Quem é o novo presidente

Estranho no ninho



Conselheiro pessoal do presidente Lula, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo está diante de um grande desafio. Capacidade para enfrentá-lo é o que não falta. Desde 2001, ele é citado pelo Biographical Dictionary of Dissenting Economists como um dos cem maiores economistas heterodoxos do século XX. Professor universitário e consultor editorial de CartaCapital, conquistou o Troféu Juca Pato de Intelectual do Ano em 2005.

Mas, ao contrário do que chegou a ser anunciado pela mídia – e que seria esperado por esse currículo –, Belluzzo, um dos idealizadores do Plano Cruzado, não está prestes a assumir o comando do Banco Central. Nem por isso, sua tarefa é menos difícil. Desde a segunda-feira 26, ele é o novo presidente do Palmeiras, uma paixão de infância. “Só não virei jogador porque meu pai criou mil obstáculos e eu era bastante boêmio. Estudava até a meia-noite, jantava no Gigetto e ia dormir às 4 da manhã. Mas sobrava tempo para as partidas de futebol”, lembra.

Apesar de ser o candidato da situação, a maioria dos palmeirenses vê em Belluzzo a encarnação de uma grande mudança nos rumos do clube. E até mesmo um ilustre corintiano como o colunista esportivo Juca Kfouri compartilha da mesma esperança que os rivais: “Não há na história dos últimos 50 anos do futebol brasileiro, se é que um dia houve, nada parecido com a eleição de um intelectual do porte de Luiz Gonzaga Belluzzo para a presidência de um clube como o Palmeiras”. Para Belluzzo, o comentário de Kfouri é generoso demais. “Muitos querem que o clube mude, então eles jogaram toda a expectativa em cima de uma pessoa que eles acham que encarne isso”, disse, em entrevista à CartaCapital.

CartaCapital: O senhor recusou um convite para assumir o Banco Central, mas quis a presidência do Palmeiras. Por quê?
Luiz Gonzaga Belluzzo:
Foi um conjunto de circunstâncias muito especiais e também uma tentativa de unir três tendências distintas que havia no clube e estavam em atrito. Partimos para uma estratégia de recomposição. De fato, eu não tinha a menor intenção de ser presidente, não era meu projeto principal, nunca foi. Mas senti que tinha quase uma obrigação. Você não pode ficar se poupando indefinidamente, chega uma hora em que você precisa aceitar as coisas porque faz parte do seu dever de cidadão. Quanto à minha ambição de ser presidente do Banco Central, ela era próxima de zero. Eu diria até menos um. (risos)

CC: Mesmo sendo o candidato da situação, muitos palmeirenses encaram a eleição do senhor como uma grande esperança de mudanças no clube.
LGB:
Uma figura com as minhas características, sejam elas boas ou ruins, é estranha no meio do futebol. Essa peculiaridade é verdadeira. Mas a expectativa de mudança é o contrário. Eles não a têm porque eu represento a mudança, é porque eles encarnaram a mudança em mim. Muitos querem que o clube mude, então jogaram a expectativa em cima de uma pessoa que acham que encarne isso. Uma dimensão dessas expectativas é a dos que acham que o Palmeiras vai ganhar todos os títulos daqui para a frente, o que é um desejo irrealizável e utópico, no mau sentido.

CC: A falta de uma gestão mais profissional dos clubes é apontada como um dos principais problemas do futebol brasileiro. O senhor concorda? Qual é a sua avaliação da situação do Palmeiras nesta questão?
LGB:
Nesse aspecto, o Palmeiras está devendo muito. O trabalho que precisa ser feito vai desde a informatização do clube até a profissionalização de algumas funções, porque o clube não tem mais como ser administrado apenas por diretores amadores, ainda que o trabalho deles continue sendo imprescindível. No geral, há falta de compreensão sobre o papel desses diretores.

CC: Esse é um problema disseminado em todos os clubes? Existe algum que conseguiu seguir um caminho mais virtuoso?
LGB:
Vocês querem que eu diga o São Paulo, não é? Eu sempre digo que o Palmeiras é o clube mais moderno dentro das condições de atraso do futebol brasileiro. O Palmeiras faz e renova parcerias. Tem um modelo descentralizado e a experiência de cogestão mais bem-sucedida do futebol brasileiro. O São Paulo é muito mais avesso a fazer essas relações.

CC: Mas é bastante eficiente.
LGB:
É eficiente no modelo antigo, de clube fechado em si mesmo, resistente a parcerias. Também há menos conflitos no São Paulo, ainda que o presidente Juvenal Juvêncio discorde. As coisas do São Paulo não saem de lá. No Palmeiras, há um caso de confidencialidade contratual com a Fiat, uma exigência da empresa, que foi quebrada por uma pessoa de dentro do clube. Isso é infantil, uma forma tosca de fazer política. Você pode ser da oposição sem cometer essas barbaridades. No São Paulo, quem faz isso vira cinza, está morto. No Palmeiras, há uma certa tolerância. As instituições são maiores do que as pessoas. Não tem nada a ver com transparência.

CC: Tem a ver com quê?
LGB:
Isso é fruto do que o filósofo italiano Antonio Gramsci chama de “jogo de baralho”. O futebol é jogado ao ar livre, uma competição com regras bem definidas. O jogo de baralho seria a tramóia, a rivalidade embaixo da mesa. Pobre Gramsci... Mal imaginava que o futebol poderia ser muito parecido com o baralho.

CC: Quando o futebol se transforma em jogo de baralho? Como lidar com essa tradicional má-fé da cartolagem brasileira?
LGB:
É preciso eliminar aos poucos esse espírito, muito próprio do futebol, de ganhar a qualquer custo. Vale ganhar passando a perna no outro, botando um produto perigoso no vestiário, comprando o juiz. Isso tudo é da história do futebol. Não só no Brasil. Eu vejo o esporte como um espaço de disputa saudável, mas, desde que eu me conheço por gente, ouço as famosas histórias da gaveta. Gaveteiro é o jogador que recebe dinheiro para amolecer uma partida. Teve uma final nos anos 50, entre Santos e São Paulo, que o Santos tirou a zaga titular e substituiu pela reserva. Ganhou. Isso precisa evoluir para um sistema de controle mais contemporâneo. Os julgamentos disciplinares precisam ser menos ambíguos. A questão da arbitragem é sempre crítica. A tentativa de manipulação é quase um impulso natural. Eu, como presidente do Palmeiras, não posso ser inocente a ponto de achar que isso não ocorre, mas acho deplorável, porque depõe contra o esporte, contra o caráter pedagógico da competição.

CC: O Palmeiras pretende fortalecer as categorias de base?
LGB:
O Palmeiras tem dificuldade com revelação de jogadores de sua própria base. É uma característica do clube, até porque a torcida do Palmeiras é muito exigente. Não é como a do Corinthians, que apoia sempre a prata da casa. A torcida palmeirense quer o sucesso mais rápido. Se o jogador não joga bem em duas partidas seguidas, ela reclama.

CC: O Palmeiras B foi uma tentativa de revelar novos talentos?
LGB:
Havia jogador de 30 anos no Palmeiras B. O time perdeu a função. Somente agora tem jogadores que estão realmente começando. E já apareceram atletas interessantes, como o volante Souza e o Daniel Lovinho, que foi para o time de cima.

CC: Com a aprovação da Lei Pelé, que extinguiu o passe dos jogadores, como ficou a relação dos clubes com os atletas?
LGB:
Do jeito que está agora, essa lei só enriquece o agente. O empresário atrai o pai de um garoto de 13 anos com uma casa, com o dinheiro, e captura o menino. O jogador fica dependente muito cedo. É um erro brutal. É quase como o tráfico de escravas brancas. A Fifa, as federações e o próprio governo têm de mudar essa situação. A lei livrou os jogadores da escravidão do passe, mas criou outros problemas. É passar da escravidão para o regime de assalariamento no século XIX. O trabalhador continuava escravo, enfrentando uma jornada de 16 horas.

CC: E como fica a relação dos clubes com esses empresários?
LGB:
Como o futebol virou uma atividade mercantil capitalista, o empresário é o market maker. Ele escolhe os jogadores e os distribui pelos times. Os clubes perderam poder financeiro. Estou falando dos brasileiros, porque os clubes europeus têm uma relação diferente. O empresário tem de oferecer um jogador qualificado, porque os times europeus têm uma capacidade financeira que os coloca numa posição de falar sim ou não.

CC: O Palmeiras optou por firmar uma parceria com a Traffic, que gerencia um grupo grande de jogadores, em vez de negociar a granel com os agentes. É mais vantajoso?
LGB:
O objetivo do clube é ganhar títulos, disputar bem os campeonatos, mas também valorizar o jogador. O Keirrison está no Palmeiras hoje. Ao disputar o Campeonato Brasileiro e a Libertadores, pode se valorizar muito. Jogar num time bem estruturado é melhor do que aquele que dificulte o desempenho individual. O Palmeiras tem um contrato com a Traffic, que estabelece as condições. Mas não é uma coisa eventual, é orgânico. Estão claras as obrigações. Os dois ganham.

CC: A fase mais vitoriosa do clube foi a da parceria com a Parmalat. Depois que o acordo acabou, o time entrou em derrocada. Muitos acreditam que o clube ficou muito dependente da empresa...
LGB:
É verdade. A parceria foi boa enquanto durou, mas o clube foi incapaz de aprender com a Parmalat. A empresa propôs uma parceria também nas divisões de base e isso foi rejeitado pelo clube. Quando os jogadores da Parmalat foram embora, ficamos sem nada, o que nos deixou em situação precária. Mais que isso. O Palmeiras foi campeão em 1976 e demorou 16 anos até ganhar um novo título. Aconteceu alguma coisa ali: uma perda progressiva de eficiência administrativa.

CC: Os clubes são muito dependentes dos direitos de transmissão da tevê?
LGB:
Muito. Pelos meus cálculos, isso representa mais de dois terços da receita total do Palmeiras. Mas eu acho que se está melhorando progressivamente essa avaliação do patrocínio esportivo. Há quatro anos, o Palmeiras faturava 6 milhões de reais com o patrocínio e outros 3 milhões com material esportivo. Às vezes, meus adversários dizem que eu prometi trazer dinheiro para o clube e eu não cumpri. Eu consegui fazer a arrecadação passar de 9 milhões de reais para 24 milhões de reais. Hoje, a Samsung oferece 15 milhões e a Adidas, 9,5 milhões por ano. É o melhor contrato de fornecimento de material esportivo do Brasil.

CC: A janela de transferências de inverno foi uma das menores da última década. Seria isso um efeito da crise econômica?
LGB:
Sim, e a crise talvez vá se aprofundar nos próximos meses. Seria um erro, portanto, vender os jogadores para o exterior agora. Os clubes e os atletas conseguiriam um valor bem inferior ao que se poderia obter mais tarde. É claro que tanto os empresários como os clubes têm necessidade de vender jogadores, porque a situação financeira é sempre muito delicada. Veja o caso do Guilherme. O Dínamo de Kiev ofereceu 5 milhões de euros, tendo o Kleber como parte do pagamento. Mas o Cruzeiro não quer, precisa de todo o dinheiro. As transações estão paradas no mundo todo. O preço dos atletas caiu e as condições de pagamento são sempre assim. Tirando o xeque Nahyan, dono do Manchester City, que queria comprar o Kaká, e devemos acentuar que o valor realmente oferecido pelo jogador não era bem aquele anunciado pela imprensa, o mercado está estagnado.

CC: É o caso de fortalecer o mercado brasileiro, em vez de seguir como simples vitrine para o futebol europeu?
LGB:
Sim, porque, a menos que você esteja com a faca no pescoço, não convém vender jogadores para o exterior. O Edmílson, por exemplo, foi pentacampeão mundial com a seleção brasileira, jogou muito tempo no Barcelona e agora está de volta.

CC: Mas é possível reverter a situação dos jogadores que vão para o exterior cada vez mais jovens?
LGB:
Em parte isso é efeito da divisão internacional do trabalho, ou melhor, do futebol. Mas, como todo mercado, ele precisa ser regulado. Nós aprendemos isso com a última crise. Ao menos eu espero que a gente tenha aprendido. A Fifa deveria regulamentar essas transações. Também falta às federações, aos clubes e ao governo força suficiente para falar “chega dessa história!” Não podemos impedir transferências quando a diferença salarial é muito grande. Mas a competição tem de ser mais justa. Não dá para esvaziar o futebol dos países da periferia. Só que eu acho que Brasil vai se transformar, daqui a dez anos, em país comprador. O País vai estar numa situação econômica muito boa, colhendo os frutos do petróleo encontrado no pré-sal e outros fatores.

CC: Quando muitos jogadores talentosos passam a atuar no exterior, isso não prejudica a relação de identificação local entre os torcedores e os clubes brasileiros?
LGB:
Bem observado. É preciso valorizar os clubes brasileiros. Isso é um trabalho político complicado, que deve ser conduzido internacionalmente. Os europeus se fecham na Copa dos Campeões, quando a gente deveria reivindicar um espaço na liga, mesmo que fosse através de disputas classificatórias, o que poderia ser organizado com grande interesse.

CC: Os grandes clubes têm força suficiente para criar uma liga gerida por eles mesmos e que esteja fora das mãos da CBF?
LGB:
Hoje, a relação não é simétrica. As instituições que realmente importam são os clubes. As federações são importantes no sentido de organizar as atividades, uma instituição externa aos interesses particulares dos times.

CC: Mas os interesses particulares são realmente distanciados?
LGB:
A federação não pode estar acima dos clubes, tem de servir a eles. Elas só existem porque, num determinado momento, os clubes voluntariamente se associaram a elas. O que não pode é se transformarem numa coisa autônoma e se virar contra os clubes.

CC: Também há problemas de natureza democrática nessas instituições, não? Ricardo Teixeira está há vinte anos na CBF...
LGB:
Todas as instituições precisam ter um mínimo de renovação e de alternância. Isso é um problema institucional. Mas não ocorre só aqui. No mundo inteiro é assim. O João Havelange ficou à frente da Fifa de 1975 a 1998. O Joseph Blatter, de 1998 até hoje. O Lennart Johanson foi presidente da Uefa entre 1990 e 2007.

CC: É um jogo de pôquer no mundo todo.
LGB:
É...

CC: E a Copa de 2014? É um bom projeto?
LGB:
Em 2014, o Brasil estará bem, pode fazer uma copa interessante. É bom para o País sediar um evento como este, desde que tenha os recursos e os aplique adequadamente. O Brasil vai faturar com a Copa, vai melhorar sua infraestrutura de transportes. Criou-se uma espécie de consenso contra o gasto. Mas, nessa circunstância, ele é bom. Vai gerar empregos. Esse negócio de não querer gastar é coisa de caipira. É ruim financiar mal e gastar errado. Gastar é bom quando estimula a economia.

CC: O governo brasileiro já teve de socorrer os clubes financeiramente. Criou até uma loteria com esse objetivo. Isso é correto?
LGB:
Vários países europeus fizeram a mesma coisa. Na Inglaterra, na Espanha, na Itália... O governo brasileiro deu pouco dinheiro. Na verdade, criou uma loteria com essa finalidade. Mas deve-se analisar isso diante da ótica do interesse coletivo. Por que todos esses governos fizeram isso? O futebol é uma atividade que tem uma importância social. Não se pode deixar que os clubes descambem para uma falência generalizada. O governo brasileiro ajuda muito lateralmente. Há outras prioridades. Mas não é um crime, desde que seja feito nos limites da transparência, da ética, com prestação de contas. Não é uma coisa pecaminosa.
Por Daniel Pinheiro e Rodrigo Martins

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A eleição do intelectual não é unanimidade entre os dirigentes do futebol


A escolha de um economista do porte de Belluzzo para a presidência do Palmeiras mereceu destaque nos principais jornais do País. Mas, entre os dirigentes de outros times, poucos demonstraram entusiasmo com a escolha. Seria uma típica manifestação de rivalidade que extrapola os gramados ou uma reação à quebra do protocolo da cartolagem? Confira, abaixo, a avaliação dos presidentes de três grandes clubes:

Sílvio Guimarães, presidente do Sport Club do Recife: “Capacidade gerencial não depende de formação intelectual. Depende de trabalho, honestidade e humildade. É possível dizer que está mudando o perfil do dirigente no mundo, ele está ficando menos oligárquico. O próprio presidente Lula é um grande exemplo disso. Me diga quem há 50 anos pensaria que um metalúrgico como o Lula assumiria a Presidência do Brasil? Eu mesmo acabo sendo um exemplo disso, porque aqui no Sport, até uns dez anos atrás, para ser presidente do clube era preciso ter a carteira recheada, ser político, empresário abonado... E eu, um médico de classe média, hoje presido o Sport. Eu acho que a capacidade de gerir tem pouco a ver com o fato de um sujeito ter formação universitária. Mas deve-se esperar uma gestão com menos erros de alguém como Belluzzo, que tem esse perfil intelectual, porque teve mais acesso aos livros, ao conhecimento acadêmico, está mais preparado para enfrentar os problemas.”

Juvenal Juvêncio, presidente do São Paulo: “Ganha o futebol brasileiro que conquista um interlocutor de qualidade, que é o que mais falta nos dirigentes do esporte. Belluzzo é um exemplo de dignidade, independência, intelectualidade e de comportamento. Sua experiência e sabedoria serão fundamentais para a gestão do clube, com uma visão mais ampla das problemáticas que encontrará pelo caminho.”

Roberto Dinamite, presidente do Vasco: “Qual é a formação para ser presidente de clube? Qual é a formação? Cada um tem a sua, um é advogado, outro é não sei o quê... Eu acho que, acima de tudo, você tem de ser um elo com o clube, uma relação direta com a instituição, para que aí possa estar implantando o que deseja. Ele é um economista. Pode contribuir, ajudar a equipe do Palmeiras para que feche boas parcerias, que é algo que se espera de um clube da grandeza do Palmeiras. Também é preciso ter uma boa equipe de trabalho, que possa dar a ele o suporte necessário. A visão do Vasco é essa. Sozinho você não consegue nada.”
Da Redação CartaCapital

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