O perigo do crescimento eterno


Ecoeconomia - Uma Nova Abordagem

Hugo Penteado, já em 2003, deu à discussão ambiental no Brasil um novo patamar ao basear toda sua argumentação na crítica do modelo de desenvolvimento dos grandes países: "Não há crescimento econômico sem total desfiguração dos ecossistemas e sem estar colocando toda a vida na Terra, inclusive a dos homens, em total perigo".

Com o lançamento de "Ecoeconomia - Uma Nova Abordagem", Hugo Penteado deu à discussão ambiental no Brasil um novo patamar ao basear toda sua argumentação não nas costumeiras bandeiras desfraldadas pelos verdes, mas sim ao dirigir sua crítica ao modelo de desenvolvimento dos grandes países: "Não há crescimento econômico sem total desfiguração dos ecossistemas e sem estar colocando toda a vida na Terra, inclusive a dos homens, em total perigo".

O autor, economista-chefe do ABN AMRO Real, afirma que o grande problema se encontra na obsessão do sistema em buscar crescer sem parar - mesmo que o combustível venha de fontes finitas de abastecimento, como a água. Ele alerta: 
  • "O risco econômico está na necessidade de crescer quantitativamente a qualquer custo para garantir a saúde financeira de três sistemas principais: o mercado financeiro, oprevidenciário e o fiscal. Dado que o crescimento econômico é impossível do ponto de vista do espaço físico e ambiental, esses sistemas estão fadados à falência. O que vamos ver nos próximos anos é uma enorme crise econômica que pode acontecer muito antes da crise ecológica".
Desde o lançamento do livro, Penteado tem dado palestras em todo o País, aceitando convites vindos de entidades de classe e universidades. A seguir os principais trechos de sua entrevista exclusiva.

Gazeta Mercantil - Qual a explicação do surgimento da Ecoeconomia ou Economia Ecológica?

Hugo Penteado - Ao contrário do que muitos pensam, os principais motivos de ela ter surgido não foi o buraco da camada de Ozônio e sim os fracassos nas áreas social e ambiental, apesar da enorme expansão econômica e do desenvolvimento dos últimos anos. 

Hoje, os níveis de uso dos recursos finitos da Terra são alarmantes. Recursos finitos leiam-se recursos naturais como água e solo ou o equilíbrio climático-ecológico entre as espécies vivas, sem o qual não sobreviveremos na Terra. Lester Brown(*) batizou esse fenômeno de aceleração histórica: em um ano somos capazes de produzir mais bens e serviços que desde o início da humanidade até a Segunda Guerra Mundial. O Clube de Roma já alertava para esse fenômeno: o sistema econômico está sendo submetido a um crescimento exponencial. 
  • Alguém ainda vai ganhar um Prêmio Nobel ao provar que o território americano tem um tamanho constante de 9,3 milhões de km², sobre o qual é impossível adicionar um fluxo de PIB de milhões de carros, casas e coisas de forma crescente.

Gazeta Mercantil - O crescimento é impossível por causa do tamanho do território?

Hugo Penteado - A escola Neoclássica resolveu o problema do crescimento infinito pelos ganhos de eficiência e da substituição infinita dos materiais da natureza pelo capital, mas Nicholas Georgescu-Roegen avisa que não há outros fatores materiais que não os da natureza. 

Além dessa enorme crítica, a escola Neoclássica nunca resolveu o problema do espaço físico finito em superfície. Isso mostra um profundo desconhecimento da Física. Mas não importa. Para se ter uma idéia, se os Estados Unidos crescerem o que Wall Street demanda que ele cresça, em 10 anos ele irá adicionar 9 economias iguais ao Brasil de hoje e a distância entre os ricos e pobres será maior do que nunca. Crescer 9 Brasis num território constante de 9,3 milhões de km² é impossível.

Por isso, estamos vivendo uma crise de crescimento nos países ricos, com a qual todos irão sofrer. Além desse crescimento não gerar empregos compatíveis com o crescimento populacional absoluto, ele não gera empregos permanentes nem fluxos permanentes. Esse erro teórico de ignorar o espaço físico finito e manter um crescimento suicida colocou as espécies animais e vegetais desse planeta na maior rota de extinção em 65 milhões de anos, de forma totalmente antropogênica.

Stephen Jay Gould dizia que não se trata de um processo de extinção natural de milhões de anos e sim de uma larga destruição de habitats e de alterações no equilíbrio ecológico, além da caça desenfreada. Hoje é aterrador perceber o que a espécie humana está fazendo contra seus pares e essa é a maior prova que não há ambiente para essa obsessão maníaca.

Gazeta Mercantil - A extinção da biodiversidade na Terra é um problema econômico?

Hugo Penteado - Sim, está ligado ao nosso sistema econômico, que pretende ampliar suas estruturas exponencialmente dentro de um espaço finito como a Terra. 
  • O ser humano aparentemente menospreza todas as formas de vida que não o seu próprio umbigo
Nós não nos vemos mais como uma espécie animal imortal e sim como indivíduos. Foi com essa visão individualista que Keynes proferiu a sua famosa frase: "No longo prazo estaremos todos mortos". Mas como uma espécie animal jamais estará morta, o que vamos deixar então para as gerações futuras?

Ora, o crescimento econômico é um crime num espaço finito cujo equilíbrio ecológico garante que a energia solar faça nossos corações baterem e garante que o oxigênio seja produzido nos mares e oceanos para todos respirarem. Veja o que está acontecendo nos oceanos: 90% das populações dos grandes predadores foram extintas; os corais, lares de grande parte das espécies oceânicas, estão agonizando; as costas dos mares onde vivem e se reproduzem peixes estão devastadas; 75% dos rios foram alterados; os manguezais destruídos a uma alta velocidade.

Não há crescimento econômico sem total desfiguração dos ecossistemas e sem estar colocando toda a vida na Terra, inclusive a dos homens, em total perigo. Fala-se da destruição da Amazônia, mas ninguém comenta que 99% das florestas dos Estados Unidos e da Europa foram derrubadas e que para atender à demanda desses países ricos, 75% das florestas tropicais já se foram. Apesar disso, antes do perigo ecológico, há o perigo econômico.

Gazeta Mercantil - Como assim? Essa não é uma preocupação meramente ecológica?

Hugo Penteado - De jeito nenhum. É impossível separar a economia da ecologia e isso só foi possível através de uma série de mitos e esses mitos impregnaram fortemente as teorias econômicas que influenciam as decisões dos governos até hoje. 
  • O risco econômico está na necessidade de crescer quantitativamente a qualquer custo para garantir a saúde financeira de três sistemas principais: o mercado financeiro, o previdenciário e o fiscal. Dado que o crescimento econômico é impossível do ponto de vista do espaço físico e ambiental, esses sistemas estão fadados à falência.
O que vamos ver nos próximos anos é uma enorme crise econômica que pode acontecer muito antes da crise ecológica (acertou na mosca). Os atrasos ecológicos, principalmente na agricultura, são muito grandes, mas isso pode ser uma chance para realinharmos nosso sistema para uma rota de equilíbrio, onde valores humanos, sociais e ambientais passem a fazer parte da equação.

Gazeta Mercantil - O crescimento populacional é um problema ecológico ou econômico?

Hugo Penteado - Ambos. Eu não acredito que o crescimento populacional possa ser ignorado para a questão do crescimento. Na equação de Solow ele é menosprezado dando espaço ao avanço tecnológico, mas não acredito nisso, é mais um erro teórico. Os países ricos estão preocupadíssimos com o baixo crescimento populacional, pois as populações no mundo todo estão envelhecendo e os custos com a previdência estão explodindo. As enormes populações da China e da Índia mostram erradamente que podemos ter enormes populações sem o menor problema, mas essa é uma análise superficial, pois grande parte dessas populações vive na miséria.

De qualquer forma, o mito de espaço infinito para tudo e todos fez com que a gente não se preocupasse com o crescimento absoluto e olhasse apenas para o crescimento percentual da população, que despencou nos últimos 30 anos. Os demógrafos falam que a população vai estabilizar algum dia e ao mesmo tempo toda a mídia e o governo estimulam um baby boom. Sem crescimento populacional o sistema de previdência de repartição simples vai falir; jamais deveria ter sido implementado um sistema no mundo que não fosse o de capitalização.

A dependência financeira de uma geração de pessoas em relação a outra conta com o mito de crescer sempre e cada vez mais, tanto do ponto de vista populacional quanto material. Lógico que isso não vai acontecer; lembre-se que a água e o solo são recursos renováveis, porém finitos, que estão sendo duramente degradados. Só 10% da água doce no mundo não está poluída hoje. Sem esse crescimento, o sistema de repartição simples na previdência não tem equilíbrio atuarial e já está sendo submetido a déficits financeiros crescentes.

Gazeta Mercantil - Mas as taxas de fertilidade e de natalidade estão despencando em todos os lugares; mesmo assim devemos nos preocupar com população?

Hugo Penteado - Primeiro, essa queda nas taxas é uma restrição econômica e financeira, quando olhamos o sistema previdenciário, e nenhum governo quer isso. Segundo, Malthus não errou porque relativizou a oferta de alimentos ao número de bocas; seu maior erro foi não enxergar nenhum problema no crescimento populacional, desde que a população crescesse lentamente. Na verdade, hoje estamos adicionando quase 80 milhões de pessoas por ano na Terra, o mesmo ritmo de crescimento absoluto de 30 anos atrás.

Um mito fez os demógrafos darem ênfase aos números relativos e não aos absolutos. Esses mitos fizeram os economistas olharem também para o crescimento relativo dos fluxos e não os absolutos. Ninguém se importa com o aumento gigantesco de casas e veículos em termos absolutos, apenas com a taxa de crescimento. Focamos em fluxos e em crescimento relativo, as variáveis econômicas principais são fluxos. Isso é fruto do mito que está colocando a humanidade numa rota suicida, tanto do ponto de vista ecológico quanto econômico.

Gazeta Mercantil - Mas isso tudo é muito óbvio. Então o que estamos fazendo para mudar as atuais tendências econômicas?

Hugo Penteado - Se olharmos a corrente política tradicional, nada; e os problemas estão se amontoando. [n]O modelo de crescer a qualquer custo nunca esteve tão forte e é uma pregação messiânica diária. A frase preferida de todos é temos que crescer, embora isso não gere empregos de forma permanente, não seja sustentável para as pessoas e com as condições do meio ambiente e da biosfera. Essa obsessão maníaca por crescimento está disseminada, é tratada de forma totalmente acrítica por todos.

Quando abrimos fronteiras agrícolas aqui no Brasil, deixamos de lembrar que somos o único País com fronteira em expansão no mundo hoje. Os economistas tradicionais comemoram, mas os economistas ecológicos enxergam nisso uma atividade que está importando para dentro do Brasil a insustentabilidade ambiental de países ricos e de países populosos como a China, cujo déficit de alimentos não só já existe, como vai aumentar. O USDA, departamento agrícola americano, prevê déficit de produção de alimentos nos Estados Unidos com a exaustão do aqüífero fóssil Ogallala e na China com a perda de solo fértil. Isso tudo para alimentar uma enorme população que ainda cresce 14 milhões por ano.

Esse déficit vai transformar a Amazônia numa enorme monocultura, cujo déficit de empregos da última década no setor agrícola brasileiro alcança milhões de trabalhadores. São atividades insustentáveis e que expulsam o ser humano, para dizer o mínimo.

Mas não importa: há uma máxima em Filosofia pela qual quando nossos interesses estão em jogo ficamos completamente cegos. 
  • Não estamos na verdade vivendo uma crise ambiental e econômica e sim uma enorme crise de valores.
Não há tempo para discutir mais essa crise, nem há mais tempo para fazer coisas erradas, mas infelizmente, apesar da falta de tempo, continuamos presos na obsessão pelo crescimento. Basta ver que as únicas políticas econômicas que importam e que regem o mundo são as de demanda (monetária e fiscal).

Para as teorias econômicas tradicionais podemos dizer que a produção de bens e serviços - mesmo que finito - não sofre nenhuma restrição e praticamente brota do nada. 

É com essa visão distorcida do mundo que estão sendo tomadas decisões que influenciam a vida de todos, decisões que estão nos levando em primeiro lugar para uma falência econômica e em segundo lugar para um risco ecológico do qual ainda não sabemos o tamanho.


O economista Hugo Penteado critica as políticas econômicas que desprezam o
meio ambiente

Em seu livro Ecoeconomia, uma nova abordagem, publicado em 2003, ele comenta as teorias econômicas que excluem as variáveis sociais e ambientais e mostra que o sistema econômico está diretamente ligado à natureza.

Crítico da economia do descarte, Hugo combate o conceito de que crescimento econômico traz desenvolvimento sustentável e bem-estar social. Nesta entrevista ao Instituto Ethos, ele revela como o dano ambiental virou um problema financeiro e as conseqüências de os economistas ignorarem os conhecimentos da ciência, da paleontologia, da história, da sociologia e da ecologia. 
  • "Um dia o ser humano acreditou que a Terra era plana. Agora ele acredita que o crescimento é eterno", compara.

Instituto Ethos: É difícil acreditar que seu livro "Ecoeconomia" foi escrito por um economista. O que fez você ir atrás desse conhecimento?

Hugo Penteado: Eu não sou ecologista, eu continuo sendo economista. Mas o primeiro aspecto é que não dá para separar as duas coisas. Eu acho que isso é um grande mito.

O ser humano acha que ele é capaz de produzir alguma coisa. Infelizmente, a má notícia que eu tenho para dar é que o ser humano não produz nada. O ser humano não produz nem matéria, não produz energia. Ele é um mero transformador dos recursos. E isso significa que tudo que está em nossa volta, sem exceção, veio da natureza, inclusive o sistema econômico.

Então não dá para escapar disso. As duas coisas estão extremamente interligadas e interdependentes. E a outra má notícia é que o sistema econômico não é a ponta forte. É a ponta fraca porque o meio ambiente oferece serviços que nós não somos capazes de produzir e que estão sendo abalados por causa da nossa atuação precária e descuidada em relação ao ecossistema. Basta lembrar dois fenômenos globais: o maior processo de extinção da vida nos últimos 65 milhões de anos, causada pela destruição do ecossistema, e o aquecimento global. Lembrando que esses não são os nossos únicos problemas.

Tudo isso está ocorrendo porque a gente criou a economia do descarte, nós vivemos o mito do jogar fora. A gente acha que consegue jogar fora alguma coisa, mas o planeta é um sistema fechado. Nada pode ser jogado fora. Nós transformamos o planeta numa enorme lixeira conosco dentro.

O economista tem um poder de definição da realidade e das políticas econômicas e desconhece tudo que se sabe sobre paleontologia, história, sociologia, ecologia, física etc. É um conhecimento que se tornou dominante e que abre mão do conhecimento das outras ciências, o que está totalmente em descompasso com o conhecimento adquirido pela humanidade nas últimas décadas. Um exemplo simples: esse planeta passou milhares de anos acumulando materiais embaixo da terra. A nossa vida aqui só foi possível por causa do acúmulo desse material.

Hoje, estamos fazendo um processo reverso, atirando na superfície da terra uma série de materiais (mercúrio, dióxido de carbono, ouro) com os quais o seu processo geológico de bilhões de anos não sabe como lidar. O sistema planetário é finito, regenerativo e circular. O sistema econômico é infinito, degenerativo e linear: extrai, produz, descarta.

Instituto Ethos: Essa é a sua critica às teorias econômicas?

Hugo Penteado: Os modelos econômicos, por uma série de mitos e uma teoria equivocada da realidade, excluíram dos modelos as variáveis sociais e ambientais. Essa é uma crítica antiga que foi feita por economistas como Nicholas Georgescu-Roegen, Clube de Roma etc. Mas a crítica que foi feita é pela forma como até hoje os economistas utilizam as leis da mecânica para explicar os processos econômicos. A mecânica é a ciência da locomoção. Basta saber massa, posição e velocidade e está tudo resolvido.

Qual é a conclusão? É que todos os processos econômicos não geram mudanças qualitativas no sistema natural, são reversíveis e previsíveis. Ou seja, eu posso passar um trator na Amazônia, dou marcha ré que nada aconteceu. Embora isso não seja verdade, é assim que as teorias econômicas tratam essa questão.

Para a teoria econômica, em todas as suas vertentes, o sistema econômico é considerado neutro para o meio ambiente. Isso faz com que o sistema de preço seja totalmente incapaz de resolver a questão. Porque o sistema de preços é decorrente de uma teoria, de um conjunto de valores. E se o conjunto de valores da população ignora a questão ambiental e se a teoria é falsa, não tem como regular os preços a partir disso. O sistema de preço não vai resolver.

Provavelmente a solução está na questão tributária. Além desse mito da mecânica, tem o mito tecnológico que explica grande parte da teoria do crescimento econômico. Com a tecnologia é como se o ser humano fosse capaz de produzir alguma coisa, quando na verdade, até as tecnologias muito desenvolvidas dependem da natureza. O problema da variável tecnológica é que ela tornou o meio ambiente inesgotável. Então eu tenho dois mitos dentro das teorias econômicas: um que o sistema econômico é neutro para o meio ambiente e outro que o meio ambiente é inesgotável. 

Qual é a conseqüência pratica disso? Só se fala em crescimento econômico. E para completar, nós herdamos uma visão dos países ricos que confunde crescimento e desenvolvimento. Não conseguimos fazer essa distinção clara entre desenvolvimento e crescimento, o que já virou uma discussão gravíssima dentro da Organização das Nações Unidas. Todo mundo já está convencido de que não existe conexão direta entre desenvolvimento e crescimento, entre crescimento e bem-estar. Mas o crescimento passou a ser a panacéia de todos os problemas sociais.

Instituto Ethos: Nesse sentido, como você vê os programas econômicos anunciados pelo governo, como o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), por exemplo? Você acha que temas como sustentabilidade e meio ambiente têm recebido a devida atenção?

Hugo Penteado: Não. As variáveis ambientais e sociais ainda são bastante excluídas. A visão do mundo é a seguinte: os economistas acham que a economia é um problema econômico e o problema do ambiente se resolve com uma boa política ambiental.

Então existe claramente, na visão econômica atual, uma separação entre meio ambiente e o sistema econômico. E o que estou dizendo é exatamente o contrário. Eles são entrelaçados pelo fato de que o ser humano não produz nada, nem matéria nem energia.

Então o sistema econômico é totalmente dependente da natureza. A gente tem que voltar para o ponto de partida que são os mitos. O sistema econômico é neutro para o meio ambiente, o meio ambiente inesgotável e todos os problemas sociais serão resolvidos com o crescimento. Esses três mitos estão colocando tudo numa única discussão, que é a discussão do crescimento.

Porque se o sistema econômico é neutro para o meio ambiente e o meio ambiente é inesgotável, eu posso crescer sempre. E se todos os problemas sociais resolvem-se com o crescimento, então não é que eu posso, mas eu devo crescer. E isso tem uma série de conseqüências.

Instituto Ethos: Na sua opinião, os ambientalistas ganharam voz depois desse alarme sobre o aquecimento global?

Hugo Penteado: Não. O movimento ambientalista é muito antigo e tem um mérito fantástico. Mas nem tudo são louros. Eu acho que há uma falha no sentido de não ter feito uma relação causal direta entre as nossas ações humanas com resultado ambiental.

Eu acho que esse é o grande mérito do filme (Uma Verdade Inconveniente) do Al Gore, fazer uma relação direta entre as nossas ações diárias e o aquecimento global.

Um outro problema é que na década de (19)70 uma das grandes iniciativas dos ambientalistas era transformar a Amazônia num protetorado internacional. Eles tinham essa visão de que o ser humano iria destruir tudo. Mas de repente eles descobriram que isso não era verdade. Eu posso criar o parque nacional, mas se o que eu estou fazendo em torno deste parque, nos países, no globo terrestre for ruim, ele não vai sobreviver.

A Amazônia não vai sobreviver ao aquecimento global por estar isolada. Eu posso protegê-la inteirinha hoje, mas se a temperatura da Terra subir, ela pode morrer. Então não adianta nada eu criar parques nacionais e separar o ser humano da natureza.

O que o movimento ambientalista precisa fazer é mudar o modus operandi, influenciar o sistema econômico, influenciar as políticas econômicas. Nós já começamos esse processo, hoje temos o Ministério do Meio Ambiente.

Mas a gente precisa abandonar a famosa "fábula do rinoceronte", de Monteiro Lobato. Numa cidade fugiu o rinoceronte e imediatamente foi criado um órgão para recaptura do animal. A única função desse órgão era jamais acha-lo para ele não perder a necessidade de existir.

Os órgãos ambientais um dia têm que deixar de existir, porque as variáveis ambientais vão estar incluídas no modelo e eu não vou precisar mais dele. Eu preciso vincular as coisas e não deixá-las desvinculadas.

Instituto Ethos: O tema do Fórum Mundial Econômico foi aquecimento global. Qual sua opinião sobre o que aconteceu em Davos?

Hugo Penteado: A questão ambiental ganhou um contorno muito grande recentemente e dois fenômenos contribuíram muito para isso. Sem querer desprezar o movimento ambientalista, que também teve seu papel, mas dois fatos tiveram uma importância gigantesca para que a questão ambiental viesse à tona.

A primeira delas é o ganho de escala. As economias cresceram tanto que hoje somos capazes de produzir num único ano o que a gente produzia em cem anos. Qualquer acidente é imediatamente percebido. Antigamente, os danos ambientais quem cuidava era o tempo.

Hoje, enquanto eu estava escrevendo esse livro, foi feito um derramamento de lixo tóxico no Rio de Janeiro que afetou seis municípios do Estado, e foi a maior gritaria.

A população cresceu muito e as estruturas econômicas, igualmente. O movimento ambientalista apareceu porque o ganho de escala não é mais invisível. Não consigo mais ir ao Centro-Oeste jogar um monte de lixo e passar mais 40 anos sem que ninguém veja.

O segundo grande contribuinte é a falência do governo no mundo todo. Nos governos mais disciplinados, a falência decorreu da transição demográfica e do problema de doenças crônicas, que é fruto da modernidade, dos maus hábitos de alimentação e da falta da medicina preventiva.

Nós temos hoje os custos de saúde e previdência subindo duas vezes mais rápido do que o PIB dos países da OCDE. A Alemanha já está abandonando a medicina curativa em prol da medicina preventiva. Estamos tendo uma discussão enorme sobre hábitos alimentares no mundo.

Por quê? Porque não dá para financiar. Então são esses dois fatores os dois grandes responsáveis: a falta de invisibilidade temporal devido ao ganho de escala e a falência dos governos.

Os países que eram bem disciplinados estão enfrentando esses custos elevadíssimos. E quem era indisciplinado, como o Brasil, enfrenta a necessidade de apagar o passado de má administração fiscal.

Os governos não querem mais custear os danos ambientais que antes eram socializados. Por exemplo, os terrenos na marginal Pinheiros. Há 50 anos, as empresas jogavam lixo tóxico ali. Quando chegaram os edifícios, quem foi que limpou esses terrenos? A prefeitura, com o dinheiro do contribuinte. Mas isso acabou.

Estamos vivendo a maior história de privatização do planeta: a privatização do dano ambiental. E essa privatização transformou o problema do meio ambiente num problema financeiro e não mais no problema do mico-leão-dourado, de uma árvore ou de um bicho. Virou problema financeiro. E um dos riscos financeiros é o risco ambiental.

Instituto Ethos: É dessa forma que você atua como economista?

Hugo Penteado: Nós estamos num período de transição. Nós não temos uma resposta para tudo. O que sabemos é que não adianta propor uma mudança que não seja dentro do núcleo de negócios.

Então, por exemplo, o banco abandona qualquer tipo de madeireira que não tem manejo sustentável. Mas a minha abordagem é inclusiva. Olha você tem um tempo para adaptar o seu negócio, mas infelizmente se você não se adaptar você não vai mais trabalhar comigo porque não faz parte do meu núcleo de negócios contribuir com a devastação das florestas.

E todo banco vai começar a fazer isso, porque além de ser extremamente antiético e danoso do ponto de vista dos stakeholders, tem também a questão financeira. Mesmo que não ocorra a fiscalização, seu negócio acaba quando acaba a floresta.

Se há manejo sustentável, seu negocio é renovável, ele nunca vai acabar. E eu tenho interesse em negócios que não tenham data limite. Acabou a floresta, acabou aquela madeireira.

Instituto Ethos: E como você aplica todo esse conhecimento em meio ambiente no seu dia-a-dia de trabalho?

Hugo Penteado: Estamos participando de processos que ainda são incipientes. Eu faço palestras com clientes do banco para reforçar nossas políticas e para eles perceberem que isso não se trata de um discurso e sim de prática.

Eu escrevo artigos, notas e faço todo esse papel de aumentar a crítica. Mas também faz parte do meu dia-a-dia lidar com uma realidade que é aquela: saber quantas economias vão crescer e lidar com o mercado financeiro.

Instituto Ethos: Você tem uma visão positiva sobre esse tema?

Hugo Penteado: Sim, porque o ser humano é o único ser vivo capaz de perceber a realidade e o que está em volta dele. Então vamos perceber que a rota atual vai nos levar para o abismo. E quem está falando isso são dois mil cientistas. Não há duvida, é um consenso.

O primeiro passo já surgiu, que é essa discussão sobre o aquecimento global. Mas o problema é que as estatísticas sobre meio ambiente hoje em dia dizem o seguinte: os países que mais destroem o meio ambiente e a biodiversidade são àqueles em desenvolvimento e os atrasados.

Aí, qual o corolário? Desenvolva os paises pobres. Faça-os crescer que estará tudo resolvido. Mas os países ricos não destroem nada porque não têm mais nada para destruir.

A Europa destruiu 100% das florestas, os Estados Unidos, 98%, a Itália destruiu 99% dos manguezais. O que eles têm mais para destruir? A própria divulgação dos danos ambientais está errada. Não é a destruição da margem que importa. Eu quero saber qual foi a destruição acumulada. O planeta é um estoque. Não temos fluxo de planeta.

E isso é muito sério, porque evita que se faça uma crítica ao modelo de desenvolvimento. E o que é pior, torna o modelo de desenvolvimento que vigora no mundo todo e que está sendo seguido pela Índia, pela China e pelo Brasil como uma solução.

Não trazemos à tona a necessidade de pegar todas as tecnologias que já foram inventadas para minimizar os impactos ambientais. E os economistas estão extremamente confortáveis com a visão deles que é dominante.

Vale acrescentar que corrobora a essa corrente de pensamento Nicholas Stern, economista britânico, o qual sinaliza que "O aquecimento global não é mais assunto apenas de cientistas e ambientalistas, uma vez que a questão passou a ser também econômica".

Nicholas Stern afirma que combater o aquecimento global é sinônimo de desenvolvimento e ignorá-lo é andar na contramão do crescimento econômico.

Ele ficou conhecido por seu relatório sobre o impacto do aquecimento g lobal na economia e deixa claro que "não é só a crise econômica que deve preocupar, mas também as agressões ao meio ambiente que podem custar trilhões de dólares ao mundo".

O economista Nicholas Stern é autor do Relatório Stern, o primeiro grande estudo a tratar da questão ambiental do ponto de vista econômico. O estudo, apesar de polêmico, alertou que a economia não deve se ater apenas aos indicadores financeiros que mostram a instabilidade dos mercados no mundo e que é preciso estar atento também aos termômetros que medem a temperatura na terra.

Nicholas Stern é economista, acadêmico e membro da Câmara dos Lordes. Ele foi economista-chefe e vice-presidente do Banco Mundial, secretário-executivo do tesouro britânico e atualmente é consultor do governo inglês para assuntos climáticos.

Sinceridade ?
Toda a sinceridade é uma intolerância. Não há liberais sinceros. De resto, não há liberais.

Comentários

Perfeito! Muito bom! Esse texto precisa ser divulgado!

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