Michael Moore na TV Cultura
Todo o trabalho de Moore, desde os seus livros aos filmes, é profundamente interventivo e crítico de algum sector da sociedade norte-americana. Mas nunca o cineasta tinha ido tão longe como agora. Fahrenheit 9/11 é como que um prolongamento do seu discurso de aceitação do óscar. Nessa altura Moore avisou o presidente norte-americano de que o seu tempo estava a acabar e este filme tem como objectivo principal concretizar essa ameaça. Nunca um filme teve um prazo de validade tão óbvio, Fahrenheit 9/11 deve ser visto antes das próximas eleições presidenciais nos Estados Unidos (em Novembro), para fazer sentido. Por isso, o seu lançamento em DVD está já agendado para 5 de Outubro e deverá continuar a senda de sucesso que o filme alcançou nas salas de cinema, ao ser o primeiro documentário a ultrapassar os 100 milhões de dólares em receita de bilheteira.
Com um tema tão sensível, não é de estranhar que as polémicas se tenham sucedido, desde os problemas em assegurar a distribuição do filme até à sua classificação para adultos. No entanto tudo isto apenas contribuiu para o sucesso do documentário.
Mas, polémicas à parte, o que encontramos em Fahrenheit 9/11 é um filme profundamente satírico à imagem do que Moore já nos habituou. A diferença aqui é o facto de o realizador aparecer muito menos no ecrã do que em Bowling for Columbine, por exemplo. A "estrela" aqui é Bush e é nele e na sua família que se centram os ataques de Moore, como as ligações à família Bin Laden. É pena que Moore não se fique pelo que efectivamente pode provar e coloque pensamentos na cabeça de Bush na cena da escola primária. Bush já provou que não precisa que ponham palavras (ou pensamentos) na sua boca, para se ridicularizar.
Para além disso Moore manipula os factos a seu gosto (não o esconde) para melhor passar a sua mensagem e para os mais informados esse facto é de lamentar e enfraquece a sua tese, oferecendo argumentos aos seus detractores. O exemplo mais gritante é quando enumera os membros da coligação que invadiu o Iraque, ridicularizando os países pequenos e omitindo o Reino Unido e a Espanha. O facto destes países pertencerem à coligação não impede que os EUA estivessem dispostos a avançar sozinhos e que tenham tido o maior papel na invasão. Assim, para os mais informados fica a ideia de que Moore os está a tentar enganar. Mas a verdade é qué é tipicamente americano menosprezar ou ignorar os outros e para a maioria dos norte-americanos a quem o filme se dirige isso pode passar despercebido.
Esse é para mim outro dos pontos fracos do filme, pelo menos para nós europeus. As conclusões apresentadas podem surpreender os americanos, mas a verdade é que para o europeu mais informado já não são novidade, até porque o controlo dos meios de comunicação social a propósito da guerra não foi tão apertado aqui como nos EUA.
Como pontos fortes, destaque para a leitura do Acto Patriótico por Moore, ou o recrutamento para os Marines. Vale a pena realçar também as tentativas de Moore em convencer os Congressistas a alistarem os seus filhos no exército. No entanto desagradou-me (como me desagrada nalguns órgãos de comunicação social) a exploração do drama de uma mãe que perdeu o seu filho no Iraque.
Em resumo Fahrenheit 9/11 tem o objectivo muito claro e faz muito mais sentido visto do outro lado do Atlântico, mas cinematográficamente falando está longe de apresentar os méritos necessários à obtenção da Palma de Ouro que alcançou em Cannes. Para mim não é sequer o melhor filme de Micheal Moore.
Fonte: Take 2
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