Urbanismo: O caos sublime e a boa vizinhança
O artigo que segue foi originalmente publicado em Carta Capital - Especial Urbanismo -, que deveria ser disponibilizado no site da Revista, porém, por algum problema técnico (crê-se), não o foi.
Sendo assim, o Blog do Tato comete a imprudência de transcrever, a bem da boa informação:
No coração dos problemas
Os grandes centros urbanos do Brasil geram condições desfavoráveis à coesão social e esgarçam os conceitos de nação
Por Luiz César Queiroz Ribeiro*
O DESTINO DAS METRÓPOLES está no centro dos dilemas das sociedades contemporâneas. As transformações tecnológicas, sociais e econômicas em curso desde a segunda metade dos anos 1970, em especial as decorrentes da globalização e da reestruturação socioprodutiva, aprofundaram a dissociação criada pelo capitalismo industrial entre progresso material e urbanização, economia e território, nação e Estado.
Segundo previsões de organismos internacionais, em 2015 teremos 33 aglomerados urbanos do porte de megalópoles. Do total, 27 estarão localizadas em países em desenvolvimento, onde apenas Tóquio será a grande cidade do mundo rico.
Enquanto boa parte das metrópoles do hemisfério Sul continuará a conhecer taxas explosivas de crescimento demográfico, dissociadas do necessário progresso material, aquelas que concentram as funções de direção, comando e coordenação dos fluxos econômicos mundiais encolherão relativamente de tamanho. Teremos então, duas condições urbanas:
- a gerada pela vertiginosa concentração populacional em grandes cidades nos países no processo de "desruralização" induzido pela incorporação do campo à expansão das fronteiras mundiais do espaço de circulação do capital,
- e a condição urbana decorrente da concentração do capital, do poder e dos recursos de bem-estar social.
Ao mesmo tempo, apesar do crescimento das assimetrias, as metrópoles aumentaram seu papel indutor do desenvolvimento econômico nacional, como já mostraram trabalhos clássicos, como de j.Jacobs (1969) e pesquisas sobre a relação entre globalização e as metrópoles (Veltz, 1996; 2002). Para que as metrópoles sejam, porém, mais que mera plataforma de atração de capitais, mas, ao contrário, constituam-se em territórios capazes de re-territorializar a economia, e de impedir o aprofundamento da disjunção entre Estado e nação, é necessário que contenham os elementos requeridos pela nova economia de aglomeração da fase pós-fordista, entre os quais se destacam os relacionados aos meios sociais germinadores da inovação, da confiança e da coesão social.
Apesar de seus desequilíbrios, o nosso sitema urbano constitui importante ativo para o desenvolvimento nacional. Ele é composto de 37 grandes aglomerados urbanos, onde reside aproximadamente 45% da população (76 milhões de indivíduos) e se concentra 61% da renda nacional. Temos 15 metrópoles, i.é., aglomerados que apresentam características próprias das novas funções de coordenação, comando e direção das grandes cidades na "economia em rede": concentração populacional, capacidade de centralidade, grau de inserção na economia de serviços produtivos e poder de direção medido pela localização das sedes das 500 maiores empresas do país, pelo volume total das operações bancárias/financeiras e pela massa de rendimento mensal.
Os 15 espaços considerados metropolitanos têm enorme importância na concentração das forças produtivas nacionais. Eles centralizam 62% da capacidade tecnológica do país, medida pelo número de patentes, artigos científicos, população com mais de 12 anos de estudos e valor bruto da trnsformação industrial (VTI) das empresas que inovam em produtos e processos.
Nestas 15 metrópoles está concentrado também 55% do valor de transformação industrial das empresas que exportam. Temos, portanto, um sistema urbano que pode ser considerado importante ativo par aum projeto de desenvolvimento nacional, diante das novas tendências de transformação do capitalismo.
Ao mesmo tempo, nelas estão concentrados também os grandes desafios a ser enfrentados, na forma de passivos resultantes de um modelo de urbanização organizado essencialmente pela combinação entre as forças de mercado e um Estado historicamente permissivo com todas as formas de apropriação privatistas das cidades.
Não se trata de constatar e procurar entender a ausência do planejamento governamental no intenso e acelerado processo de urbanização, que transferiu para a cidade 8 milhões de indivíduos na década de 1950, 14 milhões na de 1960 e 17 milhões na de 1970. A omissão planejadora do Estado decorreu da utilização da cidade como uma espécie de fronteira amortizadora dos conflitos sociais inerentes ao capitalismo concentrador e excludente que aqui se implantou.
Por esse motivo, as metrópoles estão hoje despreparadas material, social e institucionalmente par ao crescimento econômico baseado na dinâmica da inovação, na economia do conhecimento e na eficiência que mobilizam não apenas a lógica do mercado, mas também os efeitos positivos da coesão social. Nelas está conformado um conjunto de passivos cujo enfrentamento é imperativo para que forças produtivas consteladas na complexidade de nossa rede urbana possam alavancar o desenvolvimento nacional.
Examinaremos três dimensões desses passivos. Tomemos, em primeiro lugar as consequências dessa "política urbana perversa" sobre a mobilidade espacial. Inexistem sistemas públicos e coletivos de transportes urbanos nas metrópoles capazes de estruturar o uso e a ocupação do espaço e, ao mesmo tempo, se contrapor à submissão ao transporte individual e privado, hoje gerador de enormes "deseconomias" urbanas. (diria mais: desinteligência governamental - aparte meu)
Os últimos números sobre São Paulo são impressionantes: em 3 de abril de 2008, o índice de congestionamento atingiu a marca de 229 quilômetros. Mas, como era de se esperar, as consequências dessa irracionalidade não atingem igualmente a todos.
- A "São Paulo dos negócios" paira acima do inferno do trânsito, movimentando-se coma utilização da segunda maior frota particular de helicópteros do mundo - com cerca de 500 aparelhos.
Enquanto os "players do mercado" circulam pelo ar, os trabalhadores enfrentam as consequências desse modelo de urbanização, buscando formas de estar próximos aos espaços onde se concentram os empregos e a renda.
A pressão pela ocupação das áreas centrais resulta da combinação das transformações do mercado de trabalho ocorridas nos anos 1980 e 1990 - cujo principal traço é o crescimento da ocupação informal, transitória ou precária, especialmente no setor de serviços, e, sobretudo, nos serviços pessoais e domésticos - com a reconhecida crise da mobilidade urbana e o colapso das formas de provisão de moradia.
Como a riqueza continua concentrada nos municípios polos, pode-se concluir que uma das principais características da dinâmica socioterritorial nas metrópoles é o conflito na ocupação e uso do solo urbano.
As duas outras expressões desse conflito são, de um lado, a imobilidade de parte da população trabalhadora e, de outro, a reprodução da precariedade do hábitat urbano. Nos últimos nove anos, nas principais metrópoles, nada menos que 26% dos brasileiros que hoje vegetam com renda familiar abaixo de 500 reais trocaram o ônibus pelo par de tênis. Outros 13%, pela bicicleta. Estudos têm estimado que, se os trabalhadores das regiões metropolitanas utilizassem de maneira produtiva o tempo gasto em transporte, tal fato acarretaria, em um ano, no aumento de cerca de 55 bilhões de reais renda do trabalho (em valores de março de 2004).
*Luiz César queiroz Ribeiro é professor-titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Pesquisador IA do CNPq e coordenador do Observatório das Metrópoles/Instituto do Milênio-CNPq. (www.observatoriodasmetropoles.net)
Fonte: Carta Capital - Ed. 577
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