Pequena pausa para o gênio da MPB

Walter Franco - QUEM PUXA AOS SEUS NÃO DEGENERA

Walter Franco: o cabeça com tutano, de coração tranquilo, no mundo das criaturas

Aos 61 anos o paulista Walter Franco caminha pela capital paulista entre os enormes arranha-céus e a multidão que sempre está nas ruas se locomovendo para algum lugar. O ambiente contrasta com seu andar calmo e fala mansa, fruto dos anos de meditação e aprendizado da filosofia oriental.

É assim, longe dos holofotes da mídia que um dos mais radicais músicos da história da MPB leva a vida e, de tempos em tempos, ressuscita sua mistura de mantra, punk, música erudita de vanguarda e experimentalismo.

Nascido em São Paulo no iluminado ano de 1945 (que deu ao mundo também Eric Clapton, Bob Marley, Elis Regina e muitos outros) Walter Franco começou a carreira no mundo da música criando canções para peças teatrais, antes de se inscrever em festivais no começo dos anos 70. E foi nessas estranhas e segmentadas competições entre artistas que o músico entrou literalmente de cabeça na história da música brasileira.

Provavelmente como forma de provocação, ele inscreveu a música 'Cabeça' no Festival Internacional da Canção de 1972, da Rede Globo. Música é força de expressão, pois 'Cabeça' tratava-se uma transposição de frases repetidas baseada em vozes sobrepostas e repetições de fragmentos da letra. "O que é que tem nessa cabeça irmão/ O que é que tem nessa cabeça ou não/ O Que é que tem nessa cabeça saiba irmão/ O Que é que tem nessa cabeça saiba ou não".

A apresentação da canção provocou um dos mais inusitados momentos da história dos festivais, pois a platéia vaiou aquela maluquice enquanto os jurados, que incluía pessoas como Roberto Freire, Rogério Duprat e Décio Pignatari não só gostaram daquilo como se inclinaram a dar o primeiro lugar para a música. A ditadura militar que se metia em tudo, ficou sabendo que 'Cabeça' poderia levar o primeiro lugar e destituiu o júri de votação, o que provocou denuncias e escândalo no meio musical.

A polêmica valeu a Walter Franco um contrato com a gravadora Continental, que colocou na praça em 1973 o hoje famoso “disco da Mosca” (ou 'Disco Branco' ou ainda 'Ou Não'). Tantos nomes não serviram de nada para o sucesso daquele amontoado de frases curtas sobrepostas em cantos gritados e embalados sob a luxuosa produção do maestro tropicalista Rogério Duprat.

Músicas como 'Mixturação', 'Me Deixe Mudo' e própria 'Cabeça' foram retumbatemente ignoradas pelo público, provocando a maior devolução de discos da história fonográfica brasileira. Uma pena, já que ali estava um registro daquilo que gente como Arrigo Barnabé, Titãs e outros nomes chegados ao concretismo fariam depois de alguns anos.

Assim como Bob Dylan em sua famosa turnê 1965/1966 (mais detalhes no já clássico documentário 'No Direction Home', dirigido por Martin Scorsese), Franco passou os anos seguintes tomando vaias em tudo quanto é palco que subia. Em 1975, ele chegou a encenar um jogo de dados imaginário ao lado do maestro Julio Medaglia em protesto silencioso às vaias da canção 'Muito Tudo', no Festival Abertura.

Talvez por uma questão de markenting ao contrário, a Continental aceitou lançar mais um disco do músico, que chegou nas lojas no final do ano de 75. E que disco... 'Revolver' é a grande obra de Walter Franco e um dos maiores discos já lançados no Brasil em todos os tempos.

Menos experimental que o anterior e antecipando várias direções tomadas anos depois no universo pop, no que se refere a timbres, texturas e formas de captar instrumentos como a bateria e guitarras em estúdio. Um exemplo é a faixa de abertura, 'Feito Gente', que de forma contida vai criando tensão para falar de um amor doentio: 'Feito Gente, feito lixo, te amei como pude", cantava ele.

Outros momentos brincavam com sons e significados das palavras: "Yara eu te amo muito, mas agora é tarde eu vou dormir", só se revela aos ouvintes depois de quase 5 minutos de música, onde palavras vão sendo ditas uma a uma. Outro exemplo é 'Eternamente'. Em vários versos a mesma palavra se desdobra em "É ter na Mente", "Éter na Mente", "Eterna Mente" e, finalmente "Eternamente". Até em inglês a intenção é a mesma: "Nothing to see/ Nothing to do/ Nothing today/ About me/ I am not happy now/ I am not sad", diz 'Nothing'.

As influências mais perceptíveis estão nos irmãos concretistas Haroldo e Augusto de Campos, mas o leque abre para outros como Gertrude Stein e E.Cummings. Trinta anos depois, 'Revolver' é mais atual que tudo que foi gravado na MPB nos últimos dez anos. Depois desta avalanche, Franco partiu para discos mais "normais", chegando a criar semi-sucessos como 'Respire Fundo' e 'Coração Tranqüilo'.

À medida que sua produção ia sendo feita em tempos cada vez mais espaçados, novas vozes apareciam para reverenciá-lo no pop brasileiro.

Marcelo Nova o homenageou no disco 'Duplo Sentido', o último do Camisa de Vênus na cover de 'Canalha'. Gente como Arnaldo Antunes e o Patu Fu também o citam entre suas influências e, de tempos em tempos algumas gravadoras independentes relançam seus discos menos conhecidos nos anos 80 ou até lançam homenagens, como é o caso dos cineastas Bel Bechara e Sandro Serpa, que lançaram o documentário 'Muito Tudo', onde artistas falavam da importância de Walter sob uma montagem não linear, dando a obra o tom do homenageado.

A última mostra do talento de Walter Franco veio em 2001 com o lançamento do disco Tutano, pela Y Brazil, com produção de Alex Antunes e Constan Papiniano. Faixas como 'Zen', 'Quem Puxa aos Seus Não Degenera' e 'Gema do Novo' são a prova que a criatividade do mestre ainda está intacta.

Por Luciano Assis é colaborador da Revista Senhor F.

Comentários

Unknown disse…
Parabéns, Tato ! Sabes tudo e um pouco mais.

Abrs
Tato de Macedo disse…
Obrigado pelo carinho Ivy, mas em realidade a única coisa que sei é que nada sei e, certa vez, um amigo me disse que eu já estava sabendo demais...rss

fraterno abraço!

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