Economia: Determinantes do spread bancário - teoria e evidência

Economia Aplicada

ARTIGOS

Determinantes macroeconômicos do spread bancário no Brasil: teoria e evidência recente



ABSTRACT

Due to the successful implementation of the price stabilization programme (Real Plan), the greater international financial integration and, more recently, the adoption of a floating exchange rate regime, it was expected in Brazil a sharp decline of the banking interest spreads converging to the international levels. However, such a reduction did not materialized. Indeed, one of the main factors to why the ratio total credit over GDP is still low in Brazil is the very high loan interest rates. The paper aims to at analyze the macroeconomic determinants of banking spread in Brazil. For this purpose, we make use of a multiple regression analysis with the objective to find what macroeconomic variables are determining, directly or indirectly, the banking spread in the period 1994-2003. The results show that the high volatility of the short-term interest rate (Selic) and its level are the main macroeconomic determinants of the banking spread in Brazil.

Key words: banking spread, Brazilian banking sector, Brazilian economy.
JEL classification: E43, E44, E51.


No Brasil, em razão do sucesso de processo de estabilização de preços, da maior abertura e integração ao mercado financeiro internacional e, mais recentemente, da adoção de um regime de taxa de câmbio flutuante, esperava-se que os spreads bancários – a diferença entre a taxa de juros cobrada aos tomadores de crédito e a taxa de juros paga aos depositantes pelos bancos – iria, em algum grau, convergir para os níveis internacionais. Há, contudo, um certo desapontamento com relação aos resultados alcançados. Apesar da queda da taxa de juros que ocorreu a partir de meados de 1999, o spread bancário no Brasil ainda se mantém em patamares elevadíssimos em termos internacionais, situando-se ao redor de 40% nos últimos anos.

  • De fato, um dos principais fatores que impedem o crescimento do crédito no Brasil – cuja relação crédito/PIB tem caído de forma acentuada de 1994 aos dias de hoje – são as elevadíssimas taxas de juros dos empréstimos que têm sido praticadas no País, que explica, ao menos em parte, a alta rentabilidade dos grandes bancos varejistas. Por sua vez, o baixo nível de crédito no Brasil é um dos fatores que têm contribuído para que a economia cresça abaixo de seu potencial.

Embora já existam alguns estudos acadêmicos sobre a determinação do spread no Brasil, a explicação sobre o nível do elevado spread bancário no País ainda é uma questão em aberto. Alguns estudos procuraram aferir se o spread bancário elevado estaria relacionado à baixa concorrência existente no setor, mas os resultados estão longe de ser conclusivos. Por outro lado, tem sido bastante veiculado – por exemplo, pela Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN) – que os altos spreads resultam fundamentalmente do crowding out do governo no mercado de títulos, em razão de sua elevada dívida, dos níveis elevados do compulsório sobre os depósitos dos bancos, da tributação excessiva sobre as operações de crédito e ainda do elevado volume de créditos direcionados, tudo isto fazendo com que os bancos tenham menos recursos para emprestar e a um custo artificialmente mais alto.

Um estudo no Brasil – que passou despercebido na discussão brasileira –, realizado por Afanasieff et al. (2002), fugiu à regra. Os autores, utilizando a abordagem de dois passos de Ho e Saunders (1981), ao investigar se os fatores macro e microeconômicos são relevantes para explicar o comportamento do spread no País, sugerem, a partir dos resultados obtidos, que variáveis macroeconômicas – como a taxa básica de juros e o crescimento do produto – são os fatores mais relevantes para explicar tal comportamento. Esse resultado, contudo, não é surpreendente, considerando que outros estudos internacionais apresentam evidências de que a incerteza do ambiente econômico que envolve os bancos parece ser uma importante causa dos spreads bancários. (Saunders e Schumacher, 2000; Brock e Suarez, 2000). No caso do Brasil, dada a instabilidade macroeconômica que tem caracterizado a economia desde o início dos anos 1980, é de se esperar que os fatores macroeconômicos tenham uma importância fundamental na determinação do spread.

O presente artigo tem por objetivo aprofundar a discussão sobre a determinação do spread bancário no Brasil, procurando, em particular, aprofundar a análise dos determinantes macroeconômicos do spread no período recente. Para tanto, o artigo está estruturado em 6 seções, além desta introdução. Na seção 2 é realizada uma revisão da literatura sobre os determinantes do spread , enquanto que a seção 3 avalia brevemente alguns estudos de caso. A seção 4, por sua vez, efetua uma análise da evolução e dos determinantes do spread bancário no Brasil. Já na seção 5 realiza-se uma análise de regressão múltipla com o intuito de identificar as variáveis macroeconômicas que podem estar influenciando direta ou indiretamente o spread no País no período 1994/2003. A seção 6 – a título de conclusão – sumaria os principais resultados encontrados no artigo.

OS DETERMINANTES DO SPREAD BANCÁRIO: UMA REVISÃO DA LITERATURA CONVENCIONAL

A literatura teórica convencional sobre os determinantes do spread bancário tem se desenvolvido em torno de duas principais abordagens:

Na primeira abordagem ("modelos de monopólio"), cujo trabalho seminal é Klein (1971), o banco é visto como uma firma cuja principal atividade é a produção de serviços de depósitos e de empréstimos por intermédio do emprego de uma tecnologia de produção de serviços bancários, representada por uma função custo do tipo C(D,L). A atividade da firma bancária se desenvolve, via de regra, num ambiente de mercado que é caracterizado pela presença de concorrência monopolista ou imperfeita, tanto no mercado de crédito como no mercado de depósitos. Isto significa que o banco tem poder de monopólio na fixação da taxa de juros em pelo menos um dos mercados em que opera, normalmente o mercado de crédito, comportando-se como um formador de preços (price setter). Este poder de monopólio explicaria a escala de operação e as estruturas ativa e passiva do banco, levando em conta que as decisões de um banco individual seriam capazes de afetar as taxas que remuneram os componentes do passivo, assim como aqueles integrantes do ativo bancário. Portanto, o spread bancário reflete fundamentalmente – nesta abordagem – o "grau de monopólio" do banco, ou seja, a sua capacidade de cobrar um preço maior do que o custo marginal de produção dos serviços por ele oferecidos.

(...)

Supondo que o banco é neutro ao risco e que o seu comportamento é pautado pela maximização de lucros, pode-se demonstrar que a margem ótima de intermediação nos empréstimos e nos depósitos é dada por equações as quais estabelecem que a firma bancária, atuando em condições de concorrência monopolista, fixa os preços de seus serviços de empréstimos e de depósitos de modo a que os índices de Lerner sejam iguais ao inverso da elasticidade-juros das funções de demanda de empréstimos e de oferta de depósitos.

  • Daqui se segue que quanto menos sensíveis forem as funções de demanda de empréstimos e de oferta de depósitos a variações da taxa de juros, maior será a margem de intermediação dos bancos, tanto nas operações de empréstimos como na captação de depósitos e, portanto, maior o spread bancário.

Uma implicação importante dessa abordagem é que a eliminação das restrições governamentais referentes à área geográfica de atuação dos bancos pode contribuir para a redução do spread bancário. Isto porque a presença de vários bancos numa mesma região atua no sentido de aumentar o grau de substituibilidade entre os serviços de depósitos oferecidos pelos bancos. Dessa forma, a elasticidade-juros da oferta de depósitos deve aumentar, forçando os bancos a elevar a taxa de juros para a captação de depósitos (cf. Klein, 1971, p. 217). Um resultado semelhante poderia, em princípio, ser obtido por intermédio da eliminação das barreiras legais para a atuação de bancos estrangeiros num dado país. (O Brasil provou, na prática, que tal suposição não se aplica)

Se a estrutura de mercado for do tipo oligopolista, quer na concessão de empréstimos como na captação de recursos, então a margem ótima de intermediação, em base das equações, podemos constatar que a margem de intermediação do banco nas operações de empréstimo e de captação de depósitos é uma função crescente do market share do banco.

  • Desta forma, uma redução do número de firmas bancárias em razão, por exemplo, da ocorrência de um processo de fusões e aquisições de bancos, irá resultar num aumento da concentração bancária e, portanto, num aumento das margens de intermediação. Daqui se segue que uma das previsões desse modelo é que o spread bancário é uma função crescente do grau de concentração do setor bancário como um todo.
Na segunda abordagem, cujo trabalho seminal é Ho e Saunders (1981), o banco é visto não como uma firma, mas como um simples intermediário entre o tomador final (as firmas) e o emprestador último (as famílias). Esta atividade de intermediação está, no entanto, sujeita a dois tipos de incerteza. Em primeiro lugar, existe a incerteza gerada pela falta de sincronização entre depósitos e empréstimos. Esta falta de sincronização impõe um risco de taxa de juros para o banco. Para que possamos entender o porquê disto, consideremos que o banco se defronte com uma demanda inesperadamente alta de empréstimos, demanda esta superior ao volume recebido de depósitos e de suas reservas livres. Neste caso, ele se verá obrigado a financiar a demanda excessiva de crédito no mercado interbancário, incorrendo, assim, num risco de refinanciamento caso haja um aumento da taxa de juros (cf. Maudos e Guevara, 2003, p. 4). Por outro lado, se o banco se defrontar com uma oferta inesperadamente alta de depósitos – cuja magnitude seja superior ao volume de empréstimos concedido pelo banco no mesmo período –, ele deverá então aplicar esse excesso de recursos no mercado interbancário. Desta forma, o banco estará incorrendo num risco de reinvestimento caso haja uma redução da taxa de juros. (Ibid, p.4).

Em segundo lugar, a atividade de intermediação expõe o banco à incerteza quanto à taxa de retorno dos empréstimos. Esta incerteza decorre do fato de que uma parte dos empréstimos não será devolvida em razão da inadimplência voluntária ou não dos tomadores. O porcentual de empréstimos em default , contudo, não é uma variável conhecida ex-ante pelo banco, que pode apenas estimar uma probabilidade de default.

Uma característica comum entre as abordagens de Klein e Ho e Saunders é a suposição de que os bancos têm poder de mercado, ou seja, assume-se em ambas as abordagens que os bancos têm liberdade para fixar o nível da taxa de juros cobrada sobre as operações de crédito e a taxa de juros que é paga sobre a captação de depósitos. No entanto, ao contrário da abordagem de Klein, é suposto que o banco é um agente avesso ao risco na abordagem de Ho e Saunders. Em outras palavras, o objetivo do banco não é a maximização do lucro esperado, mas sim a maximização da utilidade esperada do lucro. Neste contexto, demonstra-se que, em base na equação, podemos concluir que os determinantes do spread bancário são:
  • A estrutura competitiva dos mercados: quanto maior a elasticidade-juro da demanda de empréstimos e da oferta de depósitos, menor será o spread ótimo;
  • O custo médio operacional do banco;
  • A volatilidade da taxa de juros dos empréstimos interbancários;
  • O risco de crédito;
  • A covariância entre o risco de crédito e o risco de taxa de juros;
  • O tamanho médio das operações de crédito e de depósitos do banco.

Um aspecto importante da abordagem Ho e Saunders é que ela abre um espaço para a influência de variáveis macroeconômicas na determinação do spread bancário (cf. Saunders e Schumacher, 2000, p. 815). De fato, a volatilidade da taxa de juros cobrada sobre os empréstimos realizados no mercado interbancário é reflexo direto da estabilidade macroeconômica do país. Quanto mais instável for a economia de um dado país – por exemplo, quanto maior for a variabilidade da taxa de inflação e da taxa de câmbio –, maior será a volatilidade resultante da taxa básica de juros e, por conseguinte, maior deverá ser o spread bancário. Nesse contexto, o spread pode ser reduzido por intermédio de políticas macroeconômicas que diminuíssem a volatilidade da taxa básica de juros.

A instabilidade macroeconômica pode afetar o spread bancário por mais dois outros canais. O primeiro deles é o grau de aversão ao risco. Com efeito, a aversão ao risco dos bancos deve, em alguma medida, refletir a própria instabilidade do ambiente de mercado no qual eles operam. Quanto mais instável for esse ambiente, maior deve ser a aversão ao risco dos bancos. Sendo assim, um país que possua um histórico de grande instabilidade macroeconômica deverá possuir bancos que tenham um elevado grau de aversão ao risco.

  • (Isto explica, em boa e exata medida, o interesse do PiG em criar desordem, pânico generalizado e caos na economia brasileira com objetivos claros de desestabilizar a política a partir de manipulação/distorção de informações ao público - comentário meu)
O segundo canal é a covariância entre o risco de taxa de juros e o risco de crédito. Uma elevada volatilidade da taxa básica de juros deve se traduzir, em alguma medida, numa alta variabilidade do nível de produção real. Neste contexto, os lucros das firmas também deverão apresentar uma grande variabilidade, o que aumenta a probabilidade de default nos momentos em que os lucros estiverem abaixo do seu valor esperado.

  • Daqui se segue que a instabilidade macroeconômica se reflete não apenas numa alta volatilidade da taxa de juros, mas também num elevado risco de crédito, ou seja, essa instabilidade gera uma grande covariância entre o retorno dos empréstimos e o retorno das aplicações no mercado interbancário. Com base na equação proposta, observa-se que quanto maior for essa covariância, maior será o spread bancário.

Uma observação final é necessária a respeito da equação. O spread determinado por essa expressão deve ser entendido como o spread bancário puro (cf. Maudos e Guevara, 2003, p.7). Na prática existem outras variáveis que explicam a margem de intermediação dos bancos, mas cuja incorporação a um modelo teórico é difícil, quando não impossível. Essas variáveis estão relacionadas com os aspectos institucionais e regulatórios da atividade bancária.

  • Daqui se segue que a margem efetiva de intermediação bancária é composta por dois elementos, a saber: o spread bancário puro e a margem "suja" de intermediação, explicada por fatores institucionais e regulatórios.
Evolução do spread no período recente

O spread nas operações bancárias é definido como a diferença entre a taxa de aplicação nas operações de empréstimo e a taxa de captação de recursos pelas instituições financeiras.

  • As taxas de juros cobradas no Brasil apresentam-se como as mais elevadas do mundo, segundo dados do FMI.

Na figura 1 constatamos que o spread médio dos empréstimos para pessoas físicas e jurídicas praticados no sistema bancário brasileiro, em 1994, era de cerca de 120%, um valor aproximadamente oito vezes maior do que o país que possuía a segunda maior taxa cobrada, dentre os selecionados.

Passados os primeiros anos de implantação do Plano Real, o spread cobrado pelas instituições financeiras do País continua elevado, cerca de 55% em 1999, embora aqui tenha reduzido a diferença com relação aos demais países.

Em 2003, o spread médio no Brasil foi de 44%, uma taxa aproximadamente três vezes maior se comparada à dos países latino-americanos e dez vezes maior do que a taxa cobrada nos países do leste asiático.

Uma segunda observação importante sobre o comportamento do spread bancário no Brasil é que o mesmo apresentou uma nítida tendência de queda até início do ano 2000. Conforme pode ser visualizado na figura 2, abaixo, o spread médio cobrado pelos bancos brasileiros alcançou um valor máximo de 150% ao ano no início de 1995, em razão das medidas de política monetária fortemente contracionistas implementadas pelo BCB no período após a implementação do Plano Real, reduzindo de forma significativa no decorrer de 1996, em virtude de um relaxamento das medidas de arrocho monetário e uma diminuição da desconfiança dos agentes em relação ao processo de contágio da crise mexicana, até atingir o patamar de aproximadamente 40% ao ano no início de 2000. Cabe ressaltar que ele se manteve nesses patamares – ainda elevadíssimos – desde então, inclusive com uma leve tendência ascendente a partir de meados de 2001.

Analisando a trajetória do spread bancário após o Plano Real, Oliveira (2004, p. 69) resume as características principais desta trajetória:

"1) os spreads bancários caíram desde a implantação do Plano Real, porém ainda permanecem em níveis muito elevados;

2) os recolhimentos compulsórios sobre as operações ativas dos bancos no período logo após o Plano Real foram determinantes para os elevadíssimos níveis alcançados pelos spreads bancários logo após o Plano Real;

3) em geral, os spreads cobrados nas operações com pessoas físicas são bem superiores aos praticados com empresas;

4) as margens cobradas pelos bancos em suas operações de empréstimos são bastantes suscetíveis a mudanças do cenário macroeconômico, sejam elas provenientes de choques externos ou domésticos; e

5) descontada a trajetória do spread antes de outubro de 1999, a queda observada mostra-se bem menos pronunciada, mas ainda assim significativa."

Com o sucesso do Plano Real no que se refere à estabilização de preços, poder-se-ia esperar um aumento substancial dos empréstimos como proporção do PIB, já que baixas taxas de inflação sinalizariam um ambiente macroeconômico mais estável. Contudo, isto não ocorreu.

Na verdade, houve uma redução do crédito como proporção do PIB e constatou-se uma elevada volatilidade das taxas de juros nesse período, devido em grande parte aos impactos das crises financeiras internacionais em contexto de elevada vulnerabilidade externa, constituindo-se em uma fonte de instabilidade econômica. Como já assinalamos, apesar da redução em relação aos níveis de 1994, os spreads bancários permaneceram em níveis elevados nos últimos anos.

Uma primeira hipótese explicativa para o porquê dos elevados spreads praticados no Brasil seria o poder de mercado dos bancos, evidenciado pelo aumento da concentração bancária no período recente. Com efeito, alguns estudos recentes sobre o setor bancário brasileiro – como, por exemplo, Belaisch (2003) – mostram que a estrutura de mercado prevalecente nesse setor é essencialmente não-competitiva.

Nesse contexto, os bancos teriam poucos incentivos para aumentar a sua eficiência operacional, operando com spreads elevados, quer como forma de gerar receita suficiente para cobrir os seus custos elevados, quer como resultado da capacidade de precificar os seus serviços num patamar bastante superior ao custo marginal de produção dos serviços bancários.

Um fator que daria suporte à hipótese de que o problema do spread no Brasil é resultado do poder de mercado dos bancos é a tendência recente de aumento da concentração do setor bancário. Com efeito, no período 1988-2003 o market share dos 15 maiores bancos privados no ativo total do sistema bancário aumentou de cerca de 29%, em junho de 1988, para aproximadamente 47%, em janeiro de 2003 (cf. figura 3).

Uma das características mais marcantes de um sistema bancário é a presença de assimetria de informações. Um banco tem mais informação sobre as características de seus clientes do que seus concorrentes, e devido a problemas de seleção adversa torna-se muito difícil atrair clientes de boa qualidade (bons pagadores) sem que os benefícios e ofertas concedidos também atraiam clientes de baixa qualidade. A existência de custos de informação e de transferência – tanto pelos bancos, que precisam conhecer melhor seus clientes, como pelos clientes, que devem demonstrar suas qualidades para obter benefícios em outros bancos – possibilitariam aos bancos a prática do poder de mercado. Conforme sugere Nakane (2003, p. 66):

"(...) Modalidades de crédito relacionadas com a manutenção de contas bancárias, tais como cheque especial para pessoas físicas e conta garantida para pessoas jurídicas são tipicamente situações em que os clientes estão presos (locked in) a suas instituições bancárias, pela dificuldade de transferir a instituições competidoras seu histórico cadastral e reputação. Como resultado de elevados custos de transferência, as taxas de juros nestas modalidades são sensivelmente mais elevadas que em modalidades representando substitutos próximos [crédito pessoal e financiamento de capital de giro]."

Se a hipótese de poder de mercado dos bancos estiver correta, então os índices de concentração teriam que ter impacto sobre as taxas de empréstimo cobradas pelos bancos, resultando em elevados índices de rentabilidade.

  • De fato, pelo menos no segmento varejista privado do setor bancário, as evidências poderiam sugerir que esse seria o caso, considerando que a rentabilidade média dos 3 maiores bancos privados brasileiros – Bradesco, Itaú e Unibanco – foi de 17,3% no período 1994/2001, bem superior à média de 11,8% de 3 grandes empresas não financeiras nacionais – Petrobrás, Votorantim e CVRD. (Málaga et al. , 2003, p. 12).

A literatura brasileira que trata dos determinantes do spread bancário não tem sido conclusiva a respeito do assunto. Os estudos realizados apresentam evidências de que a estrutura de mercado do setor bancário brasileira é imperfeita, mas não caracterizando a existência de cartel (e a FENABAN seria o quê, senão um cartel? comentário meu).

Com efeito, a revisão da literatura empírica, referente ao caso brasileiro, feita por Nakane (2003), aponta para as seguintes conclusões:

(i) a concentração do setor bancário brasileiro, medida pelo índice de Herfindahl, não é elevada em comparação com a prevalecente em outros países;

ii) os índices de concentração de mercado não têm um impacto estatisticamente significativo sobre as taxas de juros cobradas pelos bancos;

iii) a estrutura de mercado do setor bancário não é representada por nenhuma das estruturas de mercado extremas (concorrência perfeita e cartel) e, portanto, se caracteriza como uma estrutura imperfeita. (questionável, em se tratando do mercado brasileiro, comentário meu)

Estudos empíricos sobre spread bancário no Brasil

Um dos estudos pioneiros sobre os determinantes do spread bancário no Brasil foi feito por Aronovich (1994). Este autor verificou, por meio de uma regressão por mínimos quadrados em dois estágios, os efeitos da inflação e do nível de atividade sobre o spread para a economia brasileira entre o primeiro trimestre de 1986 e o quarto trimestre de 1992. Os resultados encontrados indicam que a inflação tende a ampliar a diferença entre as taxas de juros de empréstimo e de captação, ou seja, o spread . O autor sugere como causas desse fenômeno a possibilidade de uma redistribuição entre as operações do ativo, ou ainda a incorporação ao mark up do prêmio de risco envolvido no crédito. Neste sentido, a inflação teria um efeito negativo sobre o nível de atividade ao induzir um aumento das taxas de juros para empréstimos bancários. Por outro lado, os testes estatísticos sugerem que um aumento da utilização de capacidade produtiva reduziria o spread , indicando assim um efeito pró-cíclico.

Em um outro estudo realizado por Afanasieff et al. (2002) foram identificados dois fatos estilizados sobre o comportamento dos spreads após o Plano Real, a saber: (a) a queda pronunciada das taxas de juros após 1995; (b) uma dispersão elevada e persistente entre as taxas de empréstimos praticadas pelos bancos. Estes fatos justificaram a utilização da metodologia primeiramente empregada por Ho e Saunders (1981) para a determinação dos spreads bancários. Em um primeiro passo, utilizou-se um painel de dados para 142 bancos comerciais entre fevereiro de 1997 e novembro de 2000, de forma a captar a influência individual (por banco) de variáveis microeconômicas sobre o spread, ou seja, aquelas relacionadas às características específicas dos bancos. A partir desse painel, foi possível obter uma estimativa do spread puro (ver seções 2 e 3 do presente artigo). Numa segunda etapa, estimou-se, por meio de um modelo estrutural, a influência de longo prazo de variáveis macroeconômicas (taxa de juros de mercado, uma medida de prêmio de risco: spread do C-bond sobre um título do Tesouro dos EUA com a mesma maturidade, taxa de inflação, taxa de crescimento do produto, depósito compulsório sobre depósitos a vista e taxa de imposto financeiro – i.e., IOF, PIS-COFINS e CPMF) sobre o spread puro calculado anteriormente.

Os resultados das regressões no primeiro passo mostram que as seguintes variáveis apresentam significância estatística: razão entre os depósitos que não rendem juros e os ativos totais, custos operacionais, razão entre receita de serviços e receitas operacionais totais – tendo todas essas variáveis um efeito positivo sobre spread bancário –, além de uma dummy para os bancos estrangeiros, cujo resultado negativo indica que esses bancos cobram spreads menores, em média.

Os coeficientes estimados no segundo passo foram significativos, sugerindo a relevância dos aspectos macroeconômicos como principais determinantes dos spreads no Brasil. Os resultados da regressão sugerem que o spread tende a aumentar com a elevação da taxa básica de juros, do prêmio de risco, do crescimento do produto e dos impostos. Ao contrário do esperado, a taxa de inflação afeta negativamente o spread , possivelmente devido a fato de que inflação possa estar capturando o efeito da apropriação da senhoriagem do banco sobre o spread.

Um outro estudo importante sobre os determinantes do spread bancário no Brasil tem sido conduzido pelo Banco Central no contexto do projeto "Juros e spread bancário". Nesse estudo, publicado na forma de relatórios anuais a partir de 1999, é feita uma decomposição contábil do spread, além de outros estudos econométricos sobre os determinantes do spread no Brasil. O spread bancário no Brasil é decomposto a partir das margens cobradas pelos bancos contemplados em uma amostra referida em suas operações de créditos livres contratadas apenas sob taxas de juros prefixadas. São considerados os seguintes componentes: (a) resíduo, que corresponde, grosso modo, à margem líquida do banco; (b) cunha tributária, que inclui impostos diretos (IR e CSLL) e impostos indiretos (PIS, COFINS e IOF); (c) Fundo Garantidor de Crédito (FGC); (d) custo administrativo; e (e) inadimplência (despesas de provisão).

(...)

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos dos exercícios econométricos realizados na seção 5 evidenciaram – em consonância com a literatura internacional empírica – que os fatores macroeconômicos são importantes, no Brasil, na explicação da determinação do spread bancário. Em particular, destacam-se: (

i) a elevada volatilidade da taxa de juros que, como vimos, eleva o risco de taxa de juros enfrentado pelo banco e aumenta o seu grau de aversão ao risco; (

ii) o nível da taxa de juros, que serve tanto como piso para as taxas de empréstimos como "custo de oportunidade" para as operações de empréstimos, em razão da indexação à Selic de parte da dívida pública; (

iii) a produção industrial mostrou o efeito poder de mercado prevalecendo sobre o efeito inadimplência, uma vez que uma maior demanda por crédito implicou maiores taxas de empréstimos.

  • De fato, a incerteza no ambiente macroeconômico que envolve os bancos é uma importante causa dos elevados spreads no Brasil. Se isto é verdade, então a adoção de políticas macroeconômicas consistentes que criem condições para um crescimento econômico sustentável e financeiramente estável poderá ter um efeito positivo em reduzir os spreads bancários no Brasil. Sem isto, medidas de natureza microeconômica visando a diminuição do spread poderão se revelar inócuas.

Nas palavras de Saunders e Schumacher (2000, p. 815): "if a significant proportion of bank margins in a given country is determined by interest-rate volatility rather than monopolistic behavior by banks, then public policy attention might be better focused on governments macroeconomic policies as a tool for reducing the cost of intermediation services."

José Luís da Costa Oreiro - Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Diretor do Centro de Pesquisas Econômicas (CEPEC) da UFPR e pesquisador do CNPq.

Luiz Fernando de Paula - Professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador do CNPq.

Guilherme Jonas Costa da Silva - Mestre em Desenvolvimento Econômico da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e doutorando em Economia do CEDEPLAR/UFMG.

Fábio Hideki Ono - Mestre em Desenvolvimento Econômico da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Comentários

A quem não se dá por satisfeito com análises midiáticas simplistas e medíocres como as publicadas por Nassifoo e afins, sugiro a leitura desse artigo, na íntegra, para melhor compreensão dos fundamentos de economia aplicada e não das superficialidades abstracionais de leigos metidos a laicos, em:

Econ. Apl. vol.10 no.4 Ribeirão Preto Oct./Dec. 2006

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