Literatura: A aula de filosofia política por Fernando Pessoa

Saramago morreu. Morreu?
Não. Apenas deitou-se.
"Não se levanta nem precisa levantar-se.
Está bem assim. O mundo que elouqueça,
o mundo que estertore em seu redor.
Continua deitado
sob a racha da pedra da memória".
(Homem Deitado - Carlos Drummond de Andrade)

E que dizer de Fernando Pessoa, então?
Seriam os banqueiros, "anarquistas"?

E por falar em bancos, lembrei-me de um, dentre tantos e inúmeros contos geniais de Fernando Pessoa, em que destila ironia, consciência, crítica e sabedoria. Trata-se de "O Banqueiro Anarquista", que como bem disse a professora, escritora e poetisa Leila Brito: "Que aula de Filosofia Política!...". 

Transcrevo, abaixo, um pequeno trecho que pode ser lido na íntegra no Blog do Fernando Pessoa:

[...]

- Fui sempre mais ou menos lúcido. Senti-me revoltado. Quis perceber a minha revolta. Tornei-me anarquista consciente e convicto - o anarquista consciente e convicto que hoje sou.

- E a teoria, que V. tem hoje, é a mesma que tinha nessa altura?

- A mesma. A teoria anarquista, a verdadeira teoria, é só uma. Tenho a que sempre tive, desde que me tornei anarquista. V. já vai ver... Ia eu dizendo que, como era lúcido por natureza, me tornei anarquista consciente.

Ora o que é um anarquista? É um revoltado contra a injustiça de nascermos desiguais socialmente - no fundo é só isto. E de aí resulta, como é de ver, a revolta contra as convenções sociais que tornam essa desigualdade possível. O que lhe estou indicando agora é o caminho psicológico, isto é, como é que a gente se torna anarquista; já vamos à parte teórica do assunto.

Por agora, compreenda V. bem qual seria a revolta de um tipo inteligente nas minhas circunstâncias. O que é que ele vê pelo mundo?

Um nasce filho de um milionário, protegido desde o berço contra aqueles infortúnios - e não são poucos - que o dinheiro pode evitar ou atenuar; outro nasce miserável, a ser, quando criança, uma boca a mais numa família onde as bocas são de sobra para o comer que pode haver. Um nasce conde ou marquês, e tem por isso a consideração de toda a gente, faça ele o que fizer; outro nasce assim como eu, e tem que andar direitinho como um prumo para ser ao menos tratado como gente. Uns nascem em tais condições que podem estudar, viajar, instruir-se - tornar -se (pode-se dizer) mais inteligentes que outros que naturalmente o são mais. E assim por aí adiante, e em tudo...
  • "As injustiças da Natureza, vá: não as podemos evitar. Agora as da sociedade e das suas convenções - essas, por que não evitá-las? Aceito - não tenho mesmo outro remédio - que um homem seja superior a mim por o que a Natureza lhe deu - o talento, a força, a energia; não aceito que ele seja meu superior por qualidades postiças, com que não saiu do ventre da mãe, mas que lhe aconteceram por bambúrrio logo que ele apareceu cá fora - a riqueza, a posição social, a vida facilitada, etc. Foi da revolta que lhe estou figurando por estas considerações que nasceu o meu anarquismo de então - o anarquismo que, já lhe disse, mantenho hoje sem alteração nenhuma.''
[...]

Fonte: O Pensamento Vivo de Fernando Pessoa

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