Não existe geografia sem história,

assim como não existiria a História sem a Geografia.

História e atualidade

Árabe desde há quatro mil anos, a Palestina conservou esse caráter, embora muitos grupos humanos ou Estados tenham-na conquistado no curso da história.

Admite-se que a Palestina foi, segundo o Velho Testamento (mormente conhecido como Antigo Testamento), o lugar em que se estabeleceram as tribos semitas canaanitas, que são árabes por sua origem geográfica.
As tribos hebraicas não conquistaram certas partes da Palestina senão no 13º ou 14º século antes de Cristo, sob o comando de Josué. Lá encontraram uma civilização florescente, tanto que o Livro Santo a descreve. Os canaanitas estavam instalados na Palestina desde a época neolítica e provinham de tribos de origem semítica cujo berço original devia estar situado, segundo as hipóteses admitidas hoje no mundo científico, na Península Arábica.

Historicamente, portanto, os antigos hebreus não nasceram na Palestina. E mesmo quando para lá foram brevemente, não ocuparam jamais o atual Israel com sua planície costeira. Este território permaneceu em mãos dos filisteus, que lhe deram seu nome: Palestina.

O que é preciso desde já sublinhar é o fato de que o país de Canaã, povoado pelos canaanitas, semitas, árabes portanto, foi então conquistado por tribos hebraicas estrangeiras.

Mas essa entidade judia não devia quase sobreviver. Dividida em dois reinos hostis, Israel e Judá, foi logo submergida, a partir do séc VII antes de Cristo, por invasores persas, macedônios, assírios, babilônios. Depois, Roma se apossou de Jerusalém, no ano 64 antes de Cristo, e estendeu sua dominação sobre a Palestina, povoada então de judeus, de idumeus, de iturianos, de amonitas e de árabes.

É a partir do ano 120 da Era Cristã que se pode considerar a Palestina como tornada uma província árabe, tendo sido os judeus, a essa data, expulsos de Jerusalém pelo Imperador Adriano, que esmagou uma revolta sua. província Arabia, ela é autenticamente aquela Palestina que, depois de ter sofrido a influência do Cristianismo, se tornou muçulmana desde o séc VII.

Resulta claramente da exposição desses fatos que a presença política judia na Palestina se consumou quase ao princípio de nossa era e que o período durante o qual se manteve não deverá prevalecer contra a legitimidade árabe.

As vitórias árabes do séc VII, pondo fim a à dominação latino-romana, depois bizantina, sobre a Palestina, foram, para as comunidades cristãs e judias, uma libertação. O Império agonizante as tinha trancado, umas e outras, num regime de discriminação que uma literatura religiosa abundante descreveu sem indulgência. Cinco séculos depois da abolição desse regime, o caráter libertador do poder árabe foi exaltado por autores sírios, sobretudo por Michail, no 13º século.

Todas essas comunidades acolheram favoravelmente o reinado árabe e especialmente a comunidade judia, que ficou reconhecida à soberania árabe pela lealdade tradicional que não cessou de lhe testemunhar.

O período das Cruzadas foi marcado pela perseguição ao povo de Jerusalém e as destruições, de que sofreram todas as comunidades, muçulmana, judia e crista. Não foi senão com a conquista otomana da Palestina, em 1516, pelo Sultão Selim I, que a salvaguarda desses crentes pode ser assegurada. Foi o mesmo em outros lugares para os judeus. Não convém recordar que, no princípio do séc XVII, o Cardeal Ximeneses, Primeiro-Ministro do Rei de Espanha Fernando II, ordenou sua expulsão da Andaluzia - houve antes um êxodo de judeus da Espanha, após as perseguições de 1492. -, bem como a da minoria árabe que lá havia ficado? Os judeus, então, não encontraram refúgio senão no Maghreb árabe e no Império Otomano.

Ainda hoje, existem em Istambul, Izmir e outras cidades do Mediterrâneo oriental, comunidades judias espanholas que conservaram suas tradições, seus ritos e até sua antiga língua castelhana (algumas dessas comunidades falam uma língua derivada, o ladino). Assim foi graças à proteção de que puderam gozar sob o regime otomano e, depois, graças às imunidades inscritas nas Constituições dos Estados árabes modernos.

Quanto aos árabes, submetidos ao reino otomano desde o séc XVI, admiravam-no, porque estavam persuadidos de que que viviam sob o sistema tradicional do Califado islâmico. Entretanto, recobraram rapidamente um sentimento nacionalista e não tardaram a revoltar-se e sacudir o jugo otomano.

A ocasião para isso lhes foi dada pela Primeira Guerra Mundial, em que a Sublime Porta se encontrava envolvida, ao lado da Alemanha. Desencadearam então sua revolução libertadora, fortalecidos pelo apoio dos Aliados, que prometeram, numa correspondência conhecida sob o nome de "Correspondência Hussein-Mac Mahon", em 1915-1916, reconhecer a independência dos árabes, destacados do Império Otomano. Foram estas promessas, com efeito, que incitaram os árabes a revoltar-se, no verão de 1916. Empreenderam com êxito a libertação do Hedjaz, de onde seu exército partiu para ocupar Jericó e Damasco.

Ao mesmo tempo, a Grã-Bretanha desfechou, a partir do Egito, seu ataque à Palestina, em 1917, e dela se apoderou, graças à ajuda dos árabes. A Grã-Bretanha estabeleceu lá uma administração militar. Isso queri dizer que ela devia administrar aquele território sob essa forma até o dia em que seus habitantes, formados em 90% por árabes muçulmanos e cristãos, pudessem decidir livremente de sua sorte.

Os ensinamentos proporcionados pela análise desses fatos históricos se resumem assim:

a) As tribos hebraicas não constituem, de fato, senão uma das vagas de imigração, entre outras; e o reino dos judeus não pôde manter sua soberania na Palestina senão por um período muito limitado, que remonta, além disso, a mais de dois mil anos da época atual.

b) A Palestina, antes da chegada dos hebreus, foi sempre semita canaanita, isto é, árabe, dado que o semita é geograficamente de origem árabe. Foi cristanizada sob os impérios romanos e bizantino, sem que esse acontecimento, bem entendido, mudasse em nada seu caráter de terra árabe. Enfim, depois da queda de Bizâncio e das vitórias árabes do séc VII, ela conservou naturalmente seu estatuto de terra árabe, onde muçulmanos, cristãos e judeus viveram livres e pacíficos.

c) Os judeus reconheceram igualmente todas as obrigações decorrentes do Califado islâmico, assumindo esta última todas as obrigações decorrentes do Califado islâmico. Sob uma e outra, os judeus encontraram a proteção que nem o Império Bizantino nem os outros Estados europeus tinham querido conceder-lhes.
Parece assim que, desde há 2.000 anos, todo liame jurídico e político dos judeus com a Palestina estava rompido.
Os direitos históricos estão ligados ao exercício efetivo da soberania. Nessas condições, os judeus não poderia validamente invocá-los, pois então cabia permitir aos árabes a soberania sobre a Espanha, na qual reinaram durante cerca de oito séculos. Tais reivindicações não encontram qualquer apoio nas regras do Direito Internacional.

d) Em compensação, as reclamações formuladas pelos árabes, logo após a secessão da Palestina do Império Otomano, alimentam-se dos princípios mais sólidos do Direito Internacional, e principalmente do princípio da autodeterminação. Eles podem prevalecer-se das promessas feitas pela Grã-Bretanha na Correspondência Hussei-Mac Mahon, e especialmente na carta enderaçada pelo último ao Xerife hussein a 25 de outubro de 1915, em que a Inglaterra se declarava pronta a reconhecer a independência dos árabes, segundo as fronterias traçadas pelo Xerife, e a garantir a integridades dos Lugares Santos.

No entanto, a essa política se opôs o movimento sionista, que percorreu muitas etapas antes de chegar à forma política que lhe conferiu aquele que se pode considerar com seu fundador, o jornalista austríaco Theodor Herzl, autor do livro O Estado Judeu, publicado em 1896. Este último submeteu ao congresso reunido, sob sua instigação, na Basiléia, a 29 de agosto de 1897, a idéia da instituição de uma lar nacional judeu na Palestina. Conseguiu, apesar da oposição de muitas comunidades judias, fazer adotar pelo congresso um programa sionista par aa criação de uma pátria judia na Palestina, a qual agruparia os imigrantes judeus de diferentes países.

Para justificar essa solução, que deixou os judeus do mundo profundamente divididos, o movimento sionista desenvolveu o tema da existência de um povo judeu, de uma raça judia, de uma nação judia, e proclamou, contra toda a verdade, que os judeus são os descendentes dos antigos hebreus e não se ligam uns aos outros por laços apenas religiosos.

Era um ponto de vista surpreendente, tão surpreendente que os sionistas sentiram a necessidade lançar um vasto movimento de propaganda, visando a fazer com que partilhassem dessa "verdade" nova, ao mesmo tempo, os Estados europeus hesitantes em dar expressamente seu apoio ao estabelecimento de uma lar cional na Palestina, e os judeus disseminados por numerosos países, pouco convencidos de pertencerem a um mesmo povo, a uma mesma raça, a uma mesma nação.

Quando Weizmann, Presidente do movimento sionista, resvolveu empreender uma nação para pôr fim à iressolução das Potências aliadas, separadas pelas rivalidades coloniais e pouco desejosas de provocar reações desfavoráveis no mundo árabe, entabulou conversações principalmente com os representantes dos governos britânico e francês, Sykes e Picot.

Certos meios judeus, britânicos e outros, manifestaram sua oposição, frisando que as idêias sionistas contradiziam os princípios da religião judaica e enfraqueciam a posição dos judeus integrados nas sociedades européias. O Comitê judeu-norte-americano, bem como a aliança franco-judia, eram contrários ao movimento sionista por motivos idênticos.

Sir Edwin S. Montagu, Secretário de Estado para as Índias, no gabinete britânico de Lloyd George, que ratificou a Declaração Balfour, pela qual a Grã-Bretanha "prometia" a Palestina aos judeus, declarou, embora fosse judeu:

"O Sionismo sempre me pareceu uma crença política errada, que nenhum cidadão patriota do Reino Unido pode sustentar.

Se um judeu inglês tem os olhos fixos no Monte das Oliveiras e anseia pelo dia em que sacudirá a terra do solo birtânico de seus sapatos e irá entregar-se à agricultura na Palestina, parece-me que ele persegue objetivos incompatíveis com a cidadania britânica e admite ser inapto a participar da vida pública da Grã-Bretanha ou a ser tratado como um inglês...

Nego que atualmente a Palestina seja indissoluvelmente ligada com a sorte dos judeus...

É perfeitamente exato que a Palestina teve um papel importante na história judia, mas o teve igualmente na história cristã. O Templo se encontrava na Palestina, mas também o Sermão da Montanha e a Crucificação
" (Extraído dos documentos secretos publicados pelo Governo Inglês, referentes ao período da Declaração Balfour, em 1917. Texto número CAB, 24/24. Há tradução portuguesa editada pela Delegação da Liga dos Estados Árabes, Rio de Janeiro, 1969. )

O movimento sionista não prosseguiu menos em sua ação para fazer admitir a Palestina como "a inesquecível pátria histórica" dos judeus, a despeito dos desmentidos da História e da Sociologia, logo da ciência.

Com uma rara perseverança, apresentou os judeus como uma nação, um povo e uma raça - ver principalmente Marcel Bernfeld: Le sionisme, tese de doutorado em Direito. Paris, 1920, Jouve edt..p. 458. O autor era responsável pelo movimento sionista na França. Seria necessária muita indulgência para ler suas espantosas afirmações sobre os conceitos de nação, de raça, de povo. (Cf. a primeira parte do livro, intitulada "La nation juive", pp. 29-121).

E, entretanto, como mostrou, com numerosos outros, um perito de confissão judia, os judeus "não constituem um clã, uma tribo, uma nação, no sentido estrito desta palavra. À luz de seu passado, é estranho que se considere muitas vezes os judeus como uma raça distinta e se façam tantos esforços para prová-lo... Não existe nenhuma prova decisiva para pretender-se que os judeus formam uma entidade racial, pelo menos segundo os critérios tradicionais de uma classificação racial...", é o que afirma Harry L. Shapiro (Chefe do Departamento de Antropologia do Museu Norte-Americano de história Natural): Le peuple juif: une histoire biologique, Genebra, UNESCO, pp. 74-75. Também os trabalhos de Juan Comas, Professor de Antropologia na Universidade do México, sobre a noção de raça.

Os "direitos históricos" dos judeus sobre a Palestina aparecem ao exame como inexistentes. São tanto mais inconsistentes quanto os judeus chegados da Europa à Palestina não podem ser considerados herdeiros dos antigos hebreus da Terra Santa. Muitos europeus se converteram ao Judaísmo, na Idade Média. O reino turco dos Khazars, na Rússia do sudoeste, com seu soberano Bulan à frente, abraçou coletivamente a religião hebraica, no ano 740.

No séc XVIII, um grande movimento de conversão ao Judaísmo, animado pelos judeus bizantinos, empolgou os russos caucasianos, cujos descendentes, dispersos na Europa Central, na Rússia, na Polônia e nos Estados Unidos, deram a Israel seus imigrantes e até seus dirigentes políticos atuais. Houve também judeus amarelos, judeus negros de Malabar e de Cochin, e os "falashas" da Etiópia. Querer, em consequência, considerar os judeus como uma raça e um povo, quando não são nada mais do que uma comunidade religiosa, além do mais não homogênea, porque dividida em seitas*, é explorar abusivamente os sentimentos religiosos, como se verificará mais adiante.

O Sionismo não continua menos a fundamentar-se na expressão "judeus", ou "judaísmo", para salientar que ela não tem um caráter religioso, mas político, denotando a existência de uma certa nacionalidade judaica, distinta por sua raça, sua cultura, sua língua, sua história, suas aspirações.

Em suma, podem-se resumir assim todas as objeções a essas pretensões:

a) Os judeus não formam uma unidade racial homogênea. Se alguns judeus fanáticos crêem que são originários de elementos semitas puros e escolhidos, os estudos antropológicos desmentem essa crença, que não passa de puro mito. Na realidade, os judeus, são, como todos os outros agrupamentos religiosos, originários de diferentes raças.

b) Os judeus não têm uma língua comum, porque as línguas que falam são as da sociedades em que vivem. Daí, a pretensão sionista de ressuscitar a língua hebraica e difundi-la entre os judeus não ter outro objetivo que impor uma língua a sociedade a que ela é estrangeira.

c) Há tantas diversidades nos costumes e tradições dos judeus, quantas as sociedades diferetnes em que vivem.

d) Os judeus não têm história comum. Viveram, durante os últimos vinte séculos, disseminados por diferentes Estados. Adotaram os modos de vida dos povos em cujo meio vivem.
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Distinguem-se tradicionalmente os sefarades, judeus mediterrâneos e orientais; os asquenazes, judeus europeus; os karaítas, judeus do Iraque e do Egito, e os hassídicas, judeus do Quarteirão Mea Shaerim, de Jerusalém. Observemos de passagem que é de notoriedade pública praticar Israel discriminações, mesmo a respeito de judeus: os "orientais", sefarades e karaítas, são suas vítimas quotidianas. Cf. "Israel et pays arabes dans le Moyen-orient depuis 1948", Les Cahiers de l'Histoire. Paris, outubro-novembro de 1967, nº 70, pp. 18-23.
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A QUESTÃO CENTRAL: OS PRIMÓRDIOS DO SIONISMO


Desde meados do Século XIX O judaísmo conserva a esperança de que um dia todo o povo judaico disperso "regressará" ao que chama "a Terra/País de Israel", onde se reunirá e viverá como nação, observando rigorosa e integralmente a Lei divina. A nação judaica será assim "inteiramente liberta da servidão" das outras nações. A "redenção de Israel" transbordará, estendendo-se a todos os seres humanos e ao mundo inteiro. Tudo isso será obra de Deus, não do povo. Com efeito, a tradição religiosa vê na dispersão (diáspora) ou no exílio (termo mais corrente, embora historicamente inadequado) o castigo divino pelos pecados do povo, ao qual por conseguinte só o próprio Deus pode pôr fim.


Durante muitos séculos a utopia da "redenção de Israel" não transbordou do âmbito religioso, que é a sua matriz. Deu origem a peregrinações e a imigrações individuais ou de pequenos grupos que não modificaram o estatuto político da Palestina nem a sua composição étnica, a qual, apesar das numerosas mudanças políticas e religioso-culturais, parece ter permanecido relativamente estável desde fins do II milênio a. C. até fins do II milênio da era cristã.


A situação começou a mudar no século XIX. No contexto do triunfo das ideologias nacionalistas e da idéia do estado nacional, surgiu entre os judeus laicos da Europa central e oriental um movimento nacionalista secular cujo objetivo era a criação de um estado dos judeus, sendo este considerado como o único meio de assegurar a identidade e a sobrevivência da nação judaica, assim como de lhe garantir um lugar ao sol entre as demais nações. Para os seus partidários, o dito estado tomou de certo modo, sob uma forma secularizada, o lugar que a utopia da "redenção de Israel" ocupa na tradição religiosa. Contrariamente à reunião de "Israel" da utopia religiosa, o estado projetado pelos nacionalistas judeus não tinha necessariamente a Palestina por cenário. Com efeito, o seu principal promotor, Teodoro Herzl (Benjamin Ze'ev, 1860-1904)3, encarou a possibilidade de o criar na Argentina. Falou-se também de Chipre, da África oriental e do Congo.


Diga-se de passagem que a liberdade na escolha do futuro "território nacional" de que deram mostras os nacionalistas judaicos se explica pelo fato de se viver então na Europa no apogeu do sonho colonialista. Consideravam-se colonizáveis todos os territórios situados fora da Europa. Colonizá-los era tido por uma obra benemérita, pois era "civilizá-los".


Os nacionalistas judaicos não tardaram a optar pela Palestina. Essa escolha, embora não fosse necessária, era natural e particularmente mobilizadora, por causa da ligação do judaísmo à Palestina e da atração que ela exerce mesmo sobre muitos judeus que não são religiosos ou originários desse país. O nacionalismo judaico tomou assim o nome de sionismo, palavra que deriva de Sião, um dos nomes de Jerusalém na Bíblia. Repare-se também que a escolha da Palestina se enquadrava nos projetos coloniais das potências européias, sobretudo da Grã-Bretanha e da França, que preparavam a partilha dos despojos do império otomano decadente. Foi sem dúvida por isso que o projeto sionista vingou.


Durante décadas o sionismo foi um movimento de intelectuais askenazes4 laicos, sem base popular. Houve componentes do judaísmo, nomeadamente as grandes comunidades sefarditas5 da África do norte, que estiveram praticamente à margem desse movimento até à década de 1930 ou ainda mais tarde. No entanto, o sionismo acabou por provocar profundas divisões nas diferentes componentes do judaísmo, religioso e secular, askenaze, sefardita e pertencente a outros grupos. Embora se tenham atenuado ou transformado, essas divisões subsistem ainda hoje.


Para a maioria esmagadora dos rabinos da Europa central e oriental que se encontraram confrontados com ele, o projeto dos sionistas de criar o estado dos judeus, apoiando-se para isso nos seus próprios meios políticos, diplomáticos e econômicos, era a negação da esperança na "redenção de Israel" por iniciativa e obra exclusivas de Deus. Por isso, condenaram o sionismo como uma manifestação de orgulho, o pecado por excelência. O partido Agudat Israel (União/Associação de Israel) fundado em Kattowitz (Silésia, Polônia) em 1912, Encarnou essa posição. O dito partido propunha-se reunir todos os judeus fiéis à Lei para se oporem ao nacionalismo sionista considerado como uma ameaça mortal para o "autêntico judaísmo". No entanto, na década de 1930, o Agudat Israel mitigou, por pragmatismo, a sua oposição ao sionismo, aceitando que a Palestina se tornasse o refúgio para os judeus europeus perseguidos. Em 1948 reconheceu de fato as instituições do Estado de Israel. Participou em todas as eleições legislativas israelitas6 e em vários governos. No entanto, algumas facções minoritárias não aceitaram a mudança de orientação. Além de persistirem na negação da legitimidade religiosa do Estado de Israel e na recusa de qualquer colaboração com ele, tornaram-se críticos acérrimos da sua política. Entre os pequenos grupos representantes dessa tendência, o dos Neturei Karta (Guardiães da Cidade) é atualmente o mais conhecido.


Uma minoria entre os judeus religiosos da Europa central e oriental aceitou bastante cedo colaborar com os sionistas. Um dos primeiros expoentes desta posição foi o rabino Isaac Jacob Reines (1839-1915), nascido em Karolin, na Bielorússia. Na origem, essa posição tinha sobretudo por objetivo não deixar aos seculares o monopólio do socorro prestado aos judeus pobres e perseguidos. Encarnou-a o Mizrahi (Centro Espiritual) fundado em Vilnius (Lituânia) em 1902.


Segundo essa corrente do judaísmo religioso, nada impede a colaboração com o sionismo, pois este não é incompatível com a tradição. A razão que ela dá funda-se, paradoxalmente, no caráter inteiramente materialista e político do sionismo. Dado o seu teor, o sionismo não pode fazer concorrência à esperança messiânica, que se situa num plano completamente diferente. A idéia da coexistência pacífica do judaísmo religioso e do sionismo depressa cedeu o lugar a uma integração da ideologia sionista dentro do sistema religioso tradicional. O autor dessa integração foi o rabino Abraão Isaac Hacohen Kook (1865-1935) nascido em Griva na Letônia, primeiro Rabino-Mor askenaze da Palestina (1921-1935). Contrariamente aos seus homólogos do Agudat Israel, o rabino Kook vê no sionismo um instrumento de que Deus se serve para dar início à "redenção de Israel", e no Estado dos judeus a aurora da redenção ou do reino de Deus. Os principais herdeiros atuais desta concepção do sionismo são o Partido Nacional Religioso e o Guch Emunim (Bloco da Fé), que reúne os opositores mais irredutíveis à devolução de qualquer parcela da Cisjordânia e da Faixa de Gaza conquistadas por Israel em 1967, assim como os colonizadores mais zelosos desses territórios.


O sionismo provocou também clivagens entre os judeus secularizados. Uns abraçaram-no com mais ou menos entusiasmo e agiram ou não em conformidade, outros serviram-se dele para diferentes fins, outros olharam-no com indiferença e outros ainda rejeitaram-no terminantemente, por razões políticas, morais, culturais ou sociais. Além dos anti-sionistas religiosos, os autênticos adversários do sionismo são ainda hoje judeus seculares, o que é natural, na medida em que a questão diz diretamente respeito a uns e a outros.


O sionismo tornou-se popular entre os judeus, sobretudo entre os judeus seculares, da Europa oriental e central a partir de 1881 por causa dos numerosos ataques e pilhagens (pogroms, em russo) de que aí foram vítimas entre esse ano e 1921. De fato, foi a Europa oriental que forneceu os contingentes de emigrantes judeus que então foram instalar-se na Palestina. As duas primeiras vagas da emigração coincidiram aliás com as duas primeiras vagas de pogroms, que tiveram lugar respectivamente em 1881-1884 e em 1903-1906. A esmagadora maioria dos emigrantes era gente pobre e perseguida. Dirigiam-na intelectuais das classes médias. Estes fizeram financiar a operação por membros da burguesia judaica ocidental, européia e norte-americana, ansiosa por desviar da sua porta uma imigração popular judaica que iria contrariar os seus desígnios de "assimilação" nos países respectivos.


A Primeira Guerra Mundial e a Palestina


A Primeira Guerra Mundial teve conseqüências decisivas para a Palestina. As potências aliadas não esperaram pelo fim da guerra para preparar o desmantelamento e a liquidação do império turco, aliado da Alemanha. Procurando aproveitar-se do nacionalismo árabe, a Grã-Bretanha prometeu ao cherife Hussein de Meca o seu apoio para a criação de um estado árabe independente tendo por fronteira ocidental o mar Vermelho e o Mediterrâneo, em troca da revolta árabe contra a Turquia. De fato, a Palestina, que faz parte do território do anunciado estado árabe, era cobiçada ao mesmo tempo pela Grã-Bretanha e pela França, mas as duas potências admitiram o princípio da sua internacionalização nos acordos secretos de Sykes-Picot de 16 de Maio de 1916.


Esse fato não impediu a Grã-Bretanha de prometer no ano seguinte, na chamada Declaração Balfour, à Federação Sionista que faria todo o possível para o estabelecimento de "um lar nacional para o povo judaico" (a national home for the Jewish people) na Palestina. Para os sionistas, o circunlóquio "um lar nacional para o povo judaico" designava um estado judaico ou um estado dos judeus. O movimento sionista evitava o termo "estado", falando antes de "lar nacional" ou de "pátria", para não exacerbar a oposição turca ao projeto.


De fato, as forças britânicas, às quais se renderam as forças turcas em Jerusalém a 9 de Dezembro de 1917, terminaram a ocupação da Palestina em Setembro de 1918. A Palestina ficou então sob administração militar britânica, a qual foi substituída por uma administração civil a 1 de Julho de 1920. Entretanto, na Conferência da Paz reunida em Paris, em Janeiro de 1919, as Potências Aliadas decidiram que os territórios da Síria, do Líbano, da Palestina/Transjordânia e da Mesopotâmia não seriam devolvidos à Turquia, mas passariam a formar entidades distintas, administradas segundo o sistema dos Mandatos. Criado pelo artigo 22 do Pacto da Liga das Nações a 28 de Junho de 1919, o sistema dos Mandatos destinava-se a determinar o estatuto das colônias e dos territórios que se encontravam sob o domínio das nações vencidas.


O dito documento declara que "algumas comunidades outrora pertencentes ao Império Turco atingiram um estado de desenvolvimento" que permite reconhecê-las provisoriamente como nações independentes. Em relação a essas nações, o papel das potências mandatárias seria ajudá-las a instalar a sua administração nacional independente. O mesmo documento estipula ainda que os desejos dessas nações devem ser uma consideração principal (a principal consideration) na escolha da potência mandatária. Na conferência de San Remo a 25 de Abril de 1920, o Conselho Supremo Aliado repartiu os Mandatos para essas nações entre a França (Líbano e Síria) e a Grã-Bretanha (Mesopotâmia, Palestina/Transjordânia). O Mandato para a Palestina, que incorpora a Declaração Balfour sobre o estabelecimento do "lar nacional para o povo judaico", foi aprovado pelo Conselho da Liga das Nações a 24 de Julho de 1922, tornando-se efetivo a 29 de Setembro do mesmo ano. Ao abrigo do disposto no art. 25 do Mandato para a Palestina, o Conselho da Liga das Nações decidiu a 16 de Setembro de 1922 excluir a Transjordânia de todas as cláusulas relativas ao lar nacional judaico, e dotá-la com uma administração própria. De fato, o território que os sionistas pretendiam para nele estabelecer o seu estado era bastante mais vasto do que a Palestina. Abarcava também toda a parte oeste da Transjordânia, o planalto do Golã e a parte do Líbano a sul de Sidão.

Como previsto, todas essas nações se tornaram efetivamente independentes no curso das três décadas seguintes: O Iraque (Mesopotâmia) a 3 de Outubro de 1932; o Líbano, a 22 de Novembro de 1943; a Síria, a 1º de Janeiro de 1944 e, finalmente, a Transjordânia, a 22 de Março de 1946. A única exceção foi a Palestina.

O obstáculo que fez descarrilar o processo da independência da Palestina foi a adoção pela Liga das Nações, seguindo nisso as pegadas da Grã-Bretanha, do projeto sionista da criação do "lar nacional para o povo judaico" nesse país.

A Organização Sionista Mundial tinha entretanto amadurecido esse projeto e tinha-lhe granjeado apoios muito sólidos, vindo-lhe o principal da Grã-Bretanha. Esta expressou o seu patrocínio ao projeto sionista na já referida Declaração Balfour. Trata-se de uma carta que A. J. Balfour, Ministro dos Negócios Estrangeiros, escreveu, a 2 de Novembro de 1917, ao Lorde L. W. Rothschild, representante dos judeus britânicos, e, por seu intermédio, à Federação Sionista. Numa altura em que a Palestina ainda era oficialmente território turco, o Governo de Sua Majestade Britânica declara à Federação Sionista ver com bons olhos o estabelecimento de "um lar nacional para o povo judaico" nesse país e compromete-se a fazer todo o possível para facilitar a realização desse projeto. A carta acrescenta uma ressalva segundo a qual "nada deverá ser feito que prejudique os direitos cívicos e religiosos das comunidades não-judias que existem na Palestina". As ditas "comunidades não-judias" constituíam então um pouco mais de 90 % da população. De fato, em 1918, a Palestina tinha 700.000 habitantes: 644.000 árabes (574.000 muçulmanos e 70.000 cristãos) e 56.000 judeus.

A Declaração Balfour era originalmente um compromisso que a Grã-Bretanha assumia, por razões que lhe eram próprias, para com a Federação Sionista. Mas entretanto ela recebeu o aval das Principais Potências Aliadas e foi incorporada no Mandato para a Palestina, aprovado pela Liga das Nações a 24 de Julho de 1922. Com efeito, o essencial da Declaração Balfour é citado explicitamente no § 2 do preâmbulo do dito documento. É ainda reforçado no § 3, graças a dois elementos que não constavam na Declaração Balfour, isto é, a menção da ligação histórica do povo judaico com a Palestina e a idéia da reconstituição do seu lar nacional nesse país. Dos vinte e oito artigos do texto do Mandato seis têm por objeto o estabelecimento do lar nacional judaico ou medidas com ele relacionadas. O art. 2, que é o primeiro de caráter programático, começa assim:

"A (Potência) Mandatária terá a responsabilidade de pôr o país em condições políticas, administrativas e econômicas que assegurem/garantam o estabelecimento do lar nacional judaico (of the Jewish national home), como está estipulado no preâmbulo...".

Outros cinco artigos tratam de medidas destinadas a realizar esse programa. Essas medidas dizem respeito:

  • ao papel de conselheira de uma "Agência Judaica apropriada" nos diferentes domínios de governo (art. 4);
  • às facilidades que devem ser concedidas aos judeus nas questões relativas à imigração, assim como no que respeita à sua instalação no país, inclusive nas terras do Estado ou nos baldios (art. 6);
  • às facilidades que devem ser concedidas aos judeus na obtenção da nacionalidade (art. 7);
  • à concessão de obras e serviços públicos à Agência Judaica (art. 11b);
  • à imposição do hebraico como língua oficial ao lado do inglês e do árabe (art. 22), embora os judeus fossem então só um pouco mais de 11 % da população. A Palestina tinha nessa altura 757.182 habitantes, dos quais 83.794 eram judeus.

Sem excluir formalmente o objetivo normal do tipo de Mandato aplicado aos países árabes do império otomano, que era levar à plena independência a população que então os habitava, o Mandato para a Palestina tinha outro objetivo, que lhe era próprio, isto é, promover a criação de um lar nacional judaico – subentenda-se a criação de um estado judaico – com gente que, na sua maioria esmagadora, estava ainda espalhada pelo mundo e, por conseguinte, deveria ser trazida de fora. O seu documento fundante não deixa dúvidas de que o objetivo prioritário do Mandato para a Palestina – para não dizer o seu verdadeiro objetivo – era criar o lar nacional judaico. É verdade que o documento também menciona as comunidades não-judaicas então existentes na Palestina e os seus direitos cívicos e religiosos – não refere os seus direitos políticos – mas as suas menções vêm em segundo lugar e expressam-se sob a forma de ressalvas feitas às medidas destinadas a implementar o projeto sionista.

Graças ao Mandato para a Palestina, o patrocínio do projeto sionista, que era um elemento da política britânica, tornou-se política oficial da Liga das Nações. Esta não só deu ao projeto sionista a caução internacional mas forneceu-lhe também os meios para a sua realização. A Grã-Bretanha, a quem o Conselho Supremo Aliado (isto é, os vencedores da guerra) confiara o Mandato da Palestina, era sem dúvida alguma a potência mais indicada para implantar a política da Liga das Nações em relação a esse país. De fato, a administração britânica procurou cumprir fielmente enquanto pôde a missão que lhe fora confiada.

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