OS MEIOS ELETRÔNICOS E A EDUCAÇÃO:
"Deixe as crianças serem infantis:não lhes permita o acesso a TV, jogos eletrônicos e computadores/Internet!"
Valdemar Setzer
Televisão, jogo eletrônico e computador
Por Valdemar W. Setzer
1. Introdução
Este artigo foi escrito originalmente em espanhol como texto para um workshop realizado no Festival IDRIART La Educación Encerra un Tesoro, realizado em San Salvador, em março de 1998 (ver essa versão em meu site). Ele foi traduzido para o português por Ana Vieira Pereira e revisto e ampliado por mim. É o primeiro artigo de meu livro sobre meios eletrônicos e educação [Setzer, 2001, p. 15-39].
Este artigo foi escrito originalmente em espanhol como texto para um workshop realizado no Festival IDRIART La Educación Encerra un Tesoro, realizado em San Salvador, em março de 1998 (ver essa versão em meu site). Ele foi traduzido para o português por Ana Vieira Pereira e revisto e ampliado por mim. É o primeiro artigo de meu livro sobre meios eletrônicos e educação [Setzer, 2001, p. 15-39].
Neste ensaio descrevo brevemente, de um ponto de vista fenomenológico, os aparelhos de televisão, videogame e computador e a atitude daqueles que os usam. Em seguida, abordo o seu impacto no âmbito educacional. A abordagem conjunta dos três meios permite uma interessante comparação entre eles com relação à sua influência nos seus usuários, percebendo-se que cada um atua primordialmente numa região da atividade interior das pessoas. Artigos publicados em [Setzer, 2001] expandem ou especializam as considerações sobre cada um dos aparelhos (ver também artigos em meu site). As minhas considerações estão baseadas na Pedagogia Waldorf [Lanz, 1998], introduzida por Rudolf Steiner em 1919 e utilizada em mais de 800 escolas espalhadas pelo mundo.
2. A televisão
2.1 O aparelho
A televisão é um aparelho baseado num tubo de raios catódicos. Nele, um filamento é aquecido, formando à sua volta o que se chama de "nuvem de elétrons". Uma diferença muito grande de potencial elétrico (no caso de uma TV a cores, 25.000V) entre o filamento e a tela metalizada arranca os elétrons dessa nuvem, que deixam o filamento sob a forma de um feixe e encontram a tela; é no ponto de contato com ela que o fósforo da tela emite luz. O feixe é deslocado magneticamente, fazendo o que se chama de "varredura" (scanning), um caminho na tela por linha - primeiro as linhas ímpares, depois as pares, diminuindo-se assim o efeito de piscar (flickering).
É interessante notar que a imagem nunca se encontra completa na tela, pois, quando o feixe volta para um ponto por onde já passou, este deve estar completamente "apagado", senão haveria sobreposição e a imagem deixaria de ser nítida. Assim, a imagem é formada de fato na retina, pela sua retenção luminosa, contrariamente a objetos observados pela visão. Uma variação na intensidade do raio produz pontos mais ou menos luminosos. No caso da TV a cores, há uma máscara com seqüências de três pontos vizinhos: vermelho, verde e azul; a combinação de diferentes intensidades do feixe em cada elemento de um conjunto desses três pontos produz no telespectador uma ilusão de cores. Cada imagem é formada 30 vezes por segundo, dividida em linhas formadas seqüencialmente por meio de pontos. No cinema, as imagens são formadas por quadros completos (24 por segundo) e não por linhas de pontos.
A imagem é muito grosseira: são cerca de 300.000 pontos - só para efeito de comparação, a retina tem cerca de 150 milhões de células sensíveis à luz. Assim, não é possível distinguir-se a expressão de uma pessoa se ela está focada por inteiro. Por isso nas novelas e nos telejornais somente o rosto é focado - como será visto adiante, a expressão da pessoa é fundamental na transmissão. Compare-se também nossa acuidade visual ao olharmos uma árvore a certa distância, vendo-se nitidamente as folhas; se ela é focalizada pela câmera de TV por inteiro, as folhas não podem ser distinguidas na tela.
Como no cinema, a televisão pode ser caracterizada como um sistema de imagens consecutivas, dando a impressão de movimento, com som sincronizado. Diferenças fundamentais são os fatos de que o aparelho é muito pequeno, e a tela de cinema é grande (o que exige movimentação dos olhos), e a imagem do cinema é muitíssimo mais fina e projetada por inteiro.
2.2 O telespectador
O telespectador está fisicamente inativo. Dos seus sentidos, trabalham somente a visão e a audição, mas de maneira extremamente parcial - por exemplo, os olhos praticamente não se mexem [Mander, 1978, p. 165]. De fato, a região de maior nitidez da retina, a fóvea, determina um cone de 2 graus de abertura total (dentre os 200 graus abrangidos pela visão, experimente-se com os braços abertos), e o aparelho a uma distância normal cobre 6 graus [Patzlaff, 2000, p. 25]. Daí a fixidez do olhar do telespectador, isto é, os músculos do olho ficam quase inativos.
O telespectador está fisicamente inativo. Dos seus sentidos, trabalham somente a visão e a audição, mas de maneira extremamente parcial - por exemplo, os olhos praticamente não se mexem [Mander, 1978, p. 165]. De fato, a região de maior nitidez da retina, a fóvea, determina um cone de 2 graus de abertura total (dentre os 200 graus abrangidos pela visão, experimente-se com os braços abertos), e o aparelho a uma distância normal cobre 6 graus [Patzlaff, 2000, p. 25]. Daí a fixidez do olhar do telespectador, isto é, os músculos do olho ficam quase inativos.
A imagem não se torna mais nítida se o telespectador aproximar-se da tela, contrariamente aos objetos comuns. Ao invés disso, começa-se a ver os pontos que compõem a imagem. A distância do aparelho é constante, portanto não existe necessidade de acomodação (convergência dos eixos ópticos e grossura do cristalino), a luminosidade também é praticamente constante, por conseguinte a pupila não muda de abertura, etc.
Os pensamentos estão praticamente inativos: não há tempo para raciocínio consciente e para fazer as associações mentais, já que os dois são muito lentos. Isso ficou provado nas poucas pesquisas de efeitos neurofisiológicos da TV [Krugman, 1971, Emery&Emery, 1976, Walker, 1980]: o eletroencefalograma e a falta de movimento dos olhos de uma pessoa vendo televisão indicam um estado de desatenção, de sonolência, de semi-hipnose (normalmente qualquer telespectador entra nesse estado num tempo de meio minuto). Jane Healy justifica esse estado mental como uma reação neurológica aos estímulos visuais exagerados e contínuos [1990, p. 174]. O piscar da imagem, o ambiente em penumbra e a passividade física do telespectador, especialmente seu olhar fixo, fazem com que o cenário seja semelhante a uma sessão de hipnose.
Ainda há a atividade interior dos sentimentos. É praticamente a única atividade externa e interna do espectador. Por isso os programas tentam sempre causar um impacto nos sentimentos: novelas com conflitos pessoais profundos, esportes perigosos e cheios de ação e a tão falada violência.
Ainda há a atividade interior dos sentimentos. É praticamente a única atividade externa e interna do espectador. Por isso os programas tentam sempre causar um impacto nos sentimentos: novelas com conflitos pessoais profundos, esportes perigosos e cheios de ação e a tão falada violência.
Tudo isso significa que o telespectador está num estado de consciência que têm os animais quando não são atraídos por uma atividade exterior como caçar, prestar atenção em um possível perigo, procurar alimento, etc.
O estado de sonolência do telespectador é muito conhecido entre os diretores de imagem. Por isso eles sempre produzem imagens que mudam constantemente: se uma imagem ficasse parada, todos adormeceriam. Jerry Mander disse que nos Estados Unidos as imagens mudam numa média de 8 a 10 por minuto, no que ele denominou de "efeitos técnicos", aí contados efeitos zoom, mudança de câmera, superposição de imagens, aparecimento de palavras na tela, e mesmo mudança não-natural de voz [Mander, 1978, p. 303]. Em transmissão de propaganda, ele detectou 10 a 15 efeitos técnicos. Neil Postman, em seu extraordinário livro sobre TV e discurso público, traz uma razão de 3,5 segundos por tomada de imagem [Postman, 1986, p. 86].
Hoje em dia, na TV brasileira, essas mudanças são muito mais rápidas, como eu pude constatar. Essa mudança constante de imagens e a excitação necessária dos sentimentos (recursos usados para impedir que o telespectador passe do estado de sonolência para o de sono profundo) fazem com que tudo o que a televisão transmite seja transformado em um show. Postman chama a atenção para o fato de que, com isso, quase tudo na vida se transformou num show: a política, a religião, a educação, etc. [p. 87, 114, 125, 142].
As pessoas acostumaram-se de tal forma com a apresentação em formato de show da TV que não aceitam nem agüentam outras formas de atividade cultural, mais simples e calmas, tendo a impressão de que são aborrecidas.
Na leitura, é preciso produzir uma intensa atividade interior: num romance, imaginar o ambiente e os personagens; num texto filosófico ou científico, associar constantemente os conceitos descritos.
A TV, pelo contrário, não exige nenhuma atividade mental: as imagens chegam prontas, não há nada para associar. Não há possibilidade de pensar sobre o que está sendo transmitido, porque as velocidades das mudanças de imagem, de som e de assunto impedem que o telespectador se concentre e acompanhe a transmissão conscientemente.
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