente não sofre mais com as malvadezas de Joey Tribiani, o inquieto Cocker (ex) comedor de jornais.
Fonte: http://hsm.updateordie.com
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