Literatura: Caim e o adeus de Saramago

Do Caderno de Saramago

Caim - O novo romance de José Saramago



"Se Deus não existisse, alguém teria que criá-lo"

(Aristóteles)

Caros amigos,

Saramago escreveu outro livro. O seu título é “Caim”, e Caim é um dos protagonistas principais. Outro é Deus, outro ainda é a humanidade nas suas diferentes expressões. Neste livro, tal como nos anteriores, “O Evangelho segundo Jesus Cristo”, por exemplo, o autor não recua diante de nada nem procura subterfúgios no momento de abordar o que, durante milénios, em todas as culturas e civilizações foi considerado intocável e não nomeável: a divindade e o conjunto de normas e preceitos que os homens estabelecem em torno a essa figura para exigir a si mesmos - ou talvez fosse melhor dizer para exigir a outros - uma fé inquebrantável e absoluta, em que tudo se justifica, desde negar-se a si mesmo até à extenuação, ou morrer oferecido em sacrifício, ou matar em nome de Deus.

Caim não é um tratado de teologia, nem um ensaio, nem um ajuste de contas: é uma ficção em que Saramago põe à prova a sua capacidade narrativa ao contar, no seu peculiar estilo, uma história de que todos conhecemos a música e alguns fragmentos da letra. Pois bem, com a cabeça alta, que é como há que enfrentar o poder, sem medos nem respeitos excessivos, José Saramago escreveu um livro que não nos vai deixar indiferentes, que provocará nos leitores desconcerto e talvez alguma angústia, porém, amigos, a grande literatura está aí para cravar-se em nós como um punhal na barriga, não para nos adormecer como se estivéssemos num opiário e o mundo fosse pura fantasia. Este livro agarra-nos, digo-o porque o li, sacode-nos, faz-nos pensar: aposto que quando o terminardes, quando fizerdes o gesto de o fechar sobre os joelhos, olhareis o infinito, ou cada qual o seu próprio interior, soltareis um uff que vos sairá da alma, e então uma boa reflexão pessoal começará, a que mais tarde se seguirão conversas, discussões, posicionamentos e, em muitos casos, cartas dizendo que essas ideias andavam a pedir forma, que já era hora de que o escritor se pusesse ao trabalho, e graças lhe damos por fazê-lo com tão admiráveis resultados.

Este último romance de José Saramago, que não é muito extenso, nem poderia sê-lo porque necessitaríamos mais fôlego que o que temos para enfrentar-nos a ele, é literatura em estado puro. Dentro de pouco tempo podereis lê-lo em português, castelhano e catalão, e então vereis que não exagero, que não me move nenhum desordenado desejo ao recomendá-lo: faço-o com a mais absoluta subjectividade, porque com subjectividade lemos e vivemos. E falo aos amigos, porque esta carta apenas a eles vai dirigida. Com muita alegria.

Felicidades a todos os leitores: um ano depois de A Viagem do Elefante temos outro Saramago. São três livros em um ano, porque também há que contar com O Caderno, o livro que vamos lendo aqui em cada dia. Não podemos pedir mais, o nosso homem cumpriu, e de que maneira. A idade, amigos, aguça a inteligência e agiliza a capacidade de trabalho. Que sorte a nossa, leitores, de ter quem nos escreva.

Pilar del Río

As imagens utilizadas são de Francisco de Holanda, pintor e humanista português. Mais informação em Instituto Camões. A música do vídeo é Il Terremoto, composição de Joseph Haydn, interpretada por Jordi Savall. Mais informação aqui

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Agencia EFE

José Saramago vuelve a ocuparse de la religión en Caín, su nueva novela, que la editorial Alfaguara publicará previsiblemente a mediados de octubre, en la que redime a su protagonista del asesinato de Abel y señala a Dios "como el autor intelectual al despreciar el sacrificio que Caín le había ofrecido". Caín viajará a la Feria del Libro de Frankfurt el próximo octubre y a finales de ese mes estará en las librerías de Portugal, América Latina y España, donde ver la luz también en catalán. Será en Lisboa, en su presentación mundial, donde el Nobel hable por primera vez de su nuevo libro, pero desde su casa de Lanzarote, donde pasa el verano y ya prepara las maletas para volver a Lisboa, ha explicado a través del correo electrónico que lo que ha querido decir con Caín es que "Dios no es de fiar. ¿Qué diablos de Dios es éste que, para enaltecer a Abel, desprecia a Caín?".

Casi 20 años después de su discutido libro El evangelio según Jesucristo, que fue vetado por el Gobierno portugués para competir por el Premio Europeo de Literatura, el Nobel luso hace un irreverente, irónico y mordaz recorrido por diversos pasajes de la Biblia pero no teme que vuelvan a crucificarle. "Algunos tal vez lo harán -explica Saramago-, pero el espectáculo será menos interesante. El Dios de los cristianos no es ese Jehová. Es más, los católicos no leen el Antiguo Testamento. Si los judíos reaccionan no me sorprenderé. Ya estoy habituado. Pero me resulta difícil comprender cómo el pueblo judío ha hecho del Antiguo Testamento su libro sagrado. Eso es un chorro de absurdos que un hombre solo sería incapaz de inventar. Fueron necesarias generaciones y generaciones para producir ese engendro".

José Saramago no considera este libro su particular y definitivo ajuste de cuentas con Dios -"las cuentas con Dios no son definitivas", dice-, pero sí con los hombres que lo inventaron. "Dios, el demonio, el bien, el mal, todo eso está en nuestra cabeza, no en el cielo o en el infierno, que también inventamos. No nos damos cuenta de que, habiendo inventado a Dios, inmediatamente nos esclavizamos a él", explica el autor. Niega que la cercanía de la muerte, hace ahora un año debido a su enfermedad, le hiciera pensar más en Dios. "Tengo asumido que Dios no existe, por tanto no tuve que llamarlo en la gravísima situación en que me encontraba. Y si lo llamara, si de pronto él apareciera, ¿qué tendría que decirle o pedirle, que me prolongase la vida?".

Y continúa Saramago: "Moriremos cuando tengamos que morir. A mí me salvaron los médicos, me salvó Pilar (su esposa y traductora), me salvó el excelente corazón que tengo, a pesar de la edad. Lo demás es literatura, y de la peor". Hace un año, el escritor sorprendió a sus lectores por la ironía y el humor que destilan las páginas de El viaje del elefante (Alfaguara) y que ahora vuelve a con Caín. Para él es un misterio. Y reflexiona: "No fue deliberado ni premeditado, la ironía y el humor aparecen en las primeras líneas de ambos libros. Podía haberlo contrariado e imprimirle un tono solemne a la narrativa, pero lo que está me vino ofrecido en una bandeja de plata, sería una estupidez rechazarlo".

El escritor empezó a pensar en Caín hace muchos años, pero se puso a escribirlo en diciembre de 2008 y lo terminó en menos de cuatro meses. "Estaba en una especie de trance. Nunca me había sucedido, por lo menos con esta intensidad, con esta fuerza", rememora. Saramago, que una vez escribió que "somos cuentos de cuentos contando cuentos, nada" y así sigue viéndose, escribe más y más rápido que nunca (tres libros en un año), quizás como la mejor manera de seguir vivo. "Es verdad. Tal vez la analogía perfecta sea la de la vela que lanza una llama más alta en el momento en que va a apagarse. De todos modos, no se preocupen, no pienso apagarme tan pronto", sentencia. En su blog (blog.josesaramago.org ) aparece hoy el anuncio de la nueva novela, una suerte de tráiler del libro y una carta de la presidenta de la Fundación Saramago, Pilar del Río, en la que anuncia a los lectores del Nobel que este Caín no les dejará indiferentes.

Lusa

O novo romance de José Saramago chama-se "Caim" e tem como personagens principais aquela figura bíblica, Deus e a Humanidade "nas suas diferentes expressões", segundo a descrição de Pilar del Río no blogue do Nobel da Literatura.

"Saramago escreveu outro livro", anuncia a mulher do escritor e presidente da Fundação José Saramago num texto colocado no blogue "O Caderno de Saramago", recordando que surge um ano depois do lançamento do anterior, "A Viagem do Elefante". A nova obra literária "não é um tratado de teologia, nem um ensaio, nem um ajuste de contas: é uma ficção em que Saramago põe à prova a sua capacidade narrativa ao contar, no seu peculiar estilo, uma história de que todos conhecemos a música e alguns fragmentos da letra", descreve Pilar del Río.

Assinala ainda que em "Caim", tal como nos anteriores livros - e dá o exemplo de "O Evangelho segundo Jesus Cristo" - "o autor não recua diante de nada nem procura subterfúgios no momento de abordar o que, durante milénios, em todas as culturas e civilizações foi considerado intocável e não nomeável". Esse objecto de análise no romance é "a divindade e o conjunto de normas e preceitos que os homens estabelecem em torno a essa figura para exigir a si mesmos - ou talvez seria melhor dizer para exigir a outros - uma fé inquebrantável e absoluta, em que tudo se justifica, desde negar-se a si mesmo até à extenuação, ou morrer oferecido em sacrifício, ou matar em nome de Deus", aponta.

Em 1991, "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" causou acesa polémica em Portugal, e viria a ser vetado pelo governo à época para concorrer ao Prémio Europeu de Literatura, iniciativa que pesou na decisão do escritor para abandonar o país e passar a residir em Lanzarote, Espanha.

Pilar del Río sublinha ainda no blogue: "Com a cabeça alta, que é como há que enfrentar o poder, sem medos nem respeitos excessivos, José Saramago escreveu um livro que não nos vai deixar indiferentes, que provocará nos leitores desconcerto e talvez alguma angústia, porém, amigos, a grande literatura está aí para cravar-se em nós como um punhal na barriga, não para nos adormecer como se estivéssemos num opiário e o mundo fosse pura fantasia".

"Este livro agarra-nos, digo-o porque o li, sacode-nos, faz-nos pensar: aposto que quando o terminardes, quando fizerdes o gesto de o fechar sobre os joelhos, olhareis o infinito, ou cada qual o seu próprio interior, soltareis um uff que vos sairá da alma, e então uma boa reflexão pessoal começará, a que mais tarde se seguirão conversas, discussões, posicionamentos", escreve ainda a presidente da Fundação Saramago no texto. Quase a concluir, Pilar del Río classifica o romance de José Saramago, 86 anos, como "literatura em estado puro".

Filho primogénito de Adão e Eva segundo o Antigo Testamento da Bíblia, Caim sentiu ciúmes por Deus ter preferido as ofertas feitas pelo irmão mais novo, Abel, e matou-o, cometendo o primeiro homicídio na história da Humanidade.

"Caim" vai ser lançado em Outubro pela Editorial Caminho na Feira do Livro de Frankfurt e no final do mês estará à venda nas livrarias em Portugal, Espanha e América Latina.

RTP

Público

Despedida

Agosto 31, 2009 por José Saramago

Diz o refrão que não há bem que sempre dure nem mal que ature, o que vem assentar como uma luva no trabalho de escrita que acaba aqui e em quem o fez.

Algo de bom se encontrará neste textos, e por eles, sem vaidade, me felicito, algo de mal terei feito noutros e por esse defeito me desculpo, mas só por não tê-los feito melhor, que diferentes, com perdão, não poderiam eles ser.

Às despedidas sempre conveio que fossem breves. Não é isto uma ária de ópera para lhe meter agora um interminável adio, adio. Adeus, portanto. Até outro dia? Sinceramente, não creio.

Comecei outro livro e quero dedicar-lhe todo o meu tempo. Já se verá porquê, se tudo correr bem. Entretanto, terão aí o “Caim”.

P. S – Pensando melhor, não há que ser tão radical. Se alguma vez sentir necessidade de comentar ou opinar sobre algo, virei bater à porta do Caderno, que é o lugar onde mais a gosto poderei expressar-me.

Publicado em O Caderno de Saramago

Comentários: O Clipping do Tato pretendia comentar essa inestimável perda para o mundo virtual, mas prefere regozijar-se das razões que levaram o maior escritor da língua portuguesa (em vida) a abandonar o seu blog, a exemplo de outro - o ímpar Jornalista Mino Carta, guardadas as devidas proporções -, a criação de uma nova obra.

Porquanto endosso outro comentário em deferência pelo, não menos importante, jurista Walter Maierovitch (idem em resguardo de proporções):

"O blogueiro-notável contava com a ajuda da mulher, Pilar del Rio, e os “posts” eram em português e espanhol.

A idéia de um blog começou quando Saramago adoeceu e suspendeu as viagens. À época, ele estava com 85 anos e, além de literatura e memórias, começou a fazer contundentes críticas políticas.

Para consolar o amigo português, disse-lhe algo do tipo “todos nós perdemos” e de estar Saramago envolvido no lançamento do seu novo livro, intitulado “Caim”.

O referido amigo português — que por ter vivido dez anos no Brasil não esquece de alertar que se chama Manuel José e não Manuel Joaquim — acha que Saramago ainda tem muita vitalidade e não deveria parar com o blog.

Na verdade, Saramago completará 87 anos em novembro próximo. Para o amigo Manuel José, o problema é que o blog “escraviza”, pois, onde quer que a pessoa esteja, fica sob pressão de produzir textos com atualidade e farta informação de qualidade.

Saramago usou de ironia ao colocar na tela, com o título de “Despedida”, o último post. Em entrevistas aos jornais portugueses disse que se despedia com tristeza, mas que tinha que colocar todas as suas energias no novo romance em elaboração e que ainda não escolhera o título.

Sobre o “Adeus”, o mestre já havia ensinado: - “Os adeus nunca devem ser longos”.

O blog de Saramago — que completou o primeiro aniversário em 31 de agosto — teve grande sucesso. A produção já foi recolhida e reunida em livro, que estará em breve nas livrarias: a edição brasileira já está pronta (confira a imagem acima).

Para se ter idéia, o blog de Saramago estava entre os dez de maior acesso na Europa.

A respeito dos textos compilados, vários contratos comerciais já foram celebrados.

Como Saramago esculhambou muitas vezes o desfrutável Silvio Berlusconi, a publicação italiana dos textos do O Caderno não sairá nem pela Mondadori, nem pela Einaudi, pois essas duas grandes e famosas editoras pertencem ao premier italiano: a segunda delas é administrada por sua filha. A “casa editrice” Bollati Boringhieri vai publicar o livro com todos os textos de O Caderno, em italiano.

PANO RÁPIDO. Como 'os adeus nunca devem ser longos', espera-se uma volta de Saramago e até que se empolgue com o twitter. A respeito de 'os adeus não longos', acho que a minha sogra segue à risca as máximas do Saramago. Para o feriado de 7 de setembro, j á avisou estar de malas prontas."

–Wálter Fanganiello Maierovitch—

Em tempo ...

Cumpre-me oportuno o questionamento (racional) de Saramago a respeito da criação de Deus pelo homem.

Nada de novo dentro das limitações da racionalidade, nas quais outros cientistas, filósofos, epistemólogos, mitólogos já exploraram à exaustão. Destaque-se, como exemplo, um dos mais antigos:

Aristóteles

"A quem é atribuída a invenção do termo Psicologia. O filósofo teria escrito um livro chamado 'Sobre As Almas' (leitura recomendável, aparte meu) no qual apresenta a Psicologia como um ramo da Filosofia dedicado ao estudo da psique, bem como toda uma rica teoria sobre as motivações e emoções humanas.

Por psique Aristóteles entendia
o princípio espiritual enquanto algo que interage com o corpo. A Consciência Infinita, que é Deus, tinha uma pequena porção diferenciada, separada, formando uma larva. No momento que essa larva adentra um corpo / casulocrisálida. O momento da morte seria quando a crisálida finalmente cumpriu seu papel, nascendo assim a borboleta. nascia um ser humano, que podia ser visto como uma.

O papel do psicólogo, para Aristóteles, era o estudo do ciclo de vida material do homem, enquanto ser corpo-alma. Ou seja, o estudo da maturação da crisálida rumo à borboleta.

OBS: A própria palavra psique é derivada de um termo que em grego significa borboleta. Ou seja, Psicologia pode ser entendida como 'o estudo (da formação) das borboletas'. (sic!)

Para Aristóteles o período anterior ao nascimento e depois da morte não eram da alçada da Psicologia. Em outras palavras, o filósofo parecia aceitar o dualismo platônico corpo-alma, mas assim como Watson e seu Behaviorismo Metodológico ele parece dizer: 'Só me interessa estudar o material e observável. Vou deixar a parte metafísica de lado".

Com Aristóteles a Psicologia nasce (semi-)materialista, pois só se preocupa com fenômenos relativos ao mundo sensorial (por exemplo, as emoções). Porém ao mesmo tempo a Psicologia já nasce mentalista: acredita que somos determinados por forças metafísicas interiores.

Outro ponto importante: a visão aristotélica é teleológica. Ou seja, o final do desenvolvimento humano (a borboleta espiritual) já é conhecido desde o momento de seu nascimento. 'É próprio do homem agir assim, porque ele está destinado a isso dada sua essência'.

Mais tarde veremos como a visão aristotélica até hoje permanece firme e forte na Psicologia, determinando uma visão mentalista/metafísica e teleológica", assim conclui um desprezível e sonso psicólogo de botequim. Ao que devo acrescentar, em qualidades não tão notáveis: Equivocada percepção, deve-se admitir, pois a ater-se com fidelidade canina ao conceito constataríamos que Psicologia, enquanto ciência, é absoluta e inexerovalmente duvidosa.

Explico-me:

1 - Psicologia deve ser aceita como a ciência que estuda o comportamento humano. e tão somente.

2 - Psiquê está noutro campo de estudo, faca adentro no miolo do raciocínio, sobretudo na Psicanálise (trata da raíz) e na psiquiatria (trata dos sintomas), pois que é impossível à observação humana - mesmo com todas as inovações tecnológicas - mensurar a alma, senão resignar-se em observar e mensurar aspectos do comportamento, seja animal (etologia) seja humano (psicologia).

3 - Do contrário, e a não ser que se pretenda transformar a Psicologia - a comportamentalista, denominada behoviarista -, uma religião e elevar Pavlov e Skinner à condição de deuses.

Finalizando, perdoem-me meus caros amigos navegantes (imaginários segundo gilmar dantas - segundo noblat-blá-blá), se me alonguei em demasiada prolixidade.

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