Prescrição: a escola deveria preparar cidadãos

"Eis o maior equívoco da mentalidade liberal dominante. As escolas preparam os indivíduos apenas para a produção, quando deveriam preparar as pessoas para a vida" (De Masi)

Artigo Científico
Prescrição de leitura na escola e formação de leitores

Por Elsa Maria Mendes Pessoa Pullin, e Lucinéia de Souza Gomes Moreira Resumo

A leitura é de importância decisiva para o exercício efetivo da cidadania. A escola é um dos espaços privilegiados para a formação de leitores. Todavia, a escola não vem atendendo, quer às expectativas quer às demandas sociais atuais. 

Apesar da multiplicidade de fatores envolvidos, as evidências tomadas para justificar essa situação quase sempre transitam numa via de relevância indiscutível: a da não proficiência leitora. No modelo vigente de ensino, as relações que estruturam as práticas pedagógicas definem a sala de aula como um espaço singular para a constituição de leitores. Professores pelos modos que dão a ler os textos de estudo definem o interesse, as preocupações e as relações que os alunos mantêm com os textos indicados para estudo, por exemplo. 

O presente trabalho busca desvendar as práticas usuais de professores quando prescrevem leitura de textos de estudo e seus possíveis efeitos para as relações que as alunas estabelecem com os textos, especialmente quanto ao grau de interesse e preocupações. A amostra de participantes foi constituída por 61 alunas de um curso de formação inicial de professores. Para o levantamento de informações foi utilizado um questionário com itens apresentados sob a modalidade Likert, alguns deles instigadores para que a apresentação se justificativa. 

Os resultados apontam para a importância que assumem os modos dos professores proporem e trabalharem os textos prescritos para a produção de leitura dos alunos. © Cien. Cogn. 2008; Vol. 13 (3): 231-242. 

[...] Paulo Freire, quando escreveu o texto Considerações em torno do ato de estudar, publicado em 1982, ponderou que quem estuda deve se sentir desafiado pelo texto em sua totalidade e seu objetivo deve ser o de apropriar-se de sua significação profunda. Para tanto, arrolou posturas que o leitor deve assumir. Dessas, selecionamos as que seguem: 
  • a) seu papel de sujeito
  • b) uma postura curiosa, face ao mundo, aos textos e às relações com os outros, isto é, o leitor/estudante não deve perder nenhuma oportunidade e fonte para indagar e buscar; 
  • c) dialogar com o autor do texto, levando em conta o condicionamento histórico-sociológico e ideológico do autor, o qual nem sempre é o seu, enquanto leitor. 
No presente trabalho interpretamos que os modos e práticas dos professores prescreverem as leituras de estudo, como constatado pelas respostas das alunas, sugerem que eles, geralmente, não atentam para o fato de que ao propor já produzem marcas em suas alunas. 

Assim acontece, porque definem os sentidos do que irá ser lido, pois ao darem a ler esses textos estabelecem/prescrevem como e para quê deve ser lido o material que disponibilizam. Não parecem estar atentos, e, possivelmente, por isso não direcionam a atenção de seus alunos para a escuta das vozes que mesmo veladamente permeiam a escrita dos textos selecionados e a produção individual da leitura desses textos. Em suma, não autorizam leituras diferentes da que eles fizeram ou fazem. 

Por esta postura, geram o engessamento ao diálogo, porque ao silenciarem a todos, só buscam o eco de sua própria voz, o que de fato se opõe ao recomendado, por exemplo, nos documentos oficiais que deveriam orientar os fazeres na escola, como proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais e pelas Diretrizes Curriculares para o Estado do Paraná. 

O discurso oficial, tal como formulado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Língua Portuguesa assinala para importância de os professores estarem atentos à importância da compreensão e da aprendizagem necessária para a produção da leitura, indicam os cuidados que devem ser tomados para a formação de leitores competentes, como segue: 

“[...] formar um leitor competente, supõe formar alguém que compreenda o que lê; que possa aprender a ler também o que não está escrito, identificando elementos implícitos; que estabeleça relações entre o texto que lê e outros textos já lidos; que saiba que vários sentidos podem ser atribuídos a um texto [...]” (Brasil, 1999: 69) 

Esse documento sugere, ainda, algumas diretrizes quanto às práticas de leitura que, ao serem fomentadas na escola e às que devem ser evitadas: 

“[...] uma prática constante de leitura na escola deve admitir ‘leituras’. Pois outra concepção que deve ser superada é o mito da interpretação única, fruto do pressuposto de que o significado está no texto. 

O significado, no entanto, constrói-se pelo esforço de interpretação do leitor, a partir não só do que está escrito, mas do conhecimento que traz para o texto. Necessário que o professor tente compreender o que há por trás dos diferentes sentidos atribuídos pelos alunos aos textos; às vezes é porque o autor intencionalmente ‘jogou com as palavras’ para provocar interpretações múltiplas; às vezes é porque o texto é difícil ou confuso; às vezes é porque o leitor tem pouco conhecimento sobre o assunto tratado e, a despeito do seu esforço, compreende mal.” 

O presente trabalho pode não ter anunciado informações teóricas e análises inovadoras, mas indiscutivelmente evidenciou os efeitos das prescrições de leitura de textos de estudo para um grupo de alunas, futuras professoras. Como professores podemos, e, por razões de ofício devemos auxiliar outros a (re)escrever a própria história, por exemplo, pelos modos como indicamos as leituras, uma vez que estes afetam as condições para que cada um escreva ou reescreva entendimentos sobre si e o mundo (Freire, 1992). 

Por conseguinte, podemos assumir, ou reassumir a posição de co-autores das condições de nossas vidas e das de outros. Em razão disso, como professores, precisamos refletir continuamente sobre como agimos e configuramos os espaços para que os alunos aprendam, e leiam o mundo e as produções simbólicas culturais, visto parte de sua subjetividade ser constituída pelos efeitos de nossas ações. 

Talvez, assim, nossos alunos possam futuramente exercer dignamente seu ofício com consciência crítica, bem como pelo exercício de sua cidadania venham a contribuir para que a voz de todos seja escutada seriamente, e não apenas a daqueles que ocupem funções que legitimam por si seu poder, como é o caso não tão raro do exercício do ofício de professor em sala de aula, quando dá a ler textos e configura finalidades e contornos estreitos para a leitura dos textos que indica. 

Fonte: Ciências e Cognição

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