Europa: Direita, volver!
Carta Capital - Internacional
Por que a Europa é da direita?
"Ao contrário dos EUA, o Velho Mundo age na contramão da lógica depois do fracasso do neoliberalismo.
Espanto: na Itália de Berlusconi não é bem assim"
(Mino Carta - Diretor de Carta Capital)
Espanto: na Itália de Berlusconi não é bem assim"
(Mino Carta - Diretor de Carta Capital)
Editorial - Mino Carta
Pergunta desafiadora: por que a Europa votou à direita nas recentíssimas eleições para o Parlamento da UE quando parecia lógico o caminho oposto depois do fracasso do chamado neoliberalismo, a precipitar a maior crise econômica desde 1929? A queda do Muro de Berlim, há vinte anos, estimulou a crença de que as velhas ideologias estão mortas. A queda do Muro de Wall Street teria de demolir outra crença (outra ideologia, sejamos claros) na irremediável supremacia do mercado. Mais ainda, do dinheiro sem lastro. Em ouro, ou em produção e serviços.
Nos Estados Unidos, a crise levou ao poder Barack Obama, embora com a inestimável colaboração de Bush júnior e sua Guerra do Iraque. Por que na Europa não soou a hora da esquerda reformista? A questão intriga e inquieta. O sociólogo francês Marc Lazar apresenta sua teoria: “Esta crise é diferente de outras. Existe o medo do desemprego e da desigualdade, mas, ao mesmo tempo, a maioria ainda acredita na economia de mercado, além de ter permanecido substancialmente individualista. Acredita poder agir por conta própria, porque a ação coletiva não dá dividendos, não é atraente”.
Lazar é europeu. Sem a pretensão de formular uma hipótese científica, permito-me imaginar que neste enredo possa entrar o entorpecimento das consciências. Os habitantes da Europa do Oeste acostumaram-se, décadas a fio, a viver um estágio de bem-estar extraordinário. Países pobres, ou destroçados pela Segunda Guerra Mundial, conheceram a riqueza. Foi o que bastou para amolecer o espírito de muitos? O coração e a mente.
A ideia de que uma direita populista está mais credenciada para segurar as pontas do que uma esquerda, por mais reformista (ou, talvez, pensam eles, fingida, hipócrita, sempre e sempre revolucionária) é comum nas maiorias de povos entregues ao bem-bom. Nesta moldura, mal se dá até mesmo o premier espanhol Zapatero, o único líder europeu de esquerda realmente reconhecido como tal. Arrisco-me a supor que este gênero de caducidade intelectual figure na receita.
Marc Lazar prontifica-se a apontar a diferença entre esquerda e direita. Aqui mira-se exclusivamente no poder, lá a ideologia ainda desempenha papel crucial. O poder pelo poder une. O debate ideológico divide. Deste ponto de vista, o pleito europeu na Itália traduz uma situação diversa, peculiar, quem sabe habilitada a justificar uma centelha de esperança para quem sonha ver Silvio Berlusconi pelas costas.
Antes do pleito, o premier italiano anunciava uma vitória esmagadora pela qual o seu partido, Povo da Liberdade, conseguiria 45% dos votos. Não foi além de 35. Verdade factual: o PD, partido do centro-esquerda, o maior da oposição, sofreu uma derrota nítida e indiscutível. Outra: mais do que nunca a Itália mostra-se rachada ao meio.
De um lado, a valerem os resultados eleitorais, a direita não alcança a maioria dos sufrágios. Juntamente com a Liga Norte, teve 45% dos votos. Menos do que, somados, aqueles conseguidos pela oposição. Ali confluem, além do PD, a Itália dos Valores de Antonio Di Pietro. Os herdeiros da ala tradicionalista do Partido Democrata Cristão, a UDC. Os radicais e a esquerda moderada, verdes e Esquerda e Liberdade. Enfim, os ultravermelhos. Sim, como sublinha Lazar, a direita está unida, os reformistas não, sem falar dos fanáticos do Apocalipse. Ainda assim, mesmo derrotado, o Partido Democrático confirma sua condição de maior agremiação progressista da Europa Ocidental.
Terá, obviamente, de definir melhor seus programas, oferecer alternativa de governo convincente e encontrar liderança forte e estável. Não é simples, mas já se sabe que, caso no próximo congresso do partido, marcado para outubro, a tendência mais à esquerda levar vantagem em relação à ala no momento no comando, os verdes e a Esquerda da Liberdade aderirão ao PD (6% dos votos), com a certeza do apoio parlamentar dos radicais.
As façanhas dom-juanescas de Berlusconi começam a adquirir um peso maior, e negativo, na avaliação que muitos (infelizmente, lamentavelmente favorável) fazem dele. O último lance remonta à quarta 17, e diz respeito às atividades de uma firma de Bari, especializada em “tecnologias hospitalares”. Teria recebido encomendas suspeitas do governo da região das Apúlias. Consta que os donos da empresa, Technohospital, também cuidam de fornecer efetivo às festas promovidas pelo infatigável Silvio. Ou seja, moçoilas de trato escorreito. Quatro delas já foram ouvidas pelos magistrados que conduzem o inquérito.
Não falta a sensacional entrada em cena de uma destas jovens, disposta a contar à plateia como se dão tais eventos das mil e uma noites. Participou de dois, e do primeiro pela compensação de 2 mil euros. Recebeu apenas mil porque se recusou a pousar no Palácio Grazioli, residência de Berlusconi em Roma. Pousou na vez seguinte. Maiores surpresas não cabem. Vale, porém, uma observação: por que a reportagem-denúncia sobre o caso de Bari e a entrevista da bela falante, em lugar de saírem em jornais mais claramente identificados com a oposição, acharam espaço nas páginas do Corriere della Sera, muito próximo da Confindustria, a confederação empresarial lá deles?
Há boas razões para supor que os grandes empresários italianos encontram dificuldades cada vez maiores para entender-se com Berlusconi, personagem a seu modo trágica inclusive na comicidade, com sua sede obsessiva de poder e eterna juventude. E há razões, igualmente boas, para compreender que Berlusconi já percebe a força e os alcances desta oposição. Não é por acaso que denuncia uma conspiração em pleno andamento para engendrar o golpe destinado a colocar em seu lugar “alguém não eleito”. E quem seria? Quem sabe o governador do Banco da Itália, Mario Draghi, figura respeitável e economista de fama mundial. Recomenda-se recordar que nos anos 90, logo após a Operação Mãos Limpas, a Itália foi governada por personalidades de perfil suprapartidário, chamados a encabeçar gabinetes “técnicos”.
Pergunta final: algo, nestas considerações todas, tem serventia para nós deste lado do mundo? Pouco ou nada, a não ser observações sobre as paixões e as incongruências da natureza humana. Somos uma das nações mais desiguais do mundo, vasto mundo que, por obra da longa quadra neoliberal, globalizou a desigualdade. Falei da Europa do Oeste, espécie de oásis em meio à miséria da maioria, relativa ou absoluta. E se nos chamássemos Raimundo, seria rima em vez de solução.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=9&i=4339
Nos Estados Unidos, a crise levou ao poder Barack Obama, embora com a inestimável colaboração de Bush júnior e sua Guerra do Iraque. Por que na Europa não soou a hora da esquerda reformista? A questão intriga e inquieta. O sociólogo francês Marc Lazar apresenta sua teoria: “Esta crise é diferente de outras. Existe o medo do desemprego e da desigualdade, mas, ao mesmo tempo, a maioria ainda acredita na economia de mercado, além de ter permanecido substancialmente individualista. Acredita poder agir por conta própria, porque a ação coletiva não dá dividendos, não é atraente”.
Lazar é europeu. Sem a pretensão de formular uma hipótese científica, permito-me imaginar que neste enredo possa entrar o entorpecimento das consciências. Os habitantes da Europa do Oeste acostumaram-se, décadas a fio, a viver um estágio de bem-estar extraordinário. Países pobres, ou destroçados pela Segunda Guerra Mundial, conheceram a riqueza. Foi o que bastou para amolecer o espírito de muitos? O coração e a mente.
A ideia de que uma direita populista está mais credenciada para segurar as pontas do que uma esquerda, por mais reformista (ou, talvez, pensam eles, fingida, hipócrita, sempre e sempre revolucionária) é comum nas maiorias de povos entregues ao bem-bom. Nesta moldura, mal se dá até mesmo o premier espanhol Zapatero, o único líder europeu de esquerda realmente reconhecido como tal. Arrisco-me a supor que este gênero de caducidade intelectual figure na receita.
Marc Lazar prontifica-se a apontar a diferença entre esquerda e direita. Aqui mira-se exclusivamente no poder, lá a ideologia ainda desempenha papel crucial. O poder pelo poder une. O debate ideológico divide. Deste ponto de vista, o pleito europeu na Itália traduz uma situação diversa, peculiar, quem sabe habilitada a justificar uma centelha de esperança para quem sonha ver Silvio Berlusconi pelas costas.
Antes do pleito, o premier italiano anunciava uma vitória esmagadora pela qual o seu partido, Povo da Liberdade, conseguiria 45% dos votos. Não foi além de 35. Verdade factual: o PD, partido do centro-esquerda, o maior da oposição, sofreu uma derrota nítida e indiscutível. Outra: mais do que nunca a Itália mostra-se rachada ao meio.
De um lado, a valerem os resultados eleitorais, a direita não alcança a maioria dos sufrágios. Juntamente com a Liga Norte, teve 45% dos votos. Menos do que, somados, aqueles conseguidos pela oposição. Ali confluem, além do PD, a Itália dos Valores de Antonio Di Pietro. Os herdeiros da ala tradicionalista do Partido Democrata Cristão, a UDC. Os radicais e a esquerda moderada, verdes e Esquerda e Liberdade. Enfim, os ultravermelhos. Sim, como sublinha Lazar, a direita está unida, os reformistas não, sem falar dos fanáticos do Apocalipse. Ainda assim, mesmo derrotado, o Partido Democrático confirma sua condição de maior agremiação progressista da Europa Ocidental.
Terá, obviamente, de definir melhor seus programas, oferecer alternativa de governo convincente e encontrar liderança forte e estável. Não é simples, mas já se sabe que, caso no próximo congresso do partido, marcado para outubro, a tendência mais à esquerda levar vantagem em relação à ala no momento no comando, os verdes e a Esquerda da Liberdade aderirão ao PD (6% dos votos), com a certeza do apoio parlamentar dos radicais.
As façanhas dom-juanescas de Berlusconi começam a adquirir um peso maior, e negativo, na avaliação que muitos (infelizmente, lamentavelmente favorável) fazem dele. O último lance remonta à quarta 17, e diz respeito às atividades de uma firma de Bari, especializada em “tecnologias hospitalares”. Teria recebido encomendas suspeitas do governo da região das Apúlias. Consta que os donos da empresa, Technohospital, também cuidam de fornecer efetivo às festas promovidas pelo infatigável Silvio. Ou seja, moçoilas de trato escorreito. Quatro delas já foram ouvidas pelos magistrados que conduzem o inquérito.
Não falta a sensacional entrada em cena de uma destas jovens, disposta a contar à plateia como se dão tais eventos das mil e uma noites. Participou de dois, e do primeiro pela compensação de 2 mil euros. Recebeu apenas mil porque se recusou a pousar no Palácio Grazioli, residência de Berlusconi em Roma. Pousou na vez seguinte. Maiores surpresas não cabem. Vale, porém, uma observação: por que a reportagem-denúncia sobre o caso de Bari e a entrevista da bela falante, em lugar de saírem em jornais mais claramente identificados com a oposição, acharam espaço nas páginas do Corriere della Sera, muito próximo da Confindustria, a confederação empresarial lá deles?
Há boas razões para supor que os grandes empresários italianos encontram dificuldades cada vez maiores para entender-se com Berlusconi, personagem a seu modo trágica inclusive na comicidade, com sua sede obsessiva de poder e eterna juventude. E há razões, igualmente boas, para compreender que Berlusconi já percebe a força e os alcances desta oposição. Não é por acaso que denuncia uma conspiração em pleno andamento para engendrar o golpe destinado a colocar em seu lugar “alguém não eleito”. E quem seria? Quem sabe o governador do Banco da Itália, Mario Draghi, figura respeitável e economista de fama mundial. Recomenda-se recordar que nos anos 90, logo após a Operação Mãos Limpas, a Itália foi governada por personalidades de perfil suprapartidário, chamados a encabeçar gabinetes “técnicos”.
Pergunta final: algo, nestas considerações todas, tem serventia para nós deste lado do mundo? Pouco ou nada, a não ser observações sobre as paixões e as incongruências da natureza humana. Somos uma das nações mais desiguais do mundo, vasto mundo que, por obra da longa quadra neoliberal, globalizou a desigualdade. Falei da Europa do Oeste, espécie de oásis em meio à miséria da maioria, relativa ou absoluta. E se nos chamássemos Raimundo, seria rima em vez de solução.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=9&i=4339
Comentários