O advogado do Diabo


Batismo e enterro

Dante e Virgílio encontram os poetas clássicos no Limbo - Ilustração da 'Divina Comédia', de Dante Alighieri, feita por Gustave Doré

Na Divina Comédia, a obra-prima fundadora da Língua Italiana, o poeta Dante Alighieri situou pagãos virtuosos e grandes escritores e filósofos da Antiguidade, como Sócrates e Platão, no limbo - uma região do mundo de além-túmulo que em séculos de tradição religiosa era apontado como o lugar para onde eram encaminhadas as almas virtuosas que morreram sem receber o sacramento do batismo, incluindo nesse número as crianças recém-nascidas. Pois Bento XVI (Joseph Ratzinger), apontado como reacionário e radical por muitos, desde antes de sua eleição como papa, corroborou a decisão da Comissão Teológica Internacional da Igreja Católica de extirpar do imaginário católico as dúvidas que pairavam sobre a existência de tal lugar espiritual onde não havia sofrimento nem deleites para as almas não batizadas.

Interessante observar que desde a Reforma Protestante e, sobretudo, apenas as igrejas luteranas seguem à risca o que reza a bíblia sagrada cristã no que tange ao ritual de batismo. Entendem, assim como relatos de João, o batismo como significado maior de encontro do homem com Deus a partir do mergulho na água e o enterro de seus pecados pelo reconhecimento de suas faltas. Nada mais óbvio e certo, ao contrário da doutrina da ICAR, a qual permite o "batismo" às crianças, com o adultério de certos líquidos à água. A essa incoerência católica poder-se-ia afirmar, mesmo, que bastaria jogar um punhado de terra sobre um corpo morto para definir-se como enterro.

A palavra “batismo” é grega, vem de “batisma” , cujo significado é “mergulho”, “imersão”. Esta prática que iniciada entre os judeus quando passou a haver a conversão de gentios ao judaísmo, os chamados ”prosélitos” (Mt.23:15). Como os gentios eram considerados pessoas imundas (At.10:28), passou-se a exigir que o convertido ao judaísmo não só se circuncidasse, como também, participasse de uma lavagem cerimonial de todo o corpo, por imersão, gesto este que passou a se denominar “batisma”, em grego, e que os estudiosos denominam de “batismo judaico” ou “batismo de prosélitos”.

O catecismo católico já havia omitido as menções ao limbo desde a edição de 1992, mas o tema da salvação das crianças recém-nascidas que vinham a falecer antes de serem batizadas era ainda tema de discussão entre os teólogos. Em verdade, o limbo jamais fez parte da doutrina da Igreja, embora fosse amplamente divulgado e ensinado nos meios católicos, ao menos até as primeiras décadas do século XX. A decisão, aprovada por Bento XVI, é uma afirmação de que a Igreja Católica acredita haver indícios de que "Deus salvará as crianças que não foram batizadas", ainda que as escrituras não tragam nenhuma referência explícita ao tema.

A morte do limbo - uma palavra latina que significa "fronteira" ou "limite" - não significa, contudo, o fim da crença no pecado original e na importância do batismo como sinal de aliança dos fiéis com Deus.

A idéia do limbo teria surgido na Idade Média. Na visão de alguns teólogos da Idade Média, seria um "estado ou lugar reservado aos bons e justos que não receberam o sagrado sacramento do batismo", incluindo aqueles que viveram antes da vinda de Jesus à Terra. Sua existência teológica, contudo, foi sempre questionada. O próprio papa Bento XVI, antes ainda de ser escolhido líder da Igreja Católica, já havia declarado sua concepção de que o limbo seria "apenas uma hipótese teológica" e não "uma verdade definitiva no campo da fé" católica.

Um sinal dos tempos, ou mais ainda, da modernização da Igreja Católica? As questões teológicas e a visão do Vaticano sobre os problemas contemporâneos sempre tiveram uma grande visibilidade e foram alvo de inúmeras discussões. Muitos pensadores, boa parte deles não-católicos, discutem e criticam as posições teológicas de uma religião que permaneceu sempre no imaginário de todos os ocidentais, papistas ou não. Sem dúvida, a Igreja é detentora de uma grande influência sobre um grande número de fiéis e mesmo de pessoas que não professam a fé católica, dado o papel do Cristianismo na cultura ocidental. Em verdade, a Igreja Católica nunca esteve estagnada nas mesmas idéias. Mesmo na era medieval, que os Iluministas franceses nos fizeram ver como um "Tempo de Trevas", as questões teológicas do catolicismo sempre estiveram sob discussão; se as mudanças não foram mais rápidas que uma certa fatia da intelectualidade esperava, é porque a matéria em debate não pode, de fato, render-se à urgência dos homens. Afinal, quem de nós pode ter certezas sobre a divindade e sua natureza?

Melhor preocuparmo-nos com nosso deus interior, aquele que nos rege em nossas decisões morais e que reflete a nossa relação com essa divindade de tantos nomes e imagens, mas cuja essência ainda seguirá oculta aos olhos humanos por muitos e muitos séculos. Que se ocupem com a teologia católica os próprios católicos e ninguém mais.

Pena não podermos mais deixar nossas questões teológicas no limbo

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