A grande virada americana

Obamania: É possível rebocar e pintar a velha Casa Branca, manchada pelos jarros de sangue que verteram de milhares de inocentes?

New Deal - A grande virada americana
Em 1933, Franklin Delano Roosevelt, o novo presidente dos Estados Unidos, apresenta-se como o salvador de uma nação economicamente esgotada. Seu objetivo é restaurar no país as sólidas bases sociais e administrativas que fizeram a grandeza dos EUA

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Vista aérea da construção das barragens de represa hidrelétrica, em 1935, no vale do Tennessee, pelo Tennessee Valey Authority (TVA), orgão federal destinado a assegurar o desenvolvimento econômico da região e a criação de empregos


















Em 4 de março de 1933, Franklin Delano Roosevelt torna-se presidente dos Estados Unidos. A crise econômica e social iniciada em outubro de 1929 arruína o país. Desaparece a confiança na prosperidade. Os especuladores arruinados não podem mais saldar suas dívidas. Os bancos reclamam sua parte. Como não conseguem reaver o dinheiro que lhes é devido, 659 bancos fecham suas portas em 1929, 1.352 em 1930, e 2.294 no ano seguinte. Obrigados a abrir falência, os industriais fecham as fábricas. O desemprego atinge índices astronômicos: 1,5 milhão de americanos em 1929, 13 milhões de homens e mulheres quatro anos mais tarde, ou seja, um quarto da população ativa. Se levarmos em conta que, há uma década, os agricultores sofrem com o excesso de produção e com as condições climáticas, compreenderemos o subconsumo, a miséria crescente e o pavor que assolam os EUA. É certo que não se trata da primeira crise econômica. Os especialistas pedem um pouco de paciência. Ou, conforme as palavras do presidente Herbert Hoover, a prosperidade está na próxima esquina. Isto não impede que os meses e os anos passem sem um vislumbre de recuperação. Os desempregados só podem contar com a caridade. Surgem acampamentos no centro das cidades, como, por exemplo, no Central Park, em Nova York. Os políticos propõem explicações que não convencem e são incapazes de descobrir soluções. Eles, assim como os cidadãos, estão perturbados. Franklin Roosevelt constitui uma exceção. Em 1928, fora eleito governador do estado de Nova York, sendo reeleito em 1930. Nascido em 1882, filho de família nobre, primo e depois sobrinho por afinidade do presidente Theodore Roosevelt, antigo secretário adjunto da Marinha durante a presidência de Woodrow Wilson, Roosevelt representa o novo Partido Democrata, mais aberto ao mundo urbano e atento às minorias étnicas. Ele está disposto a adotar todas as soluções, mesmo as contraditórias. Na eleição presidencial de 1932, Roosevelt restaura a esperança. Seu adversário republicano, o presidente Herbert Hoover, decepcionou a muitos e perde a batalha.


Roosevelt promete agir imediatamente. De março a junho de 1933, inúmeros projetos invadem o Congresso. A equipe do presidente, principalmente o Brain Trust, demonstra uma atividade febril. A 9 de março, uma lei reorganiza o sistema bancário e permite a reabertura dos bancos. A 20 de março, nova lei assegura o equilíbrio orçamentário. A 22 de março, inicia-se o processo que suspenderá a proibição das bebidas alcóolicas. Mas, sobretudo, nascem os órgãos federais.

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O otimismo do presidente Roosevelt foi fundamental para acalmar a desesperada nação americana. Assim conseguiu o apoio da sociedade
























O Civilian Conservation Corps
(CCC), conduzido por militares, empregará 250 mil pessoas, que passam a trabalhar nas estradas, florestas e parques nacionais. A Federal Emergency Relief Administration (Fera) destinará A retórica do presidente Roosevelt foi essencial para a recuperação da confiança e da auto-estima dos americanos US$ 500 milhões aos estados e municípios para que criem empregos. O Agricultural Adjustment Act (AAA) tenta remediar a crise agrícola limitando a superprodução, elevando os preços, e ajudando os fazendeiros que aceitarem reduzir a superfície cultivada. A Tennessee Valley Authority (TVA) valorizará o vale do Tennessee, construirá barragens hidrelétricas, facilitará a irrigação e assegurará o desenvolvimento regional. A National Industrial Recovery Act (Nira) visa dar novo vigor às atividades industriais, e confia aos empresários a iniciativa de concluir acordos com a ajuda do federal. O artigo 7 dessa lei garante aos trabalhadores o direito de formar sindicatos. A Civil Works Administration (CWA) dará assistência a 4 milhões de desempregados.


O método não se limita aos cem dias do programa. À medida que vários desses organismos vão desaparecendo, conforme o prazo fixado pela lei, são substituídos por outras administrações, formadas segundo o mesmo modelo. A Works Progress Administration (WPA) data de 1935 e é sucessora da Fera. A Securities Exchange Commission (SEC) cuida da regulamentação das operações da Bolsa. A Rural Electrification Administration (REA) recebe a missão de eletrificar as zonas rurais. A National Youth Administration (NYA) trata do desemprego dos jovens. O National Labor Relations Board (NLRB) controla o processo de negociações trabalhistas. A lista poderia ser aqui aumentada com o sistema de seguridade social, que nasce em 1935, as leis sobre o aluguel, sobre os seguros bancários, os impostos, a extração do carvão. Cada medida envolve a criação de secretarias, comitês e serviços para assegurar a aplicação da lei. É como se os Estados Unidos procurassem compensar seu atraso em relação às pesadas administrações européias.

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Família de lavradores fugidos da seca que atinge o estado de Oklahoma acampados em estrada da Califórnia, em 1936




























Roosevelt esforça-se
por responder a questões simples. Como restaurar a confiança dos americanos? O discurso é essencial. O presidente irradia otimismo a seus compatriotas. Permitam-me afirmar, declara em seu discurso de posse, que só temos uma coisa a temer: o próprio temor, o medo sem nome, irracional e sem justificativas. (...) Não fomos assolados pela invasão de alguma peste. (...) A abundância está na nossa porta. Roosevelt consegue encantar, é extraordinário na conversa, e um sedutor ainda mais eficaz diante dos infortúnios que o acometem. Como a poliomielite que, aos 39 anos, paralisa suas pernas, mas testemunha sua energia para enfrentar os desafios da vida. Ele é o grande comunicador dos anos 30. É também o herdeiro do progressismo, uma corrente de pensamento que surge no início do século XX. Os progressistas não têm a intenção de eliminar o capitalismo, revolucionar a sociedade ou instaurar o socialismo. Eles desejam humanizar as relações em uma nova economia. O capitalismo selvagem, acreditam, é perigoso. É preciso um contrapeso que só o governo federal pode fornecer. Ao lado,
ou fazendo frente ao Big Business, é preciso um Big Government e, para evitar os excessos de um e outro, um Big Labor, o poder sindical conforme o modelo americano: forte, independente dos partidos, e que reivindica. Roosevelt segue esta via quando cria, por exemplo, a Tennessee Valley Authority.

Em defesa da democracia

Ao mesmo tempo, porém, Roosevelt não deixa de percorrer outros caminhos. A Nira demonstra sua vontade de confiar nos empresários, ainda que não esqueça de associá-los aos funcionários e aos sindicatos. A lista de contradições é infindável. Para além da heterogeneidade das medidas, uma idéia- chave predomina: Washington ocupa, agora, a posição central, é onde as decisões são tomadas.

O governo federal torna-se o motor da vida econômica e social, intervindo em todos os domínios. Neste sentido, Roosevelt vai contra os seus predecessores. Ele não acredita mais na filosofia política do passado. É preciso que o país entre na modernidade. Nesses anos 30, propícios às aventuras políticas, Roosevelt poderia ter caído na armadilha da ditadura. Mas isto não ocorreu. Reeleito em 1936, 1940 e 1944, foi sempre o campeão da democracia, reforçando a autoridade presidencial, mas respeitando os direitos do Congresso, a Corte Suprema (apesar da reforma abortada de 1937), e a imprensa. Mas ele transformou profundamente o Partido Democrata.

De agora em diante, os negros, os operários e as minorias étnicas votarão, em sua maioria, nos democratas. Os segregacionistas do Sul, porém, não deixam, graças a uma tradição que remonta à Guerra de Secessão, de confiar no partido que se opôs ao republicano Lincoln. Constitui-se, assim, uma curiosa coalizão em torno de Roosevelt, coalizão que detém a maioria no Congresso e que sobreviverá até os anos 80. É incontestável o mérito do presidente, numa época em que nazistas, fascistas, demagogos e populistas dedicavam-se a atacar a democracia.


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O primeiro dos Civilian Conservation Corps começou a funcionar em Camp Roosevelt, na Virgínia. A criação desses orgãos federais gerou mais de 4 milhões de empregos













Críticas ao presidente


Esse sucesso não poupa Roosevelt das críticas. Os quadros administrativos aumentam na capital federal e nos estados e municípios. Para atender às novas necessidades, o partido majoritário fornece os homens e mulheres para as instituições. Engrenagem que suscita reações. Alguns acusam Roosevelt de encher as administrações com os simpatizantes do Partido Democrata. Outros acusam-no de abrir as portas aos subversivos e aos comunistas. A caça às bruxas começa.

A segunda crítica não é menos grave. Seis anos após a ascensão ao poder de Roosevelt, a crise não fora superada. Os índices econômicos são reveladores. O PIB de 1939 atinge com dificuldade o nível de 1929; e se o critério escolhido for o PIB per capita, o índice de 1939 é ligeiramente inferior. A produção industrial experimentou ligeira melhora em 1937, antes de cair novamente no ano seguinte e ganhar alguns pontos em 1939. O desemprego diminuiu. Todavia, há ainda 9,5 milhões de pessoas sem emprego, ou seja, 17% da população ativa. O desempregado de 1939 está, é certo, mais bem protegido do que o de 1929.

Mas o que colocará a economia americana nos trilhos será a produção de guerra. O New Deal teve êxito apenas relativo.



A DEMOCRACIA A CAMINHO: SEU DISCURSO DE POSSE
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Roosevelt promete resolver a crise econômica que assolava o país havia quatro anos















(...) “Nossa Constituição é tão simples e tão prática que sempre é possível atender necessidades extraordinárias mediante alterações de ênfase e de interpretação, sem que se abandone a forma essencial...


Podemos esperar que o jogo normal dos poderes Executivo e Legislativo seja perfeitamente adequado para realizar a tarefa que nos cabe. Mas a exigência de uma ação urgente, sem precedentes, pode exigir o abandono temporário do jogo normal do procedimento público.

Estou disposto a propor, em virtude de meu dever constitucional, as medidas que uma nação ferida em um mundo ferido pode exigir. Essas medidas, assim como todas as outras que o Congresso, em sua sabedoria e experiência, vier a elaborar, eu tentarei, nos limites de meu poder constitucional, implementar rapidamente. Mas, se o perigo nacional tornar-se crítico, não me furtarei ao dever evidente que precisarei então enfrentar.

Solicito ao Congresso a única arma que resta para combater a crise, um amplo poder executivo para ganhar a guerra contra o perigo, um poder tão amplo quanto aquele que me seria concedido se nossa nação estivesse invadida por um exército inimigo.” (Trecho do discurso de posse, de 4 de março de 1933)


BRAIN TRUST, OS INTELECTUAIS DE ROOSEVELT
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A intelligentsia americana disposta a colaborar com o presidente na construção de um novo EUA




















André Maurois falava do “grupo dos notáveis”, tradução da expressão inglesa brain trust, inventada pelo jornalista James Kieran. O brain trust nasceu durante a campanha para a eleição presidencial de 1932. Ele reunia universitários, trabalhadores da área social, jornalistas, economistas e juristas. Eram espíritos brilhantes, reformadores e desejosos de agir e aconselhar Franklin Roosevelt. Na linha de frente estavam Raymond Moley, de 36 anos, professor de Direito na Universidade de Colúmbia, em Nova York, Rexford Tugwell, seu colega de Colúmbia e especialista em questões agrícolas, e Adolf Berle, professor de Direito em Harvard e Colúmbia, especialista em mecanismos de crédito, sistema industrial e no papel do governo na vida econômica. Ao trio juntam-se Samuel Rosenman, Harry Hopkins, Bernard Baruch e Felix Frankfurter, para citar apenas os mais influentes. A equipe transborda de idéias e sugestões, redige discursos, elabora projetos e deixa-se às vezes infiltrar por simpatizantes do Partido Comunista. É a primeira vez nos EUA que um presidente recorre a um brain trust, no qual os políticos desempenham papel secundário.

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Obama: a realização do sonho de Luther King

A eleição do afro-americano Barack Hussein Obama para a presidiencia dos EUA realiza o sonho de Luther King Jr:”tenho um sonho de que um dia as pessoas seráo julgadas não pela cor de sua pele, mas pela força de seu caráter”. Tudo parece indicar que se iniciou, na política, um tempo pós-racista, pois tanto os eleitores quanto o cadidato não repararam a cor da pele mas a pessoa e suas idéias.

Esta eleição sinaliza também o fim da era dos fundamentalismos: do mercado, iniciado por Tatcher e Reagan, responsável pela atual crise econômico-financeira. E do político-religioso que alimentou a concepção imperial e belicosa da política externa dos EUA. Bush e Reagan acreditavam no Armageddon e no destino-manifesto, quer dizer, na excepcionalidade conferida por Deus aos EUA com a missão de levar a todo o mundo os valores da sociedade americana de cariz capitalista e individualista. Isso era feito por todos os meios, inclusive com conspirações, golpes de estado, articulados pela CIA e guerras “humanitárias”. Essa idéia de missão explica a arrogância dos presidentes, bem expressa numa frase do candidato McCain: “Os EUA são o farol e o líder do mundo. Podemos agir como bem entendemos: afinal somos o único poder da Terra. Os inimigos de ontem e de hoje hão de temer o nosso porrete”.

Bush criou o terrorismo de estado, constituindo-se no maior perigo para a humanidade. Não há de se admirar que tenha levado a uma ampla desmoralização do pais, inclusive a um anti-americanismo generalizado no mundo.

Essa atitude parece ter sido superada com Obama. À estratégia da guerra e do intervencionismo, ele opoõe a do dialogo aberto com todos, até com os talibãs. Enfatizou:”é preciso mais que tudo dialogar; a saída é uma ampla negociação e não apenas ataques aéreos e matança de civis”. Ele está convencido de que os EUA não merecem ganhar a guerra contra o Iraque porque está assentada sobre uma mentira e por isso, é injustificável.

Mas mais que tudo, ele soube captar o que estava latente na sociedade especialmente nos jovens: a necessidade de mudança. “Change”-mudança foi a grande palavra geradora. Suscitou esperança e auto-estima:”sim nós podemos”. Atirou as atenções para o futuro e para as oportunidades novas que se estão desenhando e não para a continuidade do passado e do presente desolador. Com isso falou para a profundade das pessoas e as mobilizou para dar um salto absolutamente inesperado e novo: eleger um negro, representante de uma tragédia humana que envergonha a história americana, de resto com páginas brilhantes de liberdade, de criatividade, de democracia, de ciência, de técnica e de artes que enobrecem cultura norte-americana. Obama deixou claro que a real força dos EUA não reside nas armas mas nestes valores morais e no potencial de esperança que vige no povo.

A eleição de Obama parece possuir algo de providencial, como se fora um gesto da compaixão divina para com a humanidade. Vivemos tempos dramáticos com grandes crises: a ecológica, a climática, a alimentar, a energética e a econômica. O arsenal conceptual e pratico disponível não oferece condições para forjar uma saída libertadora. Precisamos de uma mudança, de um novo horizonte utópico, de coragem para inventar novos caminhos. Faz-se necessário uma figura carismática que inspire confiança, segurança e serenidade para enfrentar estes cataclismos e galvanizar as pessoas para um novo ensaio de convivência, um modo diferente de arquitetar a economia e de montar um tipo de globalização pluripolar que respeite as diferenças e possa incluir a todos num mesmo destino juntamente com a Casa Comum, a Terra.

Barack Obama preenche estas exigências de carisma. Se for realmente profunda, a esperança criará seu caminho por entre os escolhos e as ruínas da velha ordem.

Por Leonardo Boff - 14/nov/2008
Assista aqui a festa da posse do novo presidente do império decadente, ao vivo

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