Belluzzo: "apertem os cintos que o mercado sumiu"

O mercado sumiu

27/03/2009 14:32:02

Por Luiz Gonzaga Belluzzo

O novo pacote de socorro do governo americano aos bancos encalacrados no lixo tóxico foi, em um primeiro momento, recebido com entusiasmo pelos mercados. Já no dia seguinte havia mais perplexidade do que entusiasmo entre observadores, analistas e assemelhados.

Martin Wolf, o lúcido conservador do Financial Times, confessou seus temores e angústias com o andar da carruagem na terra das liberdades. Ele duvida da eficácia das sucessivas e maciças injeções de grana nas instituições carregadas de ativos sem possibilidade de transações, seja qual for o preço, entre os agentes privados. O secretário do Tesouro, Timothy Geithner, emprestou glamour à operação de resgate, ao lançar mão da ideia da parceria público-privada para a aquisição do dejeto abominável. Mas, na dura realidade da vida financeira de nosso tempo, isso significa simplesmente que o mercado para as transações com esses papéis desapareceu. É isso mesmo: o mercado não existe, sumiu.

Wolf compreendeu o enrosco: “O governo fornece virtualmente todo o financiamento e arca com todo o risco, mas utiliza o setor privado para formar os preços dos ativos. Em troca, os investidores privados obtêm recompensas – talvez, generosas – com base no desempenho. Interpreto essa ideia como ‘esquema de alívio a fundos-abutre’. Mas vai funcionar? Depende do significado de funcionar. Não se trata de um mecanismo real de mercado, porque o governo subsidia os riscos. Os preços podem não ser baixos o bastante para atrair os compradores ou altos para satisfazer os vendedores”.

O Tesouro dos Estados Unidos e o Federal Reserve tentam ressuscitar o cadáver dos super-SIVs, que, imaginei, teria sido sepultado em 2008. Eles seriam encarregados de recolher detritos financeiros desvalorizados: um pool de grandes bancos compraria a gororoba intragável por um preço acima do valor de mercado. Já naquele tempo, o mercado para a negociação dos ativos desmoralizados havia desaparecido nas brumas da imprudência.

O economista Nouriel Roubini e o consultor John Mauldin suspeitaram que o contribuinte americano estivesse diante de mais uma tapeação engendrada pelos senhores da finança. Perguntam: já engasgados com a gororoba intragável, estariam os bancos e fundos com apetite para engolir mais do mesmo, pagando preços acima dos fixados pelo mercado e agravando os problemas de rentabilidade e liquidez? A resposta só poderia ser uma: na calada da noite, violando as normas do Fed, as autoridades monetárias tratariam de prover os recursos para financiar, a custos módicos, os super-SIVs. A ideia foi arquivada. Retornou, agora sob a direção de Obama e Geithner, com outra denominação e amplos subsídios dos contribuintes à banca depauperada.

Mas, de lá para cá, a ira dos contribuintes contra os gatos gordos de Wall Street assumiu as proporções das revoltas ditas populistas do início do século XX. Wolf está preocupado com a hostilidade explosiva ao setor financeiro. “O Congresso debate taxar os bônus dos executivos. E o procurador-geral de Nova York que sejam revelados os nomes. Isso equivale a um convite ao linchamento.”

Na história da sociedade americana, esses frêmitos exaltados duram o tempo necessário para descarregar o ressentimento dos “bons cidadãos”. Beneficiários dos confortos individualistas e consumistas nos tempos de vacas gordas, os bons cidadãos da América jogam o fardo das desgraças sobre os ombros dos que consideram malfeitores e ladinos. Há fundados receios, entre os sobreviventes do naufrágio financeiro, que o bote salva-vidas do Estado seja baixado por políticos populistas para resgatar a turma do “andar de baixo”.

No entanto, os praticantes das formidáveis inovações destrutivas – os gatos gordos de Wall Street – não teriam prosperado em suas ousadias se, à retaguarda, não estivessem de prontidão os fanáticos do livre mercado e da concorrência desaçaimada. O mal, como sempre, é o intervencionismo do Estado, o poder dos sindicatos, o controle dos mercados financeiros, os obstáculos ao livre movimento de capitais.

A ira populista é o avesso do fervor livre-mercadista, assim como o moralismo midiático e internético de nosso tempo é a outra face da amoralidade das formas de dominação da sociedade de massas contemporânea. Nela, mostrou Hanna Arendt, o indivíduo desarraigado e sem rumo é manipulado e abusado por slogans simplificadores. Os dois estados de espírito, a ira e a crença cega, alternam-se na alma dos bons cidadãos. Tanto um quanto outro impedem a compreensão das formas econômicas e das relações sociais que levaram a economia e a sociedade à crise atual.

Luiz Gonzaga Belluzzo
Contracorrente

Fonte: CartaCapital

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