O New Deal de Obama

Reativando a economia dos Estados Unidos


Financial Times
Por Krishna Guha

As reduções de impostos e investimentos extras planejados pelo governo Obama são tidas como iniciativas válidas, mas há dúvidas quanto à duração dos efeitos e ao momento em que eles se farão presentes


Ao mesmo tempo em que avalia as opções disponíveis para a reparação do setor financeiro, o governo do presidente Barack Obama está exercendo forte pressão para obter do Congresso o maior estímulo fiscal da história, em forma de legislação, no mês que vem.

O Plano Americano de Recuperação e Reinvestimento apresentado pelos democratas na Câmara dos Deputados - um projeto que as autoridades governamentais afirmam refletir as ideias do governo - inclui US$ 550 bilhões (? 425 bilhões, £ 398 bilhões) em planos de investimento e US$ 275 bilhões em reduções tributárias. A legislação proposta é um pacote híbrido cujo objetivo é estimular a demanda e, ao mesmo tempo, financiar os investimentos destinados a elevar o potencial para o crescimento de longo prazo da economia dos Estados Unidos. Esse crescimento seria bastante abrangente.

"A estratégia do presidente consiste de três partes", diz uma autoridade graduada do governo.
  • "Primeiro, e o mais importante: fazer com que a economia volte a se movimentar, preservando ou criando mais de três milhões de empregos;
  • segundo, proteger os indivíduos mais atingidos pela recessão;
  • terceiro, no decorrer do processo de criação de empregos, fazer os tipos de investimentos que fortalecerão a economia nos próximos anos".

Neste momento em que o consumo e o investimento privados entram em colapso e meios monetários de sustentação da economia chegam ao limite, a maioria dos economistas acredita que o governo deveria procurar apoiar a demanda. Mas o estímulo fiscal para apoiar a demanda seria uma medida confusa e incerta. Os economistas discordam bastante quando se trata de determinar se o governo está utilizando a mistura certa de medidas fiscais e de promoção de investimentos. Eles manifestam preocupações quanto à velocidade com que tal incentivo auxiliará a economia e às vantagens socioeconômicas da medida.

À esquerda, críticos como Paul Krugman, professor da Universidade de Princeton, dizem que o plano "não é suficientemente grande" e deveria concentrar-se quase que inteiramente nos gastos governamentais, já que seria improvável que as reduções tributárias resultassem em um aumento da demanda. Enquanto isso os ativistas verdes criticam a equipe de Obama por não ter sido mais ambiciosa no que diz respeito a investimentos em projetos de infraestruturas que não agridem o meio ambiente. Tais projetos representam uma parcela pequena do total de investimentos planejados.

À direita, críticos como Greg Mankiw, professor da Universidade Harvard e ex-diretor do Conselho de Assessores Econômicos de George W. Bush, diz que há "muitos motivos para duvidar" de que a economia necessite de um grande aumento de gastos governamentais. Argumentando que é provável que os investimentos sejam marcados pelo desperdício e por uma implementação lenta, esses críticos acreditam que o governo deveria recorrer com mais vigor às reduções tributárias de ação mais rápida.

Até mesmo economistas que em geral são simpáticos ao plano de Obama questionam se é apropriado aliar as políticas "anti-cíclicas" de curto prazo, que estimulam a demanda e mantêm as pessoas empregadas, aos investimentos de longo prazo. "Sou favorável a vários componentes desse pacote", diz Alice Rivlin, da Brookings Institution. "Mas alguns dos investimentos em qualificação e infraestrutura - embora positivos - não deveriam fazer parte de um pacote anti-recessivo".

Já a equipe de Obama acredita que o plano é não só possível, mas também ideal para procurar atingir dois conjuntos de objetivos ao mesmo tempo. "As aquisições por parte do governo são uma das formas mais efetivas de estímulos anti-cíclicos", afirma o governo. "Quando se investe uma quantia substancial, é possível optar entre a contratação de pessoas para cavarem buracos ou para construírem a fase inicial de uma rede eficiente de eletricidade para a utilização ainda maior de fontes renováveis de energia. Isto é óbvio".

A mistura de gastos e reduções tributárias é o foco central da briga política travada no Congresso. No entanto, as autoridades dizem que não deram início ao plano tendo em mente alocações específicas. "Foi um processo de baixo para cima. Não havia uma meta inicial relativa a gastos e a reduções tributárias", dizem as autoridades governamentais. "Tínhamos uma lista de coisas a serem feitas, e identificamos quais delas esgotam-se rapidamente e têm uma data de conclusão natural".

Os membros da equipe de Obama concluíram que seria difícil expandir a parte relativa aos gastos para um patamar muito superior a US$ 550 bilhões sem incluir investimentos que tivessem retorno de longo prazo, não pudessem ser implementados rapidamente ou que virariam despesas contínuas que resultariam em um aumento do déficit estrutural do governo federal. À medida que a crise econômica se aprofundava, a equipe de Obama ampliou o valor das reduções tributárias, acrescentando cortes de impostos pagos pelas empresas, algo que geraria efeitos em pouco tempo.

A equipe do novo presidente vê como positivo o fato de contar com uma ampla gama de medidas. "Para cada instrumento específico, quanto mais se aplica esta estratégia, menor é a efetividade", diz um funcionário graduado do governo. "Isso indica que é preciso que se conte com diversas abordagens... Queremos ter um leque de medidas diversificado no que se refere ao momento de implementação. Até certo ponto, também queremos diversificação em termos de impacto setorial".

Os planos de gastos foram modelados por limitações de ordem prática. Foi difícil encontrar projetos de infraestrutura "verdes" - tais como sistemas de transporte de massas - com índices de retorno socioeconômico razoáveis. Foi mais fácil encontrar projetos tradicionais de infraestrutura cujos efeitos seriam percebidos em um período mais curto.

Mesmo assim, o maior componente dos planos de investimentos refere-se às transferências para governos estaduais e municipais - US$ 87 bilhões para auxílio com o Medicaid, US$ 79 bilhões referentes a reduções tributárias e US$ 41 bilhões para distritos escolares. Esses investimentos provavelmente evitarão perdas de empregos em grande escala, mas não criarão muitos empregos novos.

Quanto ao aspecto fiscal, alguns republicanos sugeriram a suspensão do imposto de renda - proporcionando um alívio simples e instantâneo para os trabalhadores e um incentivo para que os patrões contratem mais. Outros são favoráveis à suspensão dos impostos estaduais sobre as vendas de produtos. "O corte desses impostos é uma versão mais progressiva da suspensão do imposto de renda", argumentam autoridades do governo. "Sob o ponto de vista distributivo, isto é mais favorável e, em termos de estímulo, é melhor dar a todos US$ 500 do que fornecer a algumas pessoas US$ 50 e a outros US$ 5.000".

Mas demorará meses até que a população perceba os impactos de tais medidas, e alguns benefícios só surgirão ao final do ano fiscal. Além do mais, o plano apresentado ao Congresso não traz incentivos específicos para que os patrões contratem trabalhadores. Os parlamentares democratas desejam também cancelar as reduções de impostos concedidas por Bush aos indivíduos de altos salários. Já o governo, embora cogite aplicar tal medida, mostra menos entusiasmo em relação a ela.

Sob o ponto de vista econômico, a crítica mais séria ao pacote é que ele pode demorar muito para influir significativamente na situação. Os republicanos divulgaram com alegria estimativas preliminares do Departamento de Orçamento Parlamentar, sugerindo que alguns projetos de investimentos demorarão mais tempo do que se imaginava para apresentar retornos.

O governo insiste em dizer que uma quantidade suficiente de elementos do plano começará a funcionar rapidamente. "A antecipação do fornecimento de dinheiro aos governos estaduais e municipais já está evitando a perda de empregos", diz a autoridade graduada do governo. "As reduções tributárias concedidas às empresas apresentarão efeito bem rapidamente, e já estão provocando um aumento dos investimentos, segundo o grau esperado pelo empresariado". Quanto à redução tributária para pessoas físicas, ele acrescenta: "As pessoas de baixa renda serão beneficiadas com rapidez. A parte referente à infraestrutura demorará um pouco mais a apresentar resultados, mas terá uma boa relação custo-benefício".

No entanto, embora o plano de estímulo possa afetar as expectativas instantaneamente, o impacto dos investimentos só será realmente significativo a partir de julho ou agosto. Empresas privadas especializadas em previsões, como a Macroeconomic Advisers, acreditam que cerca de 30% dos estímulos serão aplicados neste ano.

Uma das acusações mais prejudiciais sob o ponto de vista político diz respeito ao custo aparentemente elevado de cada emprego criado. A divisão dos US$ 825 bilhões por três milhões de empregos criados sugere um custo de US$ 275 mil por emprego. A manutenção de um emprego por dois anos provavelmente deveria ser considerada como dois anos por emprego. Portanto, uma estimativa mais correta seria de cerca de metade desse valor - ou menos, quando leva-se em conta algum retorno na forma de receitas tributárias maiores. Mesmo assim, o custo da criação de cada emprego por ano ainda será de pelo menos US$ 100 mil, já que grande parte do aumento da demanda é absorvido pelas horas a mais trabalhadas por pessoas que já possuem empregos. "Este é parte do motivo pelo qual é importante garantir que esse investimento resulte em algo mais do que apenas empregos", diz a autoridade do governo.

Os economistas do setor privado em geral concordam com a alegação de Christina Romer, diretora do Conselho de Assessores Econômicos, de que o estímulo preservará ou criará mais de três milhões de empregos. Mas os modelos padrão não são muito confiáveis em situações como a atual, quando há modificações profundas no comportamento econômico.

Além do mais, os economistas discordam bastante entre si quanto a questões como o "transbordamento", ou "efeitos multiplicadores", dos investimentos governamentais. Romer estima um fator multiplicador de 1,5, o que significa que cada dólar de investimento governamental provocaria um investimento privado de 50 centavos de dólar, elevando o produto doméstico bruto em US$ 1,50.

A maior parte dos economistas de Wall Street acha que em uma conjuntura de taxas de juros zero e recursos subutilizados, a política fiscal deve ser relativamente efetiva. Mas Eugene Fama, professor da Universidade de Chicago, alega que o investimento governamental simplesmente afastaria a iniciativa privada, enquanto Roberto Barro, professor de Harvard, afirma que, com um afastamento parcial, o fator multiplicador seria bem inferior a um.

"Os economistas acadêmicos demonstram bem mais incerteza do que Wall Street em relação ao impacto do estímulo fiscal", diz Ken Rogoff, também professor de Harvard. "A gama de estimativas é bem ampla. Mas, tendo em vista a situação em que nos encontramos, não há dúvida de que vale a pena tentar".

Um dos motivos pelos quais é difícil prever qual será o impacto é a existência de pouquíssimos paralelos históricos. Muitos enxergam ecos dos programas de obras públicas implementados por Franklin Delano Roosevelt durante a Grande Depressão. Mas os investimentos feitos nos Estados Unidos antes da Segunda Guerra Mundial não foram financiados em grande parte por déficits. A própria Romer disse certa vez que "a política fiscal teve pouca importância" para o término da Grande Depressão - embora ela tenha dito ao Congresso que a lição "não foi que a política fiscal não funcionou, mas sim que ela não foi de fato tentada".

Outros veem paralelos com os pacotes de estímulo fiscal implementados pelo Japão na década de 1990, que suavizaram a recessão naquele país, mas geraram investimentos de valor econômico pouco duradouro, ao mesmo tempo que destruíam as finanças públicas. Mas o fato de o alívio obtido pelo Japão ter sido apenas temporário não significa que um estímulo do gênero não fosse funcionar nos Estados Unidos ao ser aplicado conjuntamente com outras políticas. A autoridade governamental de alto escalão ouvida pela reportagem diz que isso é parte da iniciativa de três frentes para romper o circuito adverso de retroalimentação que está no cerne da crise de crédito. "Todas as três partes do projeto - o setor imobiliário, o financeiro e a economia agregada - interagem entre si. O que os elaboradores de políticas governamentais desejam é prevenir uma espiral terrível", disse a autoridade.

Ao limitar o risco de um colapso desastroso da demanda e de um aumento do desemprego, um pacote de estímulo fiscal poderia fazer com que o governo ganhasse tempo para consertar o setor bancário e, ao mesmo tempo, conter os prejuízos, limitando-os a um patamar administrável. Mas Simon Johnson, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), diz que o governo está privilegiando excessivamente os seus gastos com estímulos fiscais em relação à recapitalização bancária. A maioria dos economistas concorda que, sem um reparo rigoroso do setor bancário, o pacote de estímulos não tem como restaurar a saúde da economia.

"Um pacote fiscal substancial poderia proporcionar um impulso significante para a atividade econômica" afirma Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos). "Acredito, no entanto, ser improvável que ações fiscais promovam uma recuperação duradoura, a menos que elas sejam acompanhadas de medidas fortes no sentido de estabilizar e fortalecer mais o sistema financeiro".
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Comentários: Bem que tentei, mas não encontrei nenhum outro que melhor comentasse esse momento da histórica política americana:

Obama, Donde?

By José Saramago

Donde saiu este homem? Não peço que me digam onde nasceu, quem foram os seus pais, que estudos fez, que projecto de vida desenhou para si e para a sua família. Tudo isso mais ou menos o sabemos, tenho aí a sua autobiografia, livro sério e sincero, além de inteligentemente escrito.

Quando pergunto donde saiu Barack Obama estou a manifestar a minha perplexidade por este tempo que vivemos, cínico, desesperançado, sombrio, terrível em mil dos seus aspectos, ter gerado uma pessoa (é um homem, podia ser uma mulher) que levanta a voz para falar de valores, de responsabilidade pessoal e colectiva, de respeito pelo trabalho, também pela memória daqueles que nos antecederam na vida.

Estes conceitos que alguma vez foram o cimento da melhor convivência humana sofreram por muito tempo o desprezo dos poderosos, esses mesmos que, a partir de hoje (tenham-no por certo), vão vestir à pressa o novo figurino e clamar em todos os tons: “Eu também, eu também.” Barack Obama, no seu discurso, deu-nos razões (as razões) para que não nos deixemos enganar. O mundo pode ser melhor do que isto a que parecemos ter sido condenados.

No fundo, o que Obama nos veio dizer é que outro mundo é possível. Muitos de nós já o vinhamos dizendo há muito. Talvez a ocasião seja boa para que tentemos pôr-nos de acordo sobre o modo e a maneira. Para começar.

A Martin Luther King mataram-no. Quarenta mil polícias velam em Washington para que hoje não suceda o mesmo a Barack Obama. Não sucederá, digo, como se na minha mão estivesse o poder de esconjurar as piores desgraças. Seria como matar duas vezes o mesmo sonho.

Talvez todos sejamos crentes desta nova fé política que irrompeu em Estados Unidos como um tsunami benévolo que tudo vai levar adiante separando o trigo do joio e a palha do grão, talvez afinal continuemos a acreditar em milagres, em algo que venha de fora para salvar-nos no último instante, entre outras coisas, desse outro tsunami que está arrasando o mundo.

Camus dizia que se alguém quisesse ser reconhecido bastar-lhe-ia dizer quem é. Não sou tão optimista, pois, em minha opinião, a maior dificuldade está precisamente na indagação de quem somos, nos modos e nos meios para o alcançar. Porém, fosse por simples casualidade, fosse de caso pensado, Obama, nos seus múltiplos discursos e entrevistas, disse tanto de si mesmo, com tanta convicção e aparente sinceridade, que a todos já nos parece conhecê-lo intimamente e desde sempre.

O presidente dos Estados Unidos que hoje toma posse resolverá ou intentará resolver os tremendos problemas que o estão esperando, talvez acerte, talvez não, e algo nas suas insuficiências, que certamente terá, vamos ter de lhe perdoar, porque errar é próprio do homem como por experiência tivemos de aprender à nossa custa. O que não lhe perdoaríamos jamais é que viesse a negar, deturpar ou falsear uma só das palavras que tenha pronunciado ou escrito.

Poderá não conseguir levar a paz ao Médio Oriente, por exemplo, mas não lhe permitiremos que cubra o fracasso, se tal se der, com um discurso enganoso. Sabemos tudo de discursos enganosos, senhor presidente, veja lá no que se mete.

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