Mas Eu Nunca Me Beneficiei do Racismo!

Alguém acha mesmo que as portas do racismo já não estão abertas? Que a mentalidade racista já não está instalada? Que o racismo não se instala no Brasil até que uns negros (agressivos ou se fazendo de vítima) começam a usar camisas "100% Negro" e falar em cotas universitárias? Que foi NESSE MOMENTO que a mentalidade racista se instalou? Sério mesmo?


A mentalidade racista está instalada (e muito confortável, obrigado) desde que se escravizou o primeiro índio. As portas do racismo nunca estiveram nem entreabertas: estão escancaradas há 500 anos.







Naturalmente, só não repara no racismo quem dele se beneficia. Quem sofre seu peso todos os dias sabe bem do que se trata. O racismo é como se fosse um Contrato Social (na verdade, um contrato racial) no qual os membros da raça dominante formam um acordo tácito de, ao mesmo tempo em que garantem para si a maior parte das riquezas/oportunidades/etc da sociedade, também consentem em não ver o próprio sistema, criando assim a "alucinação consensual" de um mundo sem raças, meritocrático e igualitário, que passa a mediar sua interpretação da realidade. Nem todos os brancos são signatários do Contrato Racial, mas todos são beneficiários.



Numa sociedade racialmente estruturada e profundamente desigual, as únicas pessoas que são psicologicamente capazes de negar a centralidade do racismo são justamente aquelas que pertencem à raça privilegiada: a raça, para eles, torna-se invisível porque o mundo é estruturado em função deles; eles são a norma em oposição a qual são medidas as pessoas de outras raças ("esses outros tem raça, não eu!"). Assim como o peixe não vê a água, os membros da raça dominante não vêem o racismo. Desse modo, como citei ontem, é possível que os membros do sindicato dos ferroviários, sinceramente e de boa fé, neguem acesso aos negros ao comitê de práticas raciais porque eles eram "representantes de uma raça", sem nunca se dar conta de que eles também tinham raça e que também representavam os interesses dela. Pra eles, quem tem raça é sempre o outro.



Em uma sociedade racista e desigual como o Brasil, afirmar não ver raça, não ligar pra raça, que raças não existem, que isso não tem importância, "que besteira você se importar com isso", etc, significa na prática tomar partido racialmente ao se aliar com a hegemonia invisível que *precisa* desse tipo de negação para sobreviver e prosperar.



Não existe neutralidade possível: negar raça já é uma afirmação política que te coloca em um dos lados bem definidos de uma briga antiga. Negar raça já é intrinsecamente racista.



Brancos são 95% dos médicos, 98% dos diretores de empresa, blá blá, mas tudo bem, o mundo é assim mesmo, paciência.


Sempre que os negros tentam inverter o placar de 100 X 0 para 100 X 1, tipo criar uma lei que reserve 20% das vagas universitárias para negros, a maioria privilegiada fica histérica: injustiça!, revanchismo!, racismo inverso!



O termo racismo inverso surgiu no mundo do jazz americano, quando músicos, fãs e críticos brancos começaram a se sentir injustamente excluídos. Começaram até a dizer que, no mundo do jazz, vigorava a lei do Crow Jim (ou seja, o oposto da lei segregacionista Jim Crow).

Finalmente, em 1964, o músico Charles Mingus afirmou:

"Bem, até que comecemos a linchar brancos, nenhuma outra expressão terá o mesmo significado que Jim Crow. Até que sejamos os donos da Bethlehem Steel e da RCA Victor e da Columbia Records, e de várias outras indústrias, o termo Crow Jim não terá sentido."
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AS COTAS PARA NEGROS: POR QUE MUDEI DE OPINIÃO
Por William Douglas*



Roberto Lyra, Promotor de Justiça, um dos autores do Código Penal de 1940, ao lado de Alcântara Machado e Nelson Hungria, recomendava aos colegas de Ministério Público que "antes de se pedir a prisão de alguém deveria se passar um dia na cadeia". Gênio, visionário e à frente de seu tempo, Lyra informava que apenas a experiência viva permite compreender bem uma situação.

Quem procurar meus artigos, verá que no início era contra as cotas para negros, defendendo – com boas razões, eu creio – que seria mais razoável e menos complicado reservá-las apenas para os oriundos de escolas públicas. Escrevo hoje para dizer que não penso mais assim. As cotas para negros também devem existir. E digo mais: a urgência de sua consolidação e aperfeiçoamento é extraordinária.

Embora juiz federal, não me valerei de argumentos jurídicos. A Constituição da República é pródiga em planos de igualdade, de correção de injustiças, de construção de uma sociedade mais justa. Quem quiser, nela encontrará todos os fundamentos que precisa. A Constituição de 1988 pode ser usada como se queira, mas me parece evidente que a sua intenção é, de fato, tornar esse país melhor e mais decente. Desde sempre as leis reservaram privilégios para os abastados, não sendo de se exasperarem as classes dominantes se, umas poucas vezes ao menos, sesmarias, capitanias hereditárias, cartórios e financiamentos se dirigirem aos mais necessitados.

Não me valerei de argumentos técnicos nem jurídicos dado que ambos os lados os têm em boa monta, e o valor pessoal e a competência dos contendores desse assunto comprovam que há gente de bem, capaz, bem intencionada, honesta e com bons fundamentos dos dois lados da cerca: os que querem as cotas para negros, e os que a rejeitam, todos com bons argumentos.

Por isso, em texto simples, quero deixar clara minha posição como homem, cristão, cidadão, juiz, professor, "guru dos concursos" e qualquer outro adjetivo a que me proponha: as cotas para negros devem ser mantidas e aperfeiçoadas. E meu melhor argumento para isso é o aquele que me convenceu a trocar de lado: "passar um dia na cadeia". Professor de técnicas de estudo, há nove anos venho fazendo palestras gratuitas sobre como passar no vestibular para a EDUCAFRO, pré-vestibular para negros e carentes.

Mesmo sendo, por ideologia, contra um pré-vestibular "para negros", aceitei convite para aulas como voluntário naquela ONG por entender que isso seria uma contribuição que poderia ajudar, ou seja, aulas, doação de livros, incentivo. Sempre foi complicado chegar lá e dizer minha antiga opinião contra cotas para negros, mas fazia minha parte com as aulas e livros. E nessa convivência fui descobrindo que se ser pobre é um problema, ser pobre e negro é um problema maior ainda.

Meu pai foi lavrador até seus 19 anos, minha mãe operária de "chão de fábrica", fui pobre quando menino, remediado quando adolescente. Nada foi fácil, e não cheguei a juiz federal, a 350.000 livros vendidos e a fazer palestras para mais de 750.000 pessoas por um caminho curto, nem fácil. Sei o que é não ter dinheiro, nem portas, nem espaço. Mas tive heróis que me abriram a picada nesse matagal onde passei. E conheço outros heróis, negros, que chegaram longe, como Benedito Gonçalves, Ministro do STJ, Angelina Siqueira, juíza federal. Conheço vários heróis, negros, do Supremo à portaria de meu prédio.

Apenas não acho que temos que exigir heroísmo de cada menino pobre e negro desse país. Minha filha, loura e de olhos claros, estuda há três anos num colégio onde não há um aluno negro sequer, onde há brinquedos, professores bem remunerados, aulas de tudo; sua similar negra, filha de minha empregada, e com a mesma idade, entrou na escola esse ano, escola sem professores, sem carteiras, com banheiro quebrado. Minha filha tem psicóloga para ajudar a lidar com a separação dos pais, foi à Disney, tem aulas de Ballet. A outra, nada, tem um quintal de barro, viagens mais curtas. A filha da empregada, que ajudo quanto posso, visitou minha casa e saiu com o sonho de ter seu próprio quarto, coisa que lhe passou na cabeça quando viu o quarto de minha filha, lindo, decorado, com armário inundado de roupas de princesa. Toda menina é uma princesa, mas há poucas das princesas negras com vestidos compatíveis, e armários, e escolas compatíveis, nesse país imenso. A princesa negra disse para sua mãe que iria orar para Deus pedindo um quarto só para ela, e eu me incomodei por lembrar que Deus ainda insiste em que usemos nossas mãos humanas para fazer Sua Justiça. Sei que Deus espera que eu, seu filho, ajude nesse assunto. E se não cresse em Deus como creio, saberia que com ou sem um ser divino nessa história, esse assunto não está bem resolvido. O assunto demanda de todos nós uma posição consistente, uma que não se prenda apenas à teorias e comece a resolver logo os fatos do cotidiano: faltam quartos e escolas boas para as princesas negras, e também para os príncipes dessa cor de pele.

Não que tenha nada contra o bem estar da minha menina: os avós e os pais dela deram (e dão) muito duro para ela ter isso. Apenas não acho justo nem honesto que lá na frente, daqui a uma década de desigualdade, ambas sejam exigidas da mesma forma. Eu direi para minha filha que a sua similar mais pobre deve ter alguma contrapartida para entrar na faculdade. Não seria igualdade nem honesto tratar as duas da mesma forma só ao completarem quinze anos, mas sim uma desmesurada e cruel maldade, para não escolher palavras mais adequadas.

Não se diga que possamos deixar isso para ser resolvido só no ensino fundamental e médio. É quase como não fazer nada e dizer que tudo se resolverá um dia, aos poucos. Já estamos com duzentos anos de espera por dias mais igualitários. Os pobres sempre foram tratados à margem. O caso é urgente: vamos enfrentar o problema no ensino fundamental, médio, cotas, universidade, distribuição de renda, tributação mais justa e assim por diante. Não podemos adiar nada, nem aguardar nem um pouco.

Foi vendo meninos e meninas negros, e negros e pobres, tentando uma chance, sofrendo, brilhando nos olhos uma esperança incômoda diante de tantas agruras, que fui mudando minha opinião. Não foram argumentos jurídicos, embora eu os conheça, foi passar não um, mas vários "dias na cadeia". Na cadeia deles, os pobres, lugar de onde vieram meus pais, de um lugar que experimentei um pouco só quando mais moço. De onde eles vêm, as cotas fazem todo sentido.

Se alguém discorda das cotas, me perdoe, mas não devem faze-lo olhando os livros e teses, ou seus temores. Livros, teses, doutrinas e leis servem a qualquer coisa, até ao nazismo. Temores apenas toldam a visão serena. Para quem é contra, com respeito, recomendo um dia "na cadeia". Um dia de palestra para quatro mil pobres, brancos e negros, onde se vê a esperança tomar forma e precisar de ajuda. Convido todos que são contra as cotas a passar conosco, brancos e negros, uma tarde num cursinho pré-vestibular para quem não tem pão, passagem, escola, psicólogo, cursinho de inglês, ballet, nem coisa parecida, inclusive professores de todas as matérias no ensino médio.

Se você é contra as cotas para negros, eu o respeito. Aliás, também fui contra por muito tempo. Mas peço uma reflexão nessa semana: na escola, no bairro, no restaurante, nos lugares que freqüenta, repare quantos negros existem ao seu lado, em condições de igualdade (não vale porteiro, motorista, servente ou coisa parecida). Se há poucos negros ao seu redor, me perdoe, mas você precisa "passar um dia na cadeia" antes de firmar uma posição coerente não com as teorias (elas servem pra tudo), mas com a realidade desse país. Com nossa realidade urgente. Nada me convenceu, amigos, senão a realidade, senão os meninos e meninas querendo estudar ao invés de qualquer outra coisa, querendo vencer, querendo uma chance.

Ah, sim, "os negros vão atrapalhar a universidade, baixar seu nível", conheço esse argumento e ele sempre me preocupou, confesso. Mas os cotistas já mostraram que sua média de notas é maior, e menor a média de faltas do que as de quem nunca precisou das cotas. Curiosamente, negros ricos e não cotistas faltam mais às aulas do que negros pobres que precisaram das cotas. A explicação é simples: apesar de tudo a menos por tanto tempo, e talvez por isso, eles se agarram com tanta fé e garra ao pouco que lhe dão, que suas notas são melhores do que a média de quem não teve tanta dificuldade para pavimentar seu chão. Somos todos humanos, e todos frágeis e toscos: apenas precisamos dar chance para todos.

Precisamos confirmar as cotas para negros e para os oriundos da escola pública. Temos que podemos considerar não apenas os deficientes físicos (o que todo mundo aceita), mas também os econômicos, e dar a eles uma oportunidade de igualdade, uma contrapartida para caminharem com seus co-irmãos de raça (humana) e seus concidadãos, de um país que se quer solidário, igualitário, plural e democrático. Não podemos ter tanta paciência para resolver a discriminação racial que existe na prática: vamos dar saltos ao invés de rastejar em direção a políticas afirmativas de uma nova realidade.

Se você não concorda, respeito, mas só se você passar um dia conosco "na cadeia". Vendo e sentindo o que você verá e sentirá naquele meio, ou você sairá concordando conosco, ou ao menos sem tanta convicção contra o que estamos querendo: igualdade de oportunidades, ou ao menos uma chance. Não para minha filha, ou a sua, elas não precisarão ser heroínas e nós já conseguimos para elas uma estrada. Queremos um caminho para passar quem não está tendo chance alguma, ao menos chance honesta. Daqui a alguns poucos anos, se vierem as cotas, a realidade será outra. Uma melhor. E queremos você conosco nessa história.

Não creio que esse mundo seja seguro para minha filha, que tem tudo, se ele não for ao menos um pouco mais justo para com os filhos dos outros, que talvez não tenham tido minha sorte. Talvez seus filhos tenham tudo, mas tudo não basta se os filhos dos outros não tiverem alguma coisa. Seja como for, por ideal, egoísmo (de proteger o mundo onde vão morar nossos filhos), ou por passar alguns dias por ano "na cadeia" com meninos pobres, negros, amarelos, pardos, brancos, é que aposto meus olhos azuis dizendo que precisamos das cotas, agora.

E, claro, financiar os meninos pobres, negros, pardos, amarelos e brancos, para que estudem e pelo conhecimento mudem sua história, e a do nosso país comum pois, afinal de contas, moraremos todos naquilo que estamos construindo.

Então, como diria Roberto Lyra, em uma de suas falas, "O sol nascerá para todos. Todos dirão – nós – e não – eu. E amarão ao próximo por amor próprio. Cada um repetirá: possuo o que dei. Curvemo-nos ante a aurora da verdade dita pela beleza, da justiça expressa pelo amor."

Justiça expressa pelo amor e pela experiência, não pelas teses. As cotas são justas, honestas, solidárias, necessárias. E, mais que tudo, urgentes. Ou fique a favor, ou pelo menos visite a cadeia.




*juiz federal (RJ), mestre em Direito (UGF), especialista em Políticas Públicas e Governo (EPPG/UFRJ), professor e escritor, caucasiano e de olhos azuis.
Site do autor: (http://www.williamdouglas.com.br/)


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Critérios indefinidos - Carta Capital


Pela terceira vez consecutiva em sete dias, a votação do projeto de lei que estabelece a criação de cotas sociais e raciais nas universidades federais foi adiada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Sem acordo para aprová-lo com a redação atual e com o Congresso envolvido na discussão do Orçamento, os parlamentares decidiram adiar a decisão para fevereiro do próximo ano, na volta do recesso parlamentar.


Aprovada pela Câmara em novembro, a medida conta com o parecer favorável da senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), relatora do projeto na comissão. “Havíamos costurado um acordo para aprovar o texto na CCJ e encaminhá-lo em regime de urgência para a votação no Plenário”, afirma a parlamentar. “Mas há pressões para mudar novamente a redação. Se isso ocorrer, sabe-se lá quando teremos uma definição”, afirma.


Além da reserva de 50% das vagas em universidades federais aos alunos que cursaram o ensino médio integralmente em escolas públicas, o projeto prevê dois tipos de subcotas. Metade das vagas para cotistas seria destinada a estudantes com renda familiar per capita inferior a um salário mínimo e meio. Haveria ainda porcentuais específicos para pretos, pardos e índios, levando-se em conta a proporção de cada etnia nos respectivos estados, de acordo com o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A subcota racial incidiria tanto sobre as vagas de alunos de baixa renda quanto sobre as demais cotas.


A inclusão de critérios raciais na política de cotas enfrenta, porém, forte oposição. O senador Demóstenes Torres (DEM-GO), por exemplo, antecipa que vai apresentar um projeto substitutivo para excluir esse aspecto do texto. “O que proponho é a reserva de 50% das vagas para alunos de escolas públicas e ponto. Isso já inclui todo mundo. Pobre branco e pobre preto.” Caso a proposta seja acolhida, o texto pode voltar à Câmara para uma nova rodada de discussões.


A novela das cotas no Brasil é longa. O atual projeto começou a ser gestado em 1999. Àquela época, a deputada Nice Lobão (DEM-MA) propôs a criação de cotas apenas para os alunos de escolas públicas, como o senador Demóstenes defende. Desde então, o texto passou por dezenas de modificações, incluindo as emendas negociadas entre os parlamentares. O governo federal conseguiu emplacar a idéia de distribuir essas vagas também por critérios raciais. É de autoria do deputado tucano Paulo Renato Souza, ministro da Educação no governo Fernando Henrique Cardoso, a emenda que prevê a destinação de metade das vagas para cotistas aos alunos com menor poder aquisitivo.


A política de cotas visa combater uma histórica distorção existente na educação brasileira. Do 1,8 milhão de alunos que concluem o ensino médio anualmente, 80% são de escolas públicas. Mas nas universidades mantidas pelo Estado eles são minoria. Para o ministro da Educação, Fernando Haddad, a adoção das cotas pode reduzir esse descompasso e não trará prejuízos a nenhum segmento da sociedade. “Os brancos que estudaram na escola pública têm direitos tão resguardados quanto os negros e indígenas que estudaram na escola pública. Um grupo não está sendo privilegiado em detrimento do outro, já que a distribuição é proporcional”, explica Haddad. “Outro detalhe importante é a aprovação das cotas em um momento de duplicação das vagas de ingresso nas universidades federais.”


De acordo com o Ministério da Educação, as instituições de ensino superior mantidas pelo governo federal ofereciam 127 mil vagas em 2003. Hoje, ofertam mais de 227 mil. Um número pequeno diante da gigantesca demanda, mas o suficiente para compensar ao menos 80% das vagas que podem ser restringidas aos alunos de escolas particulares com a adoção da medida.


Das 59 universidades federais, ao menos 16 estabeleceram algum tipo de cota no vestibular. O exemplo que mais se aproxima do projeto hoje em discussão no Senado é o da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Desde 2005, a instituição reserva 45% das vagas aos alunos egressos de escolas públicas. As cadeiras são preenchidas de acordo com a proporção de cada etnia na região metropolitana de Salvador. Os afro-descendentes, por exemplo, têm direito a ocupar 85% das vagas a cotistas. De acordo com Naomar de Almeida Filho, reitor da UFBA, o modelo dispensa a existência de bancas para verificar a veracidade das autodeclarações raciais. “Todas as etnias têm vagas asseguradas na justa medida. Não faria sentido um branco disputar a vaga de um negro, porque ele enfrentaria uma concorrência muito maior”, comenta. Além disso, o reitor destaca que os resultados obtidos pelos alunos cotistas não decepcionam. “A evasão escolar entre os beneficiados por esta política é menor e o desempenho deles é igual ou superior ao dos demais alunos. Os cotistas são tão capacitados quanto os demais. Prova disso é que a nota média do vestibular aumentou nos últimos anos.”


Na Bahia, cerca de 180 mil estudantes concluem o ensino médio em escolas públicas anualmente e 20 mil, em instituições particulares. Mas, antes de adotar as cotas, apenas um quinto dos alunos da UFBA era de egressos da rede pública de ensino. “Das 4 mil vagas disponíveis no vestibular de 2005, 1,8 mil foram reservadas aos cotistas. Isso significa que apenas 1% dos alunos de escola pública foi beneficiado”, comenta Almeida Filho. “E a universidade ampliou a oferta de cursos noturnos e hoje dispõe de mais de 7 mil vagas. As cadeiras universitárias restringidas aos alunos de escolas particulares naquela época foram completamente compensadas”, diz.


Apesar dos resultados satisfatórios, há muita resistência dentro da academia à política de cotas, inclusive entre representantes do movimento negro. O historiador Manolo Florentino, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por exemplo, é radicalmente contra qualquer reserva de vagas. “O papel da universidade é produzir e disseminar conhecimento, e não promover políticas de inclusão”, afirma.


José Roberto Pinto de Góes, professor do Departamento de História da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), segue a mesma linha. “Aparentemente, a iniciativa é bem-intencionada porque se liga de alguma forma à nossa eterna ‘questão social’. Mas não resolve o problema real: a ausência de uma escola pública de qualidade para todos. Quem não teve escola boa vai pagar o preço, passando por uma universidade ou não.”


Mesmo entre os que defendem políticas de inclusão, a idéia de estabelecer uma regra única para todas as universidades é vista com certa desconfiança. “Isso fere o princípio de autonomia das universidades”, comenta o físico Leandro Tessler, coordenador do vestibular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Por aqui, conseguimos adotar um sistema de inclusão com excelentes resultados e que não é baseado em cotas”, emenda. Em vez de reservar vagas, a Unicamp optou por oferecer pontos extras no vestibular a alunos de escolas públicas. “Ao oferecer esse bônus, o porcentual dos alunos egressos de escolas públicas aprovados na Unicamp (32%) superou o de estudantes com esse perfil inscritos no vestibular (29%).”


Os beneficiários desse mecanismo de inclusão também apresentaram bons resultados acadêmicos. “Em todos os cursos, esses alunos demonstraram uma melhora de desempenho mais acentuada e, em 56% deles, um coeficiente de rendimento superior ao dos demais alunos”, afirma Tessler. “Não é verdade, portanto, a tese de que os estudantes beneficiados por políticas afirmativas empurram a qualidade de ensino ladeira abaixo.”

Por Rodrigo Martins

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Alguns números que comprovam a tese de Ali Kamel: "Não somos racistas"


Para auxiliar os que defendem o "status quo" do atual sistema de acesso às universidades públicas, permitam-me, please, expor alguns dados estatísticos e analíticos em defesa dessa pobre "minoria branca e desassistida dos Jardins":

A UFRJ lançou, em outubro, o seu Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil. Não sei se você, caro leitor imaginário, ou alguns desses que defendem a permanência do sistema de acesso ao ensino superior como está, teve acesso.

Para quem duvida que exista racismo no Brasil, ou para quem tem sede de números, dados e gráficos, está tudo lá, atualizado até 2007.

http://www.laeser.ie.ufrj.br/relatorios_gerais.asp

Você pode fazer o download da versão integral ou só das conclusões gerais.

http://www.laeser.ie.ufrj.br/pdf/RDR%20Cap%C3%ADtulo_8_pt.pdf

Para mandar para seus amigos estrangeiros, ou para aqueles que acham fofinho ler em ingês, as conclusões também estão disponíveis em sua língua mater:

http://www.laeser.ie.ufrj.br/pdf/RDR%20Cap%C3%ADtulo_8_en.pdf

Para os preguiçosos, os textos abaixo fazem um resumo das principais conclusões do Relatório:

- Podem ser menores as diferenças?

http://www.jap.org.br/oktiva.net/1823/nota/129553

Relatório da UFRJ aponta para a "diminuição" das desigualdades sociais e raciais no país:

- De cada dez brasileiros pobres, seis são negros;

- A mortalidade infantil é 60 por cento superior entre as crianças negras;

- Uma negra, pobre, nordestina, moradora da área rural ganha, hoje, em média, um terço do que ganha um cidadão branco;

- No Brasil, os negros são quase três vezes mais atingidos pela insegurança alimentar do que os brancos;

- Entre os 10% mais ricos apenas 18% são negros (pardos ou pretos). Já na parcela dos 10% mais pobres, 71% são negros;

- 19% dos negros e 11% dos pardos ou mulatos já se sentiram discriminados por causa da cor em alguma situação relacionada ao trabalho;

- 37% dos negros e 25% dos pardos ou mulatos afirmam que se sentiram discriminados ao procurar por trabalho, e citam a rejeição pura e simples, o fato de a vaga ser destinada a pessoas de uma determinada cor e a obrigatoriedade de declarar a cor no momento de preenchimento de ficha;

- 24% dos pardos e mulatos e 14% dos negros afirmam ter sido vítimas de piadas ou insultos no trabalho em virtude da cor;

- 9% dos negros foram acusados de roubo ou reclamam de serem vistos como ladrões;

- 13% dos negros não se sentem ou sentiram aceitos no grupo ou turma de trabalho;

- Os negros, que têm rendimentos, em média, de R$ 390,90, recebem em média 46% a menos do que os brancos, que ganham, em média, R$ 718,50 por mês. Já os pardos (rendimento médio de R$ 441,50) ganham 39% a menos do que os brancos.

Essa diferença é verificada em todos os segmentos passíveis de análise, sem que importe a ocupação, o setor de atividade, a escolaridade ou as horas trabalhadas: os brancos ganham sempre mais do que negros e pardos.

- Mercado de trabalho, 120 anos depois da Lei Áurea, oferece oportunidades restritas de ascensão na hierarquia das empresas.

Preconceito e acesso limitado à educação são apontados como grandes barreiras para os negros, que são 49,5% da população. ... "O objetivo do levantamento é trazer uma informação inconteste.

Geralmente, os gestores fazem uma avaliação mais positiva do que está acontecendo: 34% responderam sim, quando questionados se a proporção de negros no patamar executivo é adequada.

Confrontados com dados objetivos, eles são obrigados a fazer uma reflexão." Na opinião de Gastaldi, isso é porque o brasileiro em qualquer assunto tem facilidade de fazer críticas no coletivo, mas não reconhece os problemas nele próprio.

Ações afirmativas e políticas de afirmação do negro no Brasil

http://www.comciencia.br/reportagens/negros/01.shtml


Segundo esses dados:

1- Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) o número de alunos brancos é de 76,8%, o de negros 20,3% para uma população negra no estado de 44,63%;

2- na Universidade Federal do Paraná (UFPR) os brancos são 86,6%, os negros, 8,6%, para uma população negra no estado de 20,27%;

3- na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), brancos são 47%, negros 42,8% e a população negra no estado, 73,36%; na Universidade Federal da Bahia (UFBA), 50,8% são brancos, 42,6% negros e 74,95% a população negra do estado;

4- na Universidade de Brasília (UnB ), são brancos 63,74%, são negros 32,3%, tendo o Distrito Federal uma população negra de 47,98%;

5- na Universidade de São Paulo (USP), os alunos brancos somam 78,2%, os negros, 8,3% e o percentual da população negra no estado é de 27,4%.

Vê-se, assim, que o déficit produzido por essas diferenças é bastante desfavorável ao negro nos estados onde se encontram essas universidades:

* 24,33% na UFRJ,

* 11,67% na UFPR,

* 30,56% na UFMA,

* 32,35% na UFBA,

* 15,68% na UnB, e

* 19,1% na USP.

Obs.: Que alívio! Ainda bem que não somos um país racista! Imagina como esses números seriam piores se fôssemos!

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27/12/2008 - 10:06

Enviado por: Arthemísia

"Sr. Militão,

Sou negra e favorável às cotas, que para mim são sociais, embora envolvam componente étnico. Entendo que o Sr. é contra esta proposta específicamente e concordo que não é mais perfeita solução, mas qual é a sua proposta concreta para lidar com a questão?

O que me incomoda muito nessa discussão toda, é que pela primeira vez na nossa história estamos lidando abertamente com a questão do negro como política pública no país e temos uma proposta, ainda que copiada, que pretende ser uma ação para recuperar o tempo perdido de um povo, e que deveria ter ocorrido à época da abolição. Devemos continuar no mundo da fantasia de que este país não impede a vida das populações negras? Devemos continuar ignorando que o estado já agiu politicamente contra os negros em outras ocasiões? Qual é exatamente sua idéia, deixar as coisas fluirem? Em qual direção?

O Sr. também fala em fato natural ser mulher, criança, pessoa com deficiência, homossexual. Aí foi que eu não entendi mesmo, me desculpe. A cor da pele não é fato natural? A ciência de hoje faz mudança de sexo, mas de cor de pele ainda está longe (vide a tentativa louca de Michael Jackson). Não entendi sua tentativa de explicação para as cotas de pessoas com deficiências. Quer dizer que mulheres precisam de 'tratos especiais' do estado? E entre mulheres negras e brancas? Os números dizem que as brancas recebem salários maiores que os nossos e têm preferência na contratação. Somos mesmo iguais? Me desculpe, mas nenhuma política pública deve ser entendida como tratamento especial, mas sim como direitos sociais destinados a grupos sociais que têm diferentes demendas.

Outro comentarista acima fala em 'integração e harmonização' presente. Olha, eu tenho 41 anos, sou negra mestiça e casada com branco, sempre fui classe média, nunca tive direito a cotas.

Mas jamais abrirei a boca para dizer que este país vive em harmonia étnica; sinto o preconceito em todos os ambientes públicos, moro num edifício no qual todos que não me conhecem pensam que sou a funcionária da minha casa, trabalho em órgão público no qual a maioria negra trabalha em serviços gerais e no qual minha aceitação pelo chefe melhorou quando ele conheceu meu marido branco.

Mas nada disso está escrito em nenhuma lei, nada disso é oficial e jamais será porque o brasileiro é assim. Por que devemos perder a oportunidade de tirar esse véu imundo da harmonia social desse país?

As cotas nas universidades públicas não vão acabar com o preconceito, nem é esse seu objetivo. Mas vão deixar mais claro o fato de que o Estado não pode permitir que a elite branca continue determinando quem faz o que no país, quais os lugares que pertencem aos negros e aos brancos. Sr. Militão, segregação é o que vivemos, ainda que não esteja nas leis ( e está em alguns casos, ou o Sr. acha que cela especial para quem tem curso superior é fruto de quê?); a política de cotas é tentativa de inclusão."

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