Entrevista: Processo de Criação


O fotógrafo mineiro Pedro David teve um projeto aprovado no Salão de Artes Plásticas de Pernambuco. O projeto é para Residência Artística no Estado e será realizado no sertão pernambucano. O nome do projeto é Homem Pedra. Pedro já havia produzido algo quando esteve por aqui na Semana de Fotografia de 2008 e nos mostra algumas fotos.

Site de Pedro David, aqui.

Site do projeto Paisagem Submersa (que Pedro faz parte), aqui.

Outras entrevistas da série Processo de criação, aqui.

OLHA, VÊ Sobre o tema, “Homem Pedra”, gostaria de saber sobre as motivações para desenvolver o tema.

PEDRO DAVID Tenho verdadeira adoração pelo Sertão e seus significados. Não sei precisar a origem, mas tenho pistas: Histórias sobre Lampião que ouvia quando menino; família no interior da Bahia, que também rendia casos marcantes… e principalmente uma época em que meu pai trabalho no norte de Minas Gerais, próximo ao Vale do Jequitinhonha, e voltava de lá com a cabeça a mil, cheio de histórias, presentes, como uma pata de tatu, e um mico estrela que criamos durante um bom tempo no apartamento onde morávamos.

Fagulha feita, o fogo alastrou-se rapidamente, na adolescência procurei uns livros sobre Lampião, que não por acaso me caíram nas mãos… Grande Sertão: Veredas, do Guimarães Rosa e Marcha para o Oeste dos irmãos Vilas Boas também estavam nas estantes, prontos para serem atacados, foram.

Já quando estava me iniciando na fotografia, surgiu uma oportunidade de ir para o Ceará, uma namorada que tinha, jornalista, se mudou para Fortaleza para trabalhar para a Revista Veja e fez contato com a TempoD’Imagem, Celso Oliveira Tiago Santana e Tibico Brasil. Fui para lá também. Foi um tempo curto, mas pude ver de perto o sertão do Ceará e conhecer essas figuraças…

Algum tempo depois, já de volta a Minas Gerais, veio a necessidade de conhecer nosso próprio Sertão. Começou com uma viagem ao Vale do Jequitinhonha, que viraram várias outras, de onde saíram Paisagem Submersa e Rota: Raiz.

A motivação para Homem Pedra é a relação do homem com a natureza. Me encanta viajar para o interior e ver que há outro modo de viver sem tanta devastação. Sem tanta civilização… Sei que não é para mim, pelo menos por enquanto… mas gosto de ver, interpretar as artimanhas que as pessoas tem que usar para se relacionar com a natureza no ambiente rural, onde ela ainda está mais perceptível e atuante que nos centros urbanos. No Sertão ela é forte, ela seca, inunda… dita o ritmo da vida.

Na adolescência, li o livro Tuareg, do escritor espanhol Alberto Vásquez-Figueroa, onde o personagem principal, um Targuí do Saara usa uma técnica milenar de se tornar pedra, para atravessar uma salina.

Ao fotografar umas pedras zoomorfas no sertão de Pernambuco, me lembrei desta história, e logo comecei a pensar em uma forma de utilizar este termo como metáfora para interpretar a vida deste homem que vive no sertão, e precisa “Endurecer-se”, pedra para suportar desigualdade social, dificuldades financeiras, e ainda receber um ET cíclope que passa pela sua porta, sempre com um sorriso no rosto e um café na mesa. “No perder la ternura…”

OLHA, VÊ Por que a escolha do sertão pernambucano como cenário do seu trabalho?

PEDRO DAVID Depois de lançado o livro Paisagem Submersa, fomos os três colegas (eu, João Castilho e Pedro Motta) convidados por Mateus Sá para fazer palestra na 2ª Semana de Fotografia de Recife. Uma alegria.

Desde o convite já planejei dar uma volta pelo interior do estado de Pernambuco depois da Semana, e foi o que aconteceu. Fiquei 5 dias vagueando por ali tentando conhecer um pouco do sertão, rodando num carro alugado. Pirei com o que vi, fiquei triste por ter tão pouco tempo, insuficiente para fazer algum trabalho contundente, me envenenei! Ficou claro que teria que voltar. Já havia inscrito um outro projeto no 47º Salão de Artes Plásticas, antes de viajar, mas as inscrições ainda estavam abertas. Me lembrava que podia inscrever um em cada categoria… de volta a Belo Horizonte, elaborei o projeto para a categoria residência artística no Sertão de Pernambuco.

Pernambuco foi uma primeira oportunidade, devido àquela viagem para a Semana de Fotografia, e à Bolsa do Salão. É também uma região que me atiça muito a curiosidade, por causa de Lampião e todos os causos…

Mas pode ser que este trabalho se estenda para outros Sertões… vou de carro de Belo Horizonte até lá, para isto vou atravessar o Norte de Minas, Bahia, ida, volta… muito chão passarão, e espero que muito passarinho!

OLHA, VÊ Quais serão as cidades que você irá se estabelecer na residência artística?

PEDRO DAVID Penso em “Homem Pedra” como mais um Road Movie… não vou exatamente me estabelecer em nenhum lugar. Vou viajar. Quero voltar a Arcoverde, Buíque e Pedra. Quero conhecer Serra Talhada, Salgueiro, Floresta… Gosto muito de mapa! A cada espera de jantar traço novos planos e Rotas…

OLHA, VÊ Qual a situação atual do projeto?

PEDRO DAVID O projeto sofreu muito atraso até agora… Foram pagas duas mensalidades da bolsa, novembro e dezembro, ambas com desconto de 30%, e depois foram suspensos os pagamentos… vocês devem ter acompanhado a polêmica por aí… Agora disseram ter regularizado tudo, mas o dinz ainda não apareceu.
Meu plano inicial era viajar em março, mas sem gasolina não dá né… Aguardo algum pingado para poder ter como viajar e manter durante a viagem.

Comprei um tanto de filme, e tenho lido bastante. Agora estou imerso nos Sertões, de Euclides da Cunha, que está me enchendo de imagens, e de vontade de ir logo… Macunaíma também me deu muitos subterfúgios… como em uma passagem que ele diz: “Não vim ao mundo para ser pedra”. Imagine…

OLHA, VÊ Os objetivos estão preestabelecidos ou não?

PEDRO DAVID O objetivo é um só: desenvolver um documentário imaginário sobre a relação do Homem com a natureza no sertão de Pernambuco.

OLHA, VÊ Sobre técnica fotográfica/produção/estética. Como você irá realizar as fotos?

PEDRO DAVID A produção acontece conforme a viagem se desenrola. Pesquiso no mapa os pontos que me interessam, seguindo critérios como a curiosidade pelo nome do lugar, e indicações obtidas nas conversas com pessoas que encontro no caminho, e às vezes pontos presentes nos livros que leio.

Antena ligada: grande parte das minhas fotos pulam na minha frente, seja na beira da estrada, numa parada, num povoado, numa pensão, num boteco…

Boa parte vem de idéias pré-concebidas, imagens que crio ao pensar no tema, depois do ler e anotar passagens de livros que de alguma forma têm ligação direta ou conceitual com o tema, passo a procurar aquelas imagens por onde passo. Às vezes acho os próprios personagens pelas estradas…

Neste momento tenho alguma dúvida sobre a natureza das fotografias que vou realizar. Em conversas recentes com João Castilho, reparamos que Paisagem Submersa sugou nosso interesse pelo retrato. Foi tanto envolvimento com aquelas pessoas todas que depois de finalizado o projeto ainda não fizemos mais nada que enquadrasse pessoas.

Não acho que seja definitivo, ainda quero fazer muito retrato na vida! Mas não tenho pensado tanto em retratos para este projeto. Sei que posso interpretar a relação do homem com a natureza através dos vestígios que a ocupação humana deixa na terra. Mas também posso mesclar retratos com estes rastros… isso veremos depois…

Vou fazer as fotos com uma Hasselblad, três objetivas e filmes positivos de asa 100 e 400. Além disto, levo um gravador som, de MD. Levar o som à fotografia é algo que me interessa muito, seja uma trilha sonora numa exposição, seja em uma projeção.

OLHA, VÊ Você já pensa em algo para mostrar como resultado: exposição, catálogo, etc?

PEDRO DAVID Faremos uma exposição em Recife ao final do processo. Em princípio sugeri uma instalação de vídeo, editado a partir das fotografias e sons captados. O que Damiel Sosa, e a equipe do CMDF, no Uruguay está chamando de Fotossequência… Mas devo mostrar algo impresso também… vai depender dos gastos com que tiver com a viagem e do material obtido.



Fonte: Olha, vê | Alexandre Belém

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