Belluzzo: "apertem os cintos que o mercado sumiu"
27/03/2009 14:32:02
Por Luiz Gonzaga BelluzzoWolf compreendeu o enrosco: “O governo fornece virtualmente todo o financiamento e arca com todo o risco, mas utiliza o setor privado para formar os preços dos ativos. Em troca, os investidores privados obtêm recompensas – talvez, generosas – com base no desempenho. Interpreto essa ideia como ‘esquema de alívio a fundos-abutre’. Mas vai funcionar? Depende do significado de funcionar. Não se trata de um mecanismo real de mercado, porque o governo subsidia os riscos. Os preços podem não ser baixos o bastante para atrair os compradores ou altos para satisfazer os vendedores”.
O Tesouro dos Estados Unidos e o Federal Reserve tentam ressuscitar o cadáver dos super-SIVs, que, imaginei, teria sido sepultado em 2008. Eles seriam encarregados de recolher detritos financeiros desvalorizados: um pool de grandes bancos compraria a gororoba intragável por um preço acima do valor de mercado. Já naquele tempo, o mercado para a negociação dos ativos desmoralizados havia desaparecido nas brumas da imprudência.
O economista Nouriel Roubini e o consultor John Mauldin suspeitaram que o contribuinte americano estivesse diante de mais uma tapeação engendrada pelos senhores da finança. Perguntam: já engasgados com a gororoba intragável, estariam os bancos e fundos com apetite para engolir mais do mesmo, pagando preços acima dos fixados pelo mercado e agravando os problemas de rentabilidade e liquidez? A resposta só poderia ser uma: na calada da noite, violando as normas do Fed, as autoridades monetárias tratariam de prover os recursos para financiar, a custos módicos, os super-SIVs. A ideia foi arquivada. Retornou, agora sob a direção de Obama e Geithner, com outra denominação e amplos subsídios dos contribuintes à banca depauperada.
Mas, de lá para cá, a ira dos contribuintes contra os gatos gordos de Wall Street assumiu as proporções das revoltas ditas populistas do início do século XX. Wolf está preocupado com a hostilidade explosiva ao setor financeiro. “O Congresso debate taxar os bônus dos executivos. E o procurador-geral de Nova York que sejam revelados os nomes. Isso equivale a um convite ao linchamento.”
Na história da sociedade americana, esses frêmitos exaltados duram o tempo necessário para descarregar o ressentimento dos “bons cidadãos”. Beneficiários dos confortos individualistas e consumistas nos tempos de vacas gordas, os bons cidadãos da América jogam o fardo das desgraças sobre os ombros dos que consideram malfeitores e ladinos. Há fundados receios, entre os sobreviventes do naufrágio financeiro, que o bote salva-vidas do Estado seja baixado por políticos populistas para resgatar a turma do “andar de baixo”.
No entanto, os praticantes das formidáveis inovações destrutivas – os gatos gordos de Wall Street – não teriam prosperado em suas ousadias se, à retaguarda, não estivessem de prontidão os fanáticos do livre mercado e da concorrência desaçaimada. O mal, como sempre, é o intervencionismo do Estado, o poder dos sindicatos, o controle dos mercados financeiros, os obstáculos ao livre movimento de capitais.
A ira populista é o avesso do fervor livre-mercadista, assim como o moralismo midiático e internético de nosso tempo é a outra face da amoralidade das formas de dominação da sociedade de massas contemporânea. Nela, mostrou Hanna Arendt, o indivíduo desarraigado e sem rumo é manipulado e abusado por slogans simplificadores. Os dois estados de espírito, a ira e a crença cega, alternam-se na alma dos bons cidadãos. Tanto um quanto outro impedem a compreensão das formas econômicas e das relações sociais que levaram a economia e a sociedade à crise atual.
Contracorrente
Fonte: CartaCapital
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