O Caderno de Saramago, o livro do blog
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Caderno de Saramago: o livro do blogue
Há que ver as coisas em que se mete este Saramago: pois não é que nos vem agora, na sua idade, com essa cara de homem sério, duro, de pessoa que não está para brincadeiras, com um blogue diário? Será que este homem não tem cura e necessita estar todo o dia maquinando na sua máquina? Outro livro de Saramago? Mas se ainda há tão pouco tempo apareceu “a Viagem do Elefante”, vamos, há tão pouco que ainda anda por aí, inclusive caminha nesta mesma página, e o faz em diferentes idiomas, embora não pareça ter chegado a Viena, donde creio que o querem meter numa ópera, já veremos…
Ou seja, este Saramago não pára, escreve à velocidade que outros necessitam para ler, de modo que vamos encontrar-nos de novo, escritor e leitores, por agora em Portugal, a partir de 23 de Abril, Dia Mundial do Livro, em Maio em Espanha nas edições em catalão e castelhano, paulatinamente nos países americanos que se expressam em português e espanhol, e, para depois do Verão, primeiro em Itália, a seguir na Inglaterra e nos Estados Unidos, e logo em quantos idiomas ou países forem levantando a mão. Seremos muitos os amigos que nos encontraremos lendo este novo livro, que não é romance, nem obra de teatro, nem poesia, género que o próprio Saramago diz já não cultivar, embora os que o lêem tenham dúvidas, porque poesia, e muita, vemos nas páginas que vamos incorporando à nossa experiência, seja qual for o título que tenhamos nas mãos. Inclusive neste livro, aparentemente jornalístico, livro de crónicas tantas vezes ditadas pelo que se passa no mundo, se encontra poesia, momentos de extraordinária beleza que quase nos sufocam ou nos fazem levantar a vista e respirar, porque não é o mesmo, de verdade não é o mesmo, ler um comentário da noite em que Obama ganhou as eleições nos Estados Unidos escrito por alguém que trata as palavras a pontapé, que tem uma percepção do mundo limitada e talvez demasiados recados que cumprir ou modas que seguir, que ler quem escreveu com o coração emocionado, sem censuras nem impedimentos, com a liberdade conquistada em 86 anos de vida e com a cabeça, e que cabeça, sempre em movimento, adiantando-se vários passos porque ir à frente é um privilégio que alguns têm e certos “alguns” compartilham, graças lhes sejam dadas.
Caderno de Saramago não é um livro de crónicas jornalísticas, é um livro de vida. Aí Saramago conta cada dia o que o motiva, o que o indigna ou o que lhe apetece. Comenta o minuto, mas também recupera uma declaração de amor a Lisboa. Fala dos seus autores preferidos, com humor define as calças sempre impecavelmente vincadas de Carlos Fuentes, mas também o universo turbulento dos turcos de Jorge Amado descobrindo a América. Fala de Obama, sim, mas também de Bush, e do Papa, e de Garzón, e de Pessoa, e de Sigifredo López e Rosa Parks, de tantos lutadores pacíficos que conseguiram mudar o mundo ou o estão tentando, embora haja quem prepare receitas para matar um homem ou para condená-lo à fome, à miséria, a um estádio em que o humano acaba por desaparecer. E Saramago emociona-se com gente, com amigos, com pormenores… São seis meses de vida em que Saramago opta e conta com pinceladas que bem poderiam ser versos, reflexiona na companhia de quem o lê, propõe e não se cansa. Seis meses de cartas inteligentes para leitores inteligentes, sem artifícios e com tudo o que tem para dizer. Porque Saramago não se cala, expõe, entra, derruba montanhas ou aponta com o dedo se nesse dia não pode com a escavadora, ou são necessários mais para manejá-la, então diz que essa encosta é um impedimento, uma rémora, um obstáculo na vida de muita gente e avançamos para a deitar abaixo porque poderemos, se somos muitos. Fala das mulheres, revela-se, indigna-se, emociona-se. E faz até uma declaração de amor a Rita Levi-Montalcini, que este Abril cumpre 100 anos…
Sim, Saramago está numa boa maré e oferece-nos um novo livro. Não serei eu quem o perca. Não mo poderia perdoar nunca. E, a propósito, digo: Se Saramago o escreveu, vamos lê-lo. Ao fim e ao cabo escreve para nós, seus amigos, seus leitores, os que sabemos que somos singulares e donos do nosso pensamento e da nossa expressão. E Saramago é o porta-voz.
Pilar del Río
Fonte: Blog da Fundação José Saramago
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