A última tentação de Cristo

"Que homem, que é homem, não deseja um mundo melhor?" (N. Kazantzakis)

Este texto é uma pequena e modesta homenagem feita a um dos maiores escritores contemporâneos: Nikos Kazantzakis.

Um grego que traz nas veias o espírito da grécia mitológica e que ao falar, toca profundamente o coração de cada leitor, pois ele usa a linguagem universal e descreve os anseios mais íntimos do ser humano.

A ele a nossa mais pofunda gratidão...

A Dualidade

"A essência dual de Cristo - o anseio tão humano, tão sublime do homem de alcançar Deus; ou, para ser mais preciso, de voltar a Deus e de com ele se identificar -, essa essência sempre foi para mim um mistério profundo e inescrutável. Essa nostalgia por Deus, ao mesmo tempo tão real e tão insondável, abriu em mim grandes chagas e também fez brotar poderosos mananciais.

Desde a adolescência, minha principal aflição e a origem de todas as minhas alegrias e tristezas foram a batalha incessante e impiedosa entre a carne e o espírito.

Convivem dentro de mim as sombrias forças imemoriais do Mal, as humanas bem como as pré-humanas. Estão também dentro de mim as forças luminosas, tanto as humanas quanto as pré-humanas, de Deus. Minha alma é a arena em que esses dois exércitos se encontraram e se entrechocaram.

A agonia foi intensa. Eu amava meu corpo e não queria que ele perecesse; amava minha alma e não queria que ela se corrompesse. Lutei muito para conciliar essas duas forças primevas, tão opostas entre si, para fazer com que elas percebessem que não são inimigas, mas sim, companheiras, de forma que elas pudessem se alegrar na harmonia e que eu também pudesse com isso me alegrar.

Todo homem participa da natureza divina tanto em seu espírito quanto em sua carne. É por esse motivo que o mistério de Cristo não é simplesmente um mistério exclusivo de um credo específico: ele é universal. Eclode em todos o combate entre Deus e o homem, acompanhado do anseio pela reconciliação.

Na maioria das vezes é um combate inconsciente e efêmero. Uma alma fraca não tem a capacidade de resistir à carne por muito tempo. Torna-se pesada; transforma-se ela própria em carne, e a luta termina. Entre os homens responsáveis, homens que dia e noite mantêm os olhos concentrados no Dever Supremo, o conflito entre a carne e o espírito irrompe sem tréguas e pode se estender até a morte.

Quanto mais fortes a alma e o corpo, mais frutífero será o combate e mais ampla a harmonia final. Deus não ama as almas fracas e as carnes flácidas. 0 Espírito quer enfrentar uma carne que. seja forte e que lhe ofereça resistência. É ave carnívora, dotada de fome insaciável; ela devora a carne e, ao assimilá-la, faz com que desapareça.

A batalha entre a carne e o espírito, a rebeldia e a resistência, a reconciliação e a submissão, e finalmente - o supremo objetivo do combate - a união com Deus. Foi esse o árduo caminho que Cristo palmilhou, a ascensão que ele nos convida a tentar, seguindo pela sangrenta trilha que nos deixou.

É este o Dever Supremo do homem que luta: partir na direção do cume altaneiro que Cristo, o primogênito da Salvação, atingiu.

Por onde podemos começar?
Se quisermos ser capazes de seguir seu exemplo, será preciso que tenhamos um profundo conhecimento do seu conflito; que revivamos sua agonia: sua vitória sobre as ciladas do mundo, sua renúncia às grandes e pequenas alegrias dos homens e sua ascensão de sacrifício em sacrifício, de prodígio em prodígio, até o apogeu do martírio, a Cruz.

Jamais acompanhei a tremenda jornada de Cristo até o Gólgota com tanto terror; jamais revivi sua Vida e Paixão com tanta compreensão e tanto amor quanto nos dias e noites em que escrevi "A Última Tentação de Cristo".

Enquanto registrava esta confissão da angústia e da grande esperança da humanidade, ficava comovido a ponto de meus olhos se encherem de lágrimas. Nunca antes eu sentira o sangue de Cristo cair gota a gota em meu coração com tanta suavidade, com tanta dor.

Para poder se alçar até a Cruz, o ápice do sacrifício, e até Deus, o ápice da imaterialidade, Cristo passou por todos os estágios que o homem que luta tem de atravessar. É por esse motivo que seu sofrimento nos é tão familiar; é por isso que participamos dele e é por isso que sua vitória final se assemelha tanto à nossa própria vitória futura.

Aquela parte da natureza de Cristo que era profundamente humana ajuda-nos a compreendê-lo, a amá-lo e a nos dedi-carmos à sua Paixão como se nossa fosse. Se dentro de si Cristo não tivesse esse cálido elemento humano, ele jamais conseguiria tocar nossos corações com tanta segurança e ternura; não conseguiria tornar-se um modelo para nossas vidas. Nós lutamos, vemos que ele também luta, e nisso encontramos força. Percebemos que não estamos totalmente sós rio mundo: ele combate ao nosso lado.

Cada momento da vida de Cristo é um conflito e uma vitória. Ele superou o encanto irresistível dos simples prazeres humanos; superou as tentações, transubstanciou incessantemente a carne em espírito e se elevou. Ao atingir o topo do Gólgota, ainda galgou a Cruz.

Mesmo ali, porém, sua luta não estava terminada. A tentação - a última tentação - esperava por ele na própria Cruz. Diante dos olhos esmorecidos do Crucificado, o espírito do Mal, num Lampejo momentâneo, desdobrou a visão ilusória de uma vida tranqüila e feliz. Pareceu a Cristo que ele havia optado pela estrada amena e sossegada dos homens. Casara-se e tivera filhos. As pessoas o amavam e respeitavam. Agora, velho, sentado ao portal de sua casa, ele sorria com satisfação quando recordava os anseios de sua juventude. Como fora sensato, que esplêndida decisão tomara ao escolher o caminho dos homens!

Que insanidade ter desejado salvar o mundo! Que alegria ter escapado das privações, das torturas da Cruz!

Foi essa a última tentação, que surgiu num lampejo para perturbar os momentos finais do Salvador.

Entretanto, Cristo imediatamente sacudiu a cabeça com violência, abriu os olhos e viu. Não, ele não era um traidor, glória a Deus! Não era um desertor. Cumprira a missão que o Senhor lhe confiara. Não se casara, não vivera uma existência feliz. Alcançara o extremo sacrifício: fora pregado à Cruz.

Contente, ele fechou os olhos. E ouviu-se um terrível brado de triunfo:
Está consumado! Em outras palavras: Cumpri meu dever, estou sendo crucifi-cado, não caí em tentação. . .

Escrevi este livro porque desejava oferecer um modelo supre-mo ao homem disposto a lutar; queria mostrar-lhe que ele não deve temer a dor, a tentação, ou a morte, porque todas as três podem ser superadas; todas as três já foram superadas.

Cristo sofreu a dor, e desde então a dor foi santificada.

A Tentação se esforçou até o último instante para desviá-lo do caminho, e a Tentação foi subjugada. Cristo morreu na Cruz, e naquele instante a morte foi para sempre derrotada.

Cada obstáculo na sua jornada tornou-se um marco, uma ocasião para maior regozijo. Temos agora diante de nós um modelo que nos ilumina o caminho e nos dá força.

Este livro não é uma biografia; é a confissão de todos os homens que lutam.

Ao publicá-lo, estou cumprindo meu dever, o dever de alguém que muito lutou, que foi muito amargurado pela vida e que nutriu muitas esperanças.

Tenho certeza de que todos os homens livres que lerem este livro, tão repleto de amor como é, amarão a Cristo mais do que antes, com um amor mais profundo do que antes.

O Autor e sua Obra
A 18 de fevereiro de 1883, na pequena cidade de Heraklion, ilha de Creta, nasceu Nikos Kazantzakis.

Em 1857, sua família transferiu-se para a ilha de Naxos, onde ele iniciou os estudos. Aluno brilhante, demonstrava sempre um grande interesse pela leitura dos livros que ganhava como prêmio.

Em 1902, iniciou o curso de direito, em Atenas. Seu aproveitamento, como de costume, foi notável. Todavia, nem o contato com a cultura e a ciência, nem a vida na cidade pareciam-lhe suficientes. Só o ato de escrever era uma espécie de alívio. E, em 1907, vence o concurso literário da universidade com sua primeira obra, a peça “Desponta o dia”.

No mesmo ano, seu espírito inquieto e angustiado leva-o além dos limites dos muros da Universidade de Atenas. Inicia uma série de viagens e peregrinações: Peloponeso, Creta, Monte Atos, Santo Sepulcro, Itália e França.

Em outubro de 1907, fixou-se em Paris. Ali, a leitura da obra de Nietzsche “Assim falou Zaratustra” foi, segundo o autor, “o instante mais decisivo da minha vida”.

Também o contato com o professor Henri Bérgson – e sua doutrina de que o destino do homem só depende da vontade, do próprio impulso vital – exerceu grande influencia nessa nova etapa da existência de Kazantzakis.

Em 1910, retornou à Grécia, onde, um ano depois, casou com Galatéia Alexou. A união durou até o ano de 1923. Durante esse tempo, ele continuou com suas viagens, nas quais tomou conhecimento do marxismo, de Lênin e da Revolução Soviética.

Todavia, isso não o afastou da literatura: são dessa época o romance “Asceses” e uma versão da “Odisséia”, na qual trabalhou doze anos.

Até o início da Segunda Guerra Mundial, Kazantzakis traduziu “Fausto” de Goethe e “Otelo” de Shakespeare, escreveu a peça teatral “Jardim dos Penhascos”, presenciou como jornalista a Guerra Civil Espanhola, e continuou sua viagens através de países e continentes.

Durante a guerra, Kazantzakis retornou à Grécia, então sob ocupação alemã. Nesse tempo, escreveu “Zorba, o grego”, romance sobre um homem simples e puro que ele conhecera e que o havia marcado profundamente. A resistência dos gregos contra o domínio nazista foi descrita na tragédia “Prometeu”.

No ano de 1945, encerrado o conflito, Kazantzakis, um socialista moderado, engajou-se na vida política. Durante alguns meses foi ministro socialista, abandonando o posto devido a um compromisso maior: escrever. Casou-se novamente, e descobriu que tinha poucos anos de vida, pois estava com leucemia.

Uma reviravolta política obrigou-o a ir para o exílio. Em Antibes, o autor viveu seu período mais criativo (1948-50). Iniciou o romance “O Cristo recrucificado”, que não é autobiográfico, mas contém toda a sua vida: a infância, seu pai, o massacre da aldeia pelos turcos, as pessoas que conheceu e os fatos que testemunhou.

Produziu ainda “A Última Tentação de Cristo”, “Os irmãos inimigos”, “Capitão Michelis”, “Sodoma e Gomorra”, e sua ultima obra, “Carta a El Greco”, escrita em 1956.

O trabalho e a doença não lhe impediam as eternas peregrinações. Em 1957, viajou pelo Extremo Oriente. O esforço foi demasiado, e, a 26 de outubro, Kazantzakis morria em Friburgo, Germânia.


Desculpem-me meus imaginários leitores, mas não resisti. Eis cá mais uma das partes do romance O Evangelho Segundo Jesus Cristo.

A própria parte por si mesma dispensa comentários… Só digo que é um Gozo, um brilhante Gozo de sorriso estampado na face.

"Antes desta parte, Jesus cria afinidades com um cordeiro que tinha comprado para o sacrifício de páscoa, não o matando. Sai em direção a Jerusalém para fazer o sacrifício, e, pouco antes de chegar ao Templo, negligenciando as Leis, desiste de entregar a ovelha.

Volta para o vale Ayalon, onde estava seu rebanho junto com Pastor e chegando lá, já com as afinidades criadas, marca-a com um corte na orelha para que pudesse reconhecê-la entre as outras ovelhas. Feito isto, acontece de a ovelha se separar do rebanho e perder-se no deserto. Jesus vai à procura da ovelha, mas lá encontra outra coisa.

(…)


Este deserto de aqui não é uma daquelas largas, longas e conhecidas extensões de areia que o mesmo nome usam. Este deserto de aqui é mais um mar de secas e duras colinas arenosas, encavaladas umas nas outras, criando um labirinto inextricável de vales, no fundo dos quais mal sobrevivem umas raras plantas que aprecem só feitas de espinhos e cerdas, e a que talvez pudessem atrever-se as sólidas gengivas duma cabra, mas que rasgariam, ao primeiro contacto, os beiços sensíveis duma ovelha.

Este deserto de aqui é mais assustador do que os formados apenas de lisas areias ou daquelas dunas instáveis que mudam constantemente de forma e de feito, neste deserto cada colina oculta e anuncia a ameaça que nos espera na colina seguinte, e, quando a esta chegámos, tremendo, logo sentimos que a ameaça, a mesma, passou para trás das nossas costas.

Aqui, o grito que dermos não responderá, pelo eco, à voz que o atirou, o que ouviremos, sim, em resposta, é as próprias colinas gritando, ou o desconhecido, o não sabido, que nelas teima em esconder-se.

Eis que, pois, munido somente de sua cajado e alforge, Jesus entrou no deserto. Poucos passos adiante, mal acabara de cruzar o limiar do mundo, percebeu, subitamente, que as velhas sandálias que haviam sido de seu pai se lhe estavam desfazendo debaixo dos pés.

Muito tinham durado, ainda assim, pela virtude remendeira das tombas nelas lançadas assiduamente, às vezes in extremis, mas agora as artes cordoeiras e sapateiras de Jesus já não podiam acudir a sandálias que tantos e tantos caminhos tinham andado e tanto suor amassado em pó.

Como se estivessem obedecendo a uma ordem, esgarçavam-se os últimos fios, soltavam-se, frouxas, as tiras, partiam-se sem remédio os atilhos, em menos tempo do que o que levou a contar ficaram descalços os pés de Jesus, sobre os restos. Lembrou-se o rapaz, chamamos-lhe assim por hábito adquirido, que aos dezoito anos, sendo judeu, mais é homem feito e refeito do que mocinho adolescente, lembrou-se Jesus das suas antigas sandálias, transportadas todo este tempo no alforge como uma relíquia sentimental do passado, e, movido por uma vã esperança, tentou calçá-las.

Razão tivera Pastor quando lhe disse, Pés que crescem não voltam a encolher, a Jesus custava-lhe a entender que alguma vez os seus pés tivessem podido caber nestas sandálias, minúsculas. Estava descalço frente ao deserto, como Adão quando o expulsaram do paraíso, e, tal como ele, hesitou antes de dar o primeiro doloroso passo sobre o torturado chão que o chamava.

Mas depois, sem ter-se perguntado por que o ia fazer, talvez só porque de Adão se lembrara, deixa cair o alforge e o cajado, e, levantando a túnica pela fímbria, fê-la sair por cima da cabeça numa só gesto, ficando, como Adão, nu.

Aqui, onde está, já não o vê Pastor, nenhum borrego curioso o seguiu, do ar vêem-no apenas os poucos pássaros que por esta fronteira ainda se atrevem, e os bichos da terra, que são formigas, alguma escolopendra, um lacrau que, de susto, levanta o arguilhão venenoso, estes não têm memória de homem nu nestes sítios, nem sabem para que serve.

Se o perguntassem a Jesus, Por que te desnudaste, talvez ele respondesse de uma maneira incompreensível para o entendimento de heminópteros, miriápodes e aracnídeos,

_Ao deserto só é possível ir nu. Nu, dizemos nós, apesar dos espinhos que rasgam a pele e arrepelam os pêlos do púbis, nu apesar das arestas que cortam e das areias que esfolam, nu apesar do sol que queima, reverbera e deslumbra, nu, enfim, para procurar a ovelha perdida, aquela que nos pertence porque com a nossa marca a marcamos.

O deserto abre-se aos passos de Jesus, par logo se fechar, como se lhe cortasse o cominho retirada. O silêncio ressoa nos ouvidos com o som de um búzio, daqueles que vêm mortos e vazios à praia e ali se deixam ficar, a encherem-se do vasto rumor das ondas, até que alguém passa e os encontra e, levando-os devagar ao ouvido, põe-se à escuta e diz, O deserto.

Os pés de Jesus sangram, o sol afasta as nuvens para feri-lo de espada nos ombros, os espinhos cortam-lhe a pele das pernas como unhas sôfregas, as cerdas chicoteiam-no, Ovelha, onde estás, grita ele, e as colinas passam palavra, Onde estás, onde estás, dissessem elas isto apenas e saberíamos, enfim, o que é o eco perfeito, mas o longo e remoto som do búzio sobrepõe-se, murmurando, Deeeeeeuuus, Deeeeeeuuus, Deeeeeeuuus.

Então, como se de súbito as colinas se tivessem arredado do seu caminho, Jesus saiu do labirinto dos vales para um espaço circular liso e arenoso onde, no centro exacto, viu a ovelha. Correu para ela, tanto quanto lho permitiam os pés feridos, mas uma voz deteve-o, Espera. Uma nuvem da altura de dois homens, que era como uma coluna de fumo girando lentamente sobre si mesma, estava diante dele, e a voz viera da nuvem.

_Quem me fala, perguntou Jesus, arrepiado, mas adivinhado já a resposta.

A voz disse:

_ Eu sou o Senhor, e Jesus soube por que tivera de despir-se no limiar do deserto.

_Trouxeste-me aqui, que queres de mim, perguntou.

_ Por enquanto nada, mas um dia hei-de querer tudo, Que é tudo, A vida, Tu és o Senhor, sempre vais levando de nós as vidas que nos dá, Não tenho outro remédio, não podia deixar atravancar-se o mundo, E a minha vida, quere-la para quê, Não é ainda tempo de o saberes, ainda tens muito que viver, mas venho anunciar-te, para que vás bem dispondo o espírito e o corpo, que é de ventura suprema o destino que estou a preparar para ti,

_ Senhor, meu Senhor, não compreendo nem o que dizes nem o que queres de mim, Terás o poder e a glória, Que poder, que glória,

_ Sabê-lo-ás quando chegar a hora de te chamar outra vez, Quando será, Não tenhas pressa, vive a tua vida como puderes,

_ Senhor eis-me aqui, se nu me trouxeste diante de ti, não demores, dá-me hoje o que tens guardado para dar-me amanhã,

_ Quem te disse que tenciono dar-te alguma coisa,

_ Prometeste, Uma troca, nada mais que uma troca, A minha vida por não sei que pago, O poder, E a glória, não me esqueci, mas se não me dizer que poder, e sobre quê, que glória, e perante quem, será como uma promessa que veio cedo demais,

_ Tornarás a encontrar-me quando estiveres preparado, mas os meus sinais acompanhar-te-ão desde agora,

_ Senhor diz-me,

_ Cala-te, não perguntes mais, a hora chegará, nem antes nem depois, e então saberás o que eu quero de ti,

_ Ouvir-te, meu Senhor, é obedecer, mas tenho de fazer-te ainda uma pergunta,

_ Não me aborreças,

_ Senhor, é preciso,

_ Fala,

_ Posso levar a minha ovelha,

_ Ah, era isso,

_ Sim, era só isso, posso,

_ Não,

_ Por quê?

_ Porque ma vais sacrificar como penhor da aliança que acabo de celebrar contigo, Esta ovelha,

_ Sim, Sacrifico-te outra, vou ali ao rebanho e volto já,

_ Não me contraries, quero esta,

_ Mas repara, Senhor, que tem defeito, a orelha cortada,

_ Enganas-te, a orelha está intacta, repara,

_ Como é possível,

_ Eu sou o Senhor, e ao Senhor nada é impossível,

_ Mas esta é a minha ovelha,

_ Outra vez te enganas, o cordeiro era meu e tu tiraste-mo, agora a velha paga a dívida,

_ Seja como queres, o mundo todo pertence-te e eu sou o teu servo,

_ Sacrifica então, ou não haverá aliança,

_ Mas vê, Senhor, que estou nu, não tenho cutelo nem faca, estas palavras disse-as Jesus cheio de esperança de poder ainda salvar a vida da ovelha, e Deus respondeu-lhe:

_ Não seria eu o Senhor se não pudesse resolver-te essa dificuldade, aí tens,

Palavras não eram dita, apareceu aos pés de Jesus um cutelo novo,

_ Vá, despacha-te, tenho mais que fazer, disse Deus, não posso ficar aqui eternamente.

Jesus empunhou o cutelo, avançou para a ovelha que levantava a cabeça, hesitante em reconhecê-lo, pois nunca o tinha visto nu, e, como é por de mais sabido, o olfato destes animais não vale grande coisa.

_ Estás a chorar, perguntou Deus,

_ Tenho olhos sempre assim, disse Jesus.

O cutelo subiu, tomou o ângulo do golpe, e caiu velozmente como o machado das execuções ou a guilhotina que ainda falta inventar. A ovelha não soltou um som, apenas se ouviu,

_ Aaaah, era Deus suspirando de satisfação. Jesus perguntou:

_ E agora, posso-me ir embora,

_ Podes, e não te esqueças a partir de hoje pertences-me, pelo sangue,

_ Como devo ir-me de ti,

Em principio, tanto faz, para mim não há frente nem costas, mas o costume é ir recuando e fazendo vênias,

_ Senhor,

_ Que enfadonho és, homem que temos mais agora, O pastor do rebanho,

_ Que pastor,

_ O que anda comigo agora,

_ Quê, É um anjo, ou um demónio,

_ É alguém que eu conheço,

_ Mas diz-me, é anjo, é demônio,

_ Já to disse, para Deus não há frente nem costas, passa bem.

A coluna de fumo estava e deixou de estar, a ovelha desaparecera, só o sangue ainda se percebia, e esse procurava esconder-se na terra.

Quando Jesus chegou ao campo, Pastor olhou-o fixamente e perguntou:

_ A ovelha, e ele respondeu:

_ Encontrei Deus,

_ Não te perguntei se encontraste Deus, perguntei-te se achaste a ovelha,

_ Sacrifiquei-a,

_ Por quê,

_ Deus estava lá, teve de ser.

Com a ponta do cajado, Pastor fez um risco no chão, fundo como rego de arado, intransponível como uma vala de fogo, depois disse:

_ Não aprendeste nada, vai.

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